Chaves de leitura

Lorena Pacho
O bispo agostiniano Luis Marín de San Martín, subsecretário da Secretaria Geral do Sínodo, sentiu uma emoção especial no passado dia 8 de maio quando ouviu pronunciar o nome do novo Papa. Para o prelado madrileno de 64 anos, Leão XIV é um amigo, um irmão, um companheiro de viagem. Conhece perfeitamente os seus valores, o seu empenho, as suas sensibilidades e o seu estilo de governação. D. Marín veio, de facto, a Roma em 2008, a pedido de Robert Francis Prevost, então prior geral dos Agostinianos, para se ocupar do Arquivo geral da ordem e participar em várias comissões da Cúria agostiniana. Durante cinco anos partilharam a mesma casa, fazendo parte da mesma comunidade em Roma, vendo-se todos os dias, o que lhes permitiu aprofundar a sua amizade. Quando os compromissos de Prevost o levaram a outras partes do mundo, permaneceram em contacto. Durante o seu ministério episcopal em Chiclayo, o atual Pontífice chamou Marín ao Peru em várias ocasiões, confiando-lhe a formação do clero.
Este último partilhou momentos e etapas fundamentais da vida e do ministério do novo Papa. Nesta entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, o bispo espanhol oferece valiosas chaves de leitura para compreender o pontificado que agora se inicia e os antecedentes intelectuais, espirituais e pastorais de Leão XIV.
O Papa recém-eleito apresentou-se como um «filho de santo Agostinho». Que cunho dá o facto de ser agostiniano? Que traços agostinianos veremos no seu pontificado?
No passado dia 13 de maio, quando veio celebrar a Eucaristia em nossa casa e almoçar connosco, pronunciou palavras muito belas: «Terei que renunciar a muitas coisas, a minha vida mudou, mas nunca renunciarei a ser agostiniano». Aquelas palavras comoveram-me profundamente. Para nós, o fulcro que mantém tudo unido é a comunidade, entendida como comunhão. Daqui advém a insistência do Papa na comunhão, na unidade. Entendemos a comunidade não apenas como viver juntos debaixo do mesmo teto ou trabalhar juntos, mas, como se lê nos Atos dos Apóstolos, como ter um só coração e uma só alma no caminho para Deus. Este é o fio condutor que une todas as coisas.
Que outros traços podem ser colocados nesta perspetiva agostiniana?
A interioridade, a profunda vida de oração, o encontro pessoal com o Senhor. E, ao mesmo tempo, a presença no mundo. A espiritualidade agostiniana não é uma espiritualidade de separação ou de ausência, mas de presença. Existem outras espiritualidades, diferentes da nossa, igualmente belas e importantes, mas nós, agostinianos, somos chamados a sair pelo mundo, a evangelizar, a estar no mundo, junto às pessoas, sobretudo com uma sensibilidade particular para com os mais pobres, para com as questões sociais, na luta pela justiça, pela paz. Caracteriza-nos também o amor à Igreja. Os agostinianos estão abertos a todas as formas de apostolado, prontos a fazer o que a Igreja requer deles. Por isso temos paróquias, universidades, hospitais, pastoral carcerária, missões.
Quais foram os primeiros sinais de Leão XIV que nos permitem vislumbrar as prioridades do seu pontificado?
Encontramo-los já no nome escolhido, que recorda Leão XIII, um Papa que soube ler os sinais dos tempos. Os tempos mudam, e hoje fazem-no a uma velocidade impressionante. Não se trata, portanto, de responder a desafios que talvez já não existam, ou de continuar a viver num mundo já superado. É fundamental compreender quais são os desafios do nosso tempo. Para além disso, o Papa Pecci iniciou a Doutrina social da Igreja, com uma sensibilidade marcante para com os mais desfavorecidos e o mundo do trabalho. A par disto, vemos nele uma forte insistência na paz. Trabalha sempre em espírito de comunhão, criando laços, integrando, nunca partindo do confronto ou do choque. É uma pessoa que constrói pontes. Sempre o foi: como religioso, bispo e cardeal, procurou unificar e integrar. É um homem de Deus para o nosso tempo.
De que modo considera que a experiência pastoral de Prevost no Peru moldou a sua visão da missão da Igreja hoje?
O seu espírito missionário tem raízes em diversas fontes. A primeira é a sua família, sempre muito envolvida na vida paroquial e na comunidade cristã. Outra fonte reside na espiritualidade agostiniana, que é uma espiritualidade de missão, de testemunho, de saída. E, em terceiro lugar, a sua experiência pessoal. Partiu para as missões muito jovem, desempenhando durante muitos anos a função de formador dos sacerdotes agostinianos em Chulucanas, Peru. Aquela época foi particularmente significativa. Cultivou sempre uma forte sensibilidade missionária. Mais tarde mudou-se para Chiclayo. Embora seja americano de nascimento, passou grande parte da sua vida fora da América do Norte. Não é alguém que fica em casa: é alguém que parte, que viaja para outras culturas, a ponto de se assimilar e de se integrar perfeitamente na cultura em que vive.
Como interpretaria o seu estilo de governo episcopal em Chiclayo e também durante o seu mandato como prior dos agostinianos? Que traços desse estilo se podem refletir no seu modo de governar a Igreja universal?
É um homem de ideias muito claras. Tem uma mentalidade de matemático e de canonista. É extremamente arrumado, incansável no trabalho, pensativo. Nunca toma decisões de ânimo leve. Medita, reflete e reza. É uma pessoa que, fiel ao estilo agostiniano, trabalha sempre em equipa. Este é o âmbito em que se formou e em que sempre viveu. O seu estilo de governação foi sempre marcado por uma grande capacidade de escuta. É um homem que sabe ouvir, ouve muito e escuta opiniões diferentes. Isto não significa que concorde com todos, mas ouve-os e dialoga. Sabe governar. Toma decisões, mas sempre num estilo de diálogo. Foi o que sempre fez na sua vida. Em Chiclayo, fomentou uma grande participação, promoveu a sinodalidade, a corresponsabilidade de todos, a participação ativa de toda a comunidade.
Uma das chaves de leitura abordadas no seu primeiro discurso foi a sinodalidade. Como a viveu e aplicou até agora?
É um homem profundamente sinodal. Mas não pratica uma sinodalidade política, mas sim uma sinodalidade eclesial. E não se trata apenas de uma sinodalidade teórica, mas também prática, concreta, que se deve encarnar na vida, nas estruturas e no estilo da Igreja. Na sua diocese promoveu, desde o início, cursos sobre a sinodalidade para explicar o seu significado e esteve sempre ativamente empenhado nos processos sinodais. E continuará a desenvolvê-la.
Que papel atribuirá Leão XIV aos leigos, à luz da sua experiência?
O papel que lhes corresponde nessa perspetiva sinodal que surge da comunhão e assume a forma de uma corresponsabilidade diferenciada. Não devemos esperar que ele clericalize os leigos, nem que laicize o clero. Cada um segundo a própria missão. Portanto, partindo da igualdade de todos no batismo, reconhecendo que é o batismo que nos torna membros de Cristo. Formamos uma unidade: não há melhores nem piores. Mas devemos respeitar a diversidade de vocações, de carismas, de ministérios. Seria absurdo que um bispo quisesse servir a Igreja como leigo, ou que um leigo quisesse fazê-lo como presbítero. Cada um de acordo com a sua vocação, de acordo com a missão a que foi chamado. Outro aspeto importante, que o Papa continuará a cultivar como sempre o fez, é interligar todas estas diferentes vocações, carismas e ministérios. É necessário relacionar-se, ajudar-se reciprocamente, interligar-se, iluminar-se, caminhar juntos. Esta interligação entre todos os membros da Igreja representa um desafio, mas ele está bem preparado, pois dedicou-lhe uma grande atenção ao longo de toda a sua vida.
Robert Francis Prevost desempenhou um papel relevante na Conferência episcopal peruana para promover a Comissão para a Proteção dos Menores. O tema dos abusos preocupa-o? É uma prioridade para ele?
É um assunto que o preocupa profundamente e sobre o qual foi muito claro desde o início. A sua história pessoal confirma-o. Importa ainda sublinhar as recentes declarações do atual bispo de Chiclayo e da Conferência episcopal do Peru sobre este tema. Não há qualquer dúvida quanto a isso. Sempre esteve ao lado das vítimas. Sempre. E respeitou escrupulosamente todos os protocolos. A sua forma de atuar foi irrepreensível. Foi um dos poucos que esteve sempre ao lado das vítimas, desde o primeiro momento. As próprias vítimas sublinharam este facto: «Esteve sempre ao nosso lado»; foi um dos poucos que soube acompanhá-las desde o início. Graças a ele, foi feita justiça.
Considera que ele continuará a seguir os passos do seu predecessor, o Papa Francisco?
Gosto de usar a expressão «continuidade na descontinuidade». Foi Francisco que descobriu a personalidade brilhante e rica de Robert Francis Prevost. Nomeou-o bispo de Chiclayo, chamou-o para Roma como prefeito do Dicastério para os Bispos, criou-o cardeal, recebia-o frequentemente... É um homem de Francisco. Partilha esta linha. Ambos são filhos do Concílio Vaticano II. Há uma continuidade em todos estes processos de renovação de uma Igreja sinodal, missionária, em saída, a Igreja da misericórdia, a Igreja que invoca a paz e se empenha pela paz no mundo, a Igreja da corresponsabilidade. Há uma continuidade, mas na descontinuidade. Não é uma fotocópia: tem o seu próprio estilo. Será um grande líder no mundo. A sua voz será ouvida. Será uma voz influente neste mundo tão necessitado de figuras que sejam verdadeiros pontos de referência.