Leão XIV

Publicamos a entrevista que D. Nuno Brás da Silva Martins, Bispo do Funchal (Portugal), e vice-presidente da COMECE, concedeu aos meios de comunicação do Vaticano, após o encontro com o Papa Leão XIV, que teve lugar 23 de maio.
Constança Vieira
O Senhor Bispo é vice-presidente da COMECE que teve hoje o seu primeiro encontro com o Santo Padre Leão XIV.
O próprio facto de o Papa nos ter recebido logo nesta primeira semana é algo significativo. É certo que já estava agendado com o Papa Francisco, mas obviamente não esperávamos que o Papa Leão XIV tomasse a iniciativa de dizer que o encontro se mantinha.
Portanto, creio que da parte do Santo Padre, manifesta também esta vontade de estar a par das grandes questões da Europa e de ouvir aquilo que os bispos da Europa têm a dizer acerca da Europa, neste caso da União Europeia.
Depois, o Santo Padre acolheu-nos muito bem e logo das primeiras coisas que disse foi que não tinha muitas respostas, mas queria ouvir.
E de facto essa foi a primeira tónica do encontro. Um Papa que escuta, que está muito atento, obviamente que pergunta também, que aprofunda, mas sobretudo que escuta.
Começamos por fazer uma apresentação do nosso organismo. Uma comissão e uma instituição da Igreja na Europa para seguir de uma forma muito particular as questões da União Europeia.
Digamos que tem uma tarefa muito específica de seguir estas questões seja aquilo que são as grandes linhas e atividade da comissão europeia, mas também do parlamento europeu. Portanto estas duas grandes organizações que estão em Bruxelas e por isso mesmo também a COMECE tem a sua sede em Bruxelas.
O Papa escutou esta apresentação e aquelas grandes questões. Tratamos em primeiro lugar a questão do rearmamento, e aí o Papa manifestou a sua preocupação pelo facto de que o dinheiro usado no rearmamento da Europa poder ser retirado daquilo que são as ajudas sociais. E, portanto, em que medida é que este rearmamento vai ou não prejudicar todo o conjunto de respostas às grandes questões sociais dos Europeus e daqueles que procuram a Europa.
Depois, ainda a Inteligência Artificial, sabemos que também o Papa tem toda esta revolução digital muito no coração, foi um pouco também à conta disso que ele escolheu o nome de Leão. Leão XIV porque Leão XIII teve que se preocupar com a revolução industrial, Leão XIV tem que se preocupar com a revolução digital. Toda esta problemática do Humano e da Verdade também gira à volta da inteligência artificial. Aquilo que a Inteligência Artificial nos pode oferecer, mas também os limites que a inteligência artificial não pode ultrapassar.
Em seguida, o problema das migrações. A Europa tem neste momento cerca de nove milhões de pessoas que não nasceram na União Europeia, cerca de quatro milhões e meio de migrantes, 9 milhões que precisam de ser acolhidos, precisam de ser integrados, que precisam de trabalho, que precisam de tudo. Por um lado, podemos dizer que a Europa precisa dos migrantes porque o inverno demográfico na Europa é uma realidade. A Europa que necessita para o desenvolvimento das suas tarefas e da sua vida quotidiana do trabalho dos migrantes, mas por outro lado esta tendência a desconfiar dos migrantes, a recusar a sua integração e de que maneira os próprios migrantes se poderão integrar nesta realidade europeia. Para além disso, o drama de todos aqueles que nos chegam pelo Mediterrâneo e, portanto, o drama daqueles que vêm para a Europa sem nada, sem nenhumas condições. A Europa deve tratá-los como Seres Humanos que são, com toda a dignidade de Seres Humanos e não simplesmente como alguma coisa indesejável que aparece. São Seres Humanos que batem à nossa Porta, muitas vezes a pedir ajuda porque nos seus países não encontram condições de vida.
Finalmente, outra questão importante, que o próprio Papa acenou, é a dos registos de batismo. Ou seja, o caso daquelas pessoas que pedem à Igreja para cancelar o registo de batismo.
