
Alicia Lopes Araújo
Imenso, versátil, estratificado: descrever o Brasil é uma tarefa árdua. Num mundo que devora imagens sem as saborear, Luigi Feliziani, ex-dirigente empresarial reformado e hoje presidente do Fotoclube “Lucis Imag”, procurou fazê-lo através da fotografia, desacelerando, observando de verdade. Atravessando dois séculos de história do país, filtrada pelo olhar de pioneiros da objetiva e de artistas visionários, restituiu uma narração visual sem procurar o exótico, mas apostando no essencial. Exatamente por este motivo, foi capaz de despertar uma admiração autêntica. O seu projeto, apresentado no instituto Guimarães Rosa do centro cultural da Embaixada do Brasil em Roma, representou uma viagem inédita através da história da fotografia no país, explorando a memória coletiva, a beleza e os contrastes de uma sociedade em constante transformação.
Após uma cuidadosa seleção de fotografias, muitas delas pouco conhecidas fora do circuito convencional, Feliziani traçou um itinerário pessoal a partir dos primeiros testemunhos fotográficos do século XIX, época de exploração e colonização da imagem, até chegar ao século XX, fase marcada por uma crescente consciência artística e social. «No panorama global, a fotografia brasileira ainda permanece parcialmente um território a descobrir. Muitas vezes liquidada com rótulos redutores, tem dificuldade de ser lida na sua complexidade», ressaltou Feliziani em L’Osservatore Romano. Mas é precisamente esta pluralidade de olhares, esta capacidade de combinar narração, denúncia e experimentação que faz da arte fotográfica no Brasil uma das linguagens visuais mais vivazes da América Latina.
«Recorrendo ao rico acervo conservado na biblioteca da Embaixada escolhi, explicou o fotógrafo, as imagens que mais me impressionaram. Portanto, nem sempre as mais famosas. Sem pretender ser exaustivo, a minha narração começou a partir de duas figuras fundamentais: Louis Daguerre, universalmente conhecido por ter concebido o daguerreótipo (o primeiro processo de fixação permanente de uma imagem), e Hercule Florence, francês naturalizado brasileiro. Este último, inventor esquecido, já tinha desenvolvido uma técnica fotográfica semelhante no Brasil em 1833, ou seja, três anos antes da consagração oficial de Daguerre. No seu manuscrito que remonta a 22 de outubro de 1833, Florence utilizou pela primeira vez na história o termo photographie, precedendo John Herschel de seis anos. No entanto, a sua invenção permaneceu na sombra e ainda hoje os manuais afirmam erroneamente que o termo foi cunhado por Herschel». Somente em 1973 um historiador de arte brasileiro “descobriu” Florence, dando assim início a investigações minuciosas para demonstrar que não se tratava de uma lenda.
«A fotografia chegou oficialmente ao Brasil em 1840, graças ao abade francês Louis Compte. Tendo desembarcado no Rio de Janeiro equipado com um daguerreótipo, foi recebido com entusiasmo pelo jovem imperador Dom Pedro II, que fez dele uma paixão pessoal e contribuiu para a sua difusão». Na segunda metade do século XIX, a fotografia brasileira desenvolveu-se com a contribuição fundamental de alguns fotógrafos europeus. A maioria eram imigrantes franceses, alemães e italianos, que encontraram no Brasil um mercado rico e lucrativo, especialmente para retratos no âmbito das elites urbanas. As cartes de visite (pequenos retratos em pose) tornaram-se status symbols, enquanto as imagens de paisagens exóticas e de populações indígenas eram muito bem vendidas na Europa. No entanto, já nessa fase surgiram sinais de fragmentação: alguns pioneiros começaram a documentar o país a partir de uma abordagem mais etnográfica, pondo em evidência o crescimento urbano, a realidade do mundo dos escravos e dos índios. Entre eles, destaca-se o fotógrafo francês Théophile Auguste Stahl, nascido em Bergamo, filho de um pastor luterano, que chegou ao Recife em 1853. Retratista e depois fotógrafo oficial da corte, é conhecido pela sua atividade de documentação antropométrica realizada a pedido do zoólogo suíço Louis Agassiz, destinada à classificação das “raças humanas”. As suas fotografias referiam-se sobretudo aos componentes negro e chinês da população brasileira. Outra figura-chave é Mark Ferrez, brasileiro de origem francesa; entre meados e finais do século XIX, fotografou o progresso do país: caminhos de ferro, portos, inovações urbanas. A sua obra iconográfica pode ser comparada com a dos grandes nomes da fotografia mundial do século XIX».
No entanto, o século XX marcou uma mudança repentina. Com a urbanização acelerada e as grandes migrações internas, a fotografia tornou-se instrumento para descrever a modernização do país, mas também as suas profundas desigualdades. «Nasce o fotojornalismo, que narra as grandes obras, mas também denuncia as condições de vida nas favelas, a violência, a marginalização. Ao mesmo tempo, aumenta o desejo de reconhecer a fotografia como arte, com influências do pictorialismo europeu e de vanguardas como o cubismo e o surrealismo. Um caso, talvez único no panorama internacional, é o fotoclubismo: espaços de agregação e laboratórios de experimentação artística, entre os quais se destaca o “Foto Cine Clube Bandeirante”, de São Paulo (1939), que introduz novos conceitos estéticos e técnicos. Ainda hoje constitui um ponto de referência para a fotografia amadora e profissional».
Nas décadas centrais do século, acrescentou Feliziani, sobressaiu Marcel Gautherot, parisiense radicado no Brasil. «Famoso por ter documentado a construção de Brasília (1958-1960) com aproximadamente três mil fotos, é também autor de uma importante obra antropológica sobre a defesa do folclore nacional. As suas fotografias combinam rigor formal e força narrativa, tornando-se imagens emblemáticas da arquitetura de Oscar Niemeyer, com quem colaborou durante mais de três anos».
A partir da década de 1980, a fotografia no Brasil explodiu em diversificadas formas e linguagens. «Deixou de ser apenas reportagem ou documento social, e tornou-se também introspeção, performance, experimentação visual». Uma arte viva, que se questiona acerca das raízes. Entre os autores contemporâneos selecionados encontramos Eustáquio Neves, narrador da cultura e identidade afrodescendente, com intensidade emocional e rigor histórico; Márcia Charnizon, ativa entre fotografia, vídeo e performance; Danny Bittencourt, poetisa visual que usa o autorretrato para explorar emoções e recordações; e Ricardo Teles, autor de Transbrasilianas, diário fotográfico ao longo das estradas do interior do Brasil.
«Outro exemplo sugestivo é o projeto denominado “A Alemanha além mar”, de Ricardo Teles, que retrata os enclaves alemães nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo: uma viagem pela memória e pela cultura suspensa no tempo, com imagens que evocam a Europa rural do início do século XX. Na resenha, Feliziani decidiu deliberadamente não abordar em profundidade a figura de Sebastião Salgado, falecido no passado dia 23 de maio: «Para ele é necessário dedicar um evento exclusivo». Contudo, não deixou de prestar uma homenagem ao mestre, reservando-lhe uma única imagem simbólica, que encerra a sua empatia e o seu poder narrativo.
«Hoje, concluiu Feliziani, a fotografia brasileira é um campo fértil, em constante evolução, que se alimenta de tradição e originalidade. Jovens autores afrodescendentes e indígenas continuam a reescrever a narrativa visual com novas linguagens». Desta vez o olhar é a partir de dentro, das margens. Trata-se de um convite a olhar mais a fundo, lentamente, onde a imagem encontra a história e a vida.