
Ambrogio M. Piazzoni
Uma “eleição” propriamente dita, isto é, uma escolha livre, foi a que Jesus de Nazaré manifestou na região de Cesareia de Filipe quando confiou a Pedro a missão de guiar a Igreja, depois de o apóstolo ter proclamado a sua fé messiânica. «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja» são as palavras que o Evangelho segundo Mateus (16, 18) utiliza para indicar o momento em que Jesus muda o nome do discípulo Simão de Betsaida e lhe confia assim uma missão específica. A promessa da entrega das «chaves do reino dos céus» que acompanha esse episódio (Mateus 16, 19) e a incumbência de «apascentar as ovelhas» (João 21, 15-17) exprimem nos Evangelhos a “primazia” de Pedro perante os outros discípulos e a sua responsabilidade na chefia da Igreja: «tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu», (Mateus 16, 19).
A comunidade cristã que se formou em Roma nas primeiras décadas após a morte e ressurreição de Jesus foi reconhecida desde o início como tendo sido fundada por Pedro e Paulo, e selada pelo martírio que ambos sofreram na cidade entre 64 e 67; Pedro, o apóstolo diretamente escolhido por Jesus, era o responsável. A escolha dos seus sucessores decorreu em moldes semelhantes aos que regulavam a sucessão dos responsáveis das outras comunidades cristãs que se iam formando nas cidades do Império Romano. Era um processo gradual, variável de lugar para lugar, em que o guia da comunidade, empenhado na pregação e na pastoral, era assistido por presbíteros e diáconos. O sucessor era designado, aprovado pela comunidade e, por fim, reconhecido pelos responsáveis das comunidades vizinhas, em moldes que não sabemos definir com exatidão, mas que destacavam o papel central da comunidade na escolha do seu pastor. Um dos documentos mais antigos que atestam os procedimentos para a eleição dos bispos é a Tradição apostólica atribuída a Hipólito de Roma, que remonta a 215 d.C. «Seja ordenado bispo aquele que tiver sido escolhido por todo o povo», lê-se nele, mas o modo de escolha não é especificado. Os acalorados debates registados em algumas comunidades na altura da sucessão do bispo sugerem que toda a comunidade cristã participava na escolha, mas que a unanimidade não era necessária. A ordenação do candidato eleito realizava-se com a «imposição das mãos» dos bispos presentes, geralmente de comunidades vizinhas, e durante a cerimónia o povo, que já tinha feito a escolha, assistia em silêncio, invocando a descida do Espírito Santo sobre o candidato.
Estes processos de eleição dos bispos, e também do bispo de Roma, mantiveram-se estáveis durante muito tempo, não tendo sofrido alterações substanciais mesmo com a legalização do cristianismo em 313 e a sua proclamação como religião do Império romano em 380, factos que levaram a uma interferência cada vez maior dos imperadores nas sucessões episcopais, especialmente na de Roma. Se inicialmente a intervenção imperial se limitou a registar a eleição, como no caso de Valentiniano II com o Papa Sirício em 384, depressa assumiu um papel mais ativo. Em 420, o imperador Honório promulgou o primeiro decreto que regulamentava os procedimentos de escolha do Papa, estipulando que, em caso de dupla eleição, nenhum dos dois eleitos seria reconhecido, mas que se procederia a uma nova eleição unânime. Para garantir a regularidade das operações, foi prevista a presença de um representante imperial nas eleições papais.
No decurso do século V, à medida que Leão I Magno reforçava a sua consciência da derivação direta do primado da Igreja de Roma do primado de Pedro, os procedimentos para o início de um pontificado tornaram-se mais definidos, reduzindo a componente laica da comunidade cristã a uma representação confiada às pessoas mais influentes da cidade. Com a deposição do imperador do Ocidente, em 476, a situação complicou-se. O rei dos Heruli Odoacre, arrogando-se prerrogativas imperiais, pretendeu influenciar as eleições papais e, alguns anos mais tarde, o rei dos Ostrogodos Teodorico interveio após uma nova dupla eleição, decidindo que seria papa aquele que tivesse sido eleito em primeiro lugar ou que tivesse obtido a maioria dos votos.
Foi eleito Símaco que, em 499, fez a primeira intervenção formal de um papa para regular a eleição dos seus sucessores, estabelecendo que quem fosse eleito pelo clero ou, em caso de divisão, pela sua maioria, seria o legítimo bispo de Roma. A confirmação da necessidade de uma maioria (como Teodorico tinha estabelecido ao corrigir a unanimidade estipulada por Honório) era o reconhecimento de uma situação de facto que tinha surgido muitas vezes. A verdadeira novidade era, pelo contrário, a ideia de que o bispo de Roma podia ser eleito por um pequeno e determinado corpo de eleitores, constituído apenas pelo clero, e não por todos os fiéis da cidade.
Com o regresso dos bizantinos a Ravena, o imperador Justiniano, reorganizando o governo da Itália reconquistada aos godos, promulgou, em 554, a Prammatica sanzione, que concedia privilégios ao Papa, mas previa, ao mesmo tempo, que a sua eleição fosse confirmada pelo imperador. Uma das consequências foi o prolongamento da duração dos períodos de sede vacante, sendo o papa recém-eleito obrigado a esperar pela aprovação de Bizâncio. A distância geográfica, a lentidão das comunicações, as intrigas de palácio e as manobras políticas contribuíram para prolongar significativamente o tempo de espera. A situação alterou-se em 685, quando o imperador Constantino IV confiou a ratificação da eleição ao exarca, o seu representante em Itália, que residia em Ravena. Se esta mudança facilitou as coisas, marcou também uma diminuição do interesse imperial e um progressivo desprendimento dos laços entre o papado e o Oriente.
O século VIII assistiu à orientação definitiva da política papal para o Ocidente, com o apoio dos Francos e o renascimento de um Império que se chamaria sacro e romano. Os imperadores carolíngios intervieram de várias formas nas eleições pontifícias, nomeadamente com a Constituição Romana de Lotário, em 824, que restabeleceu o direito dos leigos romanos de participarem nas eleições ao lado do clero e tornou obrigatória a presença de embaixadores imperiais. Com o fim dos carolíngios e a crise do império, o papado passou a estar sob o controlo da aristocracia romana, voltando a estar sujeito à aprovação imperial com o renascimento do Sacro Império Romano pelos otomanos no século X. O papado procurou libertar-se desta tutela, mas os imperadores saxónicos continuaram a intervir nas eleições, impondo frequentemente os seus próprios candidatos.
Apesar das turbulências e das interferências externas, no século XI surgiu um forte desejo de reforma da Igreja, apoiado por círculos monásticos e seculares. Um papel decisivo neste processo foi desempenhado pelo rei da Alemanha, e por isso mesmo candidato a imperador, Henrique III, que em 1046 depôs os três papas concorrentes e se reservou o direito de nomear um candidato para a eleição papal. O imperador nomeou e fez eleger quatro papas alemães reformadores, mas a eleição de Leão IX, em 1049, marcou um ponto de viragem. Foi Brunone, bispo de Toul, que aceitou a nomeação com a condição de ser livremente escolhido pelo clero e pelo povo romano. Só então se dirige para Roma, sem pompa e sem exército, acompanhado de alguns amigos, vestido como peregrino. A sua decisão de se submeter à vontade da comunidade cristã de Roma mostra a importância que também atribuía à forma como o Papa era escolhido. Com ele, a liderança da reforma da Igreja foi assumida diretamente pelo papado, que lutou pelo ideal da libertas ecclesiae. Instrumentos importantes desta ação foram a reflexão sobre o primado petrino e a colaboração estreita de um grupo de conselheiros sinceramente reformistas que constituíram o colégio dos cardeais, uma instituição antiga que foi dotada de novos conteúdos. Da união entre os ideais da reforma e a tradição da teologia do primado derivou uma consequência significativa, a convicção de que a afirmação do primado papal era um meio seguro para a regeneração da Igreja e da sociedade no seu conjunto. Neste contexto, a tentativa de subtrair a questão da eleição do Papa ao controlo leigo era evidente, e teve lugar quando as condições gerais o permitiram.
Foi assim que o Papa Nicolau II, Geraldo de Borgonha, no sínodo convocado no Latrão depois da Páscoa de 1059, promulgou, com a bula In nomine Domini, um decreto que estabelecia novas regras para a eleição do pontífice: o direito de eleger o papa era atribuído aos cardeais bispos (com a intervenção posterior dos outros cardeais, do clero e do povo romano) e a sua liberdade de escolha era protegida pela disposição que lhes permitia reunir-se e proceder à eleição mesmo fora de Roma, em caso de dificuldades. Com a redução drástica do corpo eleitoral, a eleição foi efetivamente retirada do poder dos leigos, salientando a natureza hierárquica da autoridade eclesiástica. O decreto especificava que o Papa eleito detinha imediatamente plenos poderes, independentemente da sua residência física em Roma, e definia o papel do colégio dos cardeais durante a sede vacante, estabelecendo que a Igreja de Roma era identificada com o local onde se encontravam os cardeais.
A ausência, no decreto de Nicolau II, da indicação de um número mínimo de votos necessários levou à ocorrência frequente de eleições duplas e à nomeação de antipapas. Num século, houve onze antipapas ao lado de catorze papas legítimos, refletindo divisões internas no colégio cardinalício e instrumentalização política, especialmente durante as tensões entre o papado e o imperador Frederico I Barba ruiva. Para resolver estas controvérsias, o Papa Alexandre III introduziu novas regras em 1179 com o decreto Licet de evitanda discordia, aprovado durante o Concílio de Latrão III. Para «evitar a discórdia», foi estabelecido que só os cardeais, sem distinção de grau, podiam eleger o Papa e que a eleição exigia uma maioria de dois terços dos votantes. A regra de que a eleição era o ato jurídico fundador do cargo papal manteve-se inalterada.
As novas regras levaram a um período sem antipapas e, apesar da necessidade de uma maioria de dois terços, as eleições tornaram-se muitas vezes rápidas, como a de Inocêncio III em 1198. Nessa ocasião, foram também introduzidas duas inovações: a recitação de uma oração para a eleição do pontífice e a utilização de boletins de voto para o voto escrito. No entanto, nalgumas ocasiões, os cardeais tiveram dificuldade em chegar a um acordo, prolongando as eleições durante meses. Para acelerar o processo de decisão, foram adotadas medidas como o fechamento dos cardeais e o processo de eleição «per compromissum», no qual a escolha era delegada a um pequeno grupo de cardeais. A eleição de Inocêncio IV, em 1243, demorou mais de dezanove meses, o que o levou a estipular que o processo de eleição poderia começar imediatamente no lugar da morte do pontífice. A sede vacante após a morte de Clemente IV, em 1268, chegou a durar trinta e três meses. Este período foi marcado pela decisão dos cardeais de se fecharem voluntariamente no palácio papal de Viterbo; para isso, fizeram acordos com as autoridades do município de Viterbo para garantir a