Há mesmo alguns processos nos tribunais europeus. Portanto, os tribunais europeus hão de pronunciar-se. A questão depois mexe com o regulamento de dados da União Europeia. Creio que faz parte da liberdade da igreja, manter o registo daquilo que sucedeu. Tem-se debatido muito junto das organizações europeias no sentido da liberdade da igreja enquanto o registo de um ato histórico que aconteceu e que não pode ser cancelado. É de facto um acontecimento histórico, obviamente a pessoa pode sempre ter liberdade de deixar o culto e, portanto, pode ter a liberdade de abandonar a Fé católica, mas um acontecimento é um acontecimento e um acontecimento não se pode cancelar.
Os Bispos da França descem à rua contra a legalização da Eutanásia, do suicido assistido... Preocupações como esta, como estão a ser tratadas pela Europa e qual é a situação real em Portugal nesse sentido?
O tema foi relativamente abordado com o Santo Padre também porque se insere nas questões tratadas pela Europa, a necessidade de manter as raízes cristãs da Europa, não apenas pela Paz, mas também por todas as questões relacionadas com a vida. De uma forma muito particular o próprio tema da eutanásia.
Na Europa os diferentes países têm posições muito diferentes também, desde países onde há uma liberalização da Eutanásia e, portanto, qualquer pessoa que queira num dado momento praticar a eutanásia pode fazê-lo e outros onde graças a Deus a Eutanásia ainda não é permitida. Portanto há uma grande diversidade, a União Europeia nem sequer é uma confederação, a União Europeia é uma União. Os diferentes estados são soberanos. Certamente que abdicam de uma parte da sua soberania em determinados temas. Algumas entidades têm um modo de ver que procura impor aos diferentes estados esta visão em relação a temas como a Eutanásia, o aborto, a defesa da vida, a defesa da família…
A posição da COMECE é precisamente que nestes casos a União Europeia não pode, não deve impor a vontade de alguns sobre os outros e, portanto, esta é uma legislação que toca a cada estado e não podemos deixar esta fronteira de que cada estado deve tratar e abordar estes temas muito importantes, mas também muito difíceis, que dividem a sociedade, mas cada estado deve no respeito dos seus cidadãos, das suas raízes, deve abordá-los por si.
Em relação a Portugal, o tema da eutanásia está como está. Ou seja, há uma lei que permite a Eutanásia, simplesmente esta lei não está regulamentada, até porque há dúvidas sobre a sua constitucionalidade e o tribunal constitucional veio dar razão a quem levantou dúvidas em relação à constitucionalidade de alguns artigos e, portanto, a lei neste momento tem partes que foram declaradas inconstitucionais, portanto está assim e deixemo-la estar assim.
O senhor Bispo mencionava o grande desafio das migrações e que é preciso acolher, integrar, esta grande quantidade de gente. Existe uma longa tradição entre a COMECE e o SECAM neste e noutros âmbitos. Como se realiza esta colaboração e que futuro pode prever?
Creio que este diálogo, que se mantém de uma forma muito saudável, embora seja mais próprio do CCEE, do Concelho das Conferências Episcopais da Europa, que tem a responsabilidade pastoral das atividades da Igreja na Europa, mas em termos da União Europeia existem encontros entre delegações de vários países e de várias organizações em termos até de ajuda e de diálogo com a União Europeia. E neste sentido creio que a COMECE tem servido de facilitador neste diálogo. Creio que este é também um papel muito importante desta comissão de facilitador do diálogo entre algumas organizações africanas, sobretudo aquelas que nos são mais próximas e a União Europeia. Fundos da União Europeia que podem ajudar em África e esta riqueza também de África que fecunda e ajuda a própria Europa. Creio que essa é uma das grandes riquezas de África, uma riqueza muito grande.
Que mensagem quer deixar, sobretudo à camada mais jovem? Uma mensagem de esperança nestes tempos mais conturbados.
Gostaria de repetir aquele que é o lema do Papa Leão, no único Cristo, nós somos Um. E creio que, é precisamente em Cristo que nós podemos encontrar a verdadeira esperança. Por isso mesmo, o grande convite a todos os jovens africanos de procurarem em Cristo o motivo, as razões e a meta da nossa esperança. Claro que, temos pequeninas esperanças, a nossa vida como seres humanos é também feita de pequeninas esperanças do aqui e agora, mas nunca percamos esta grande esperança que é Jesus Cristo e que Cristo nos garante, Cristo Ressuscitado junto do Pai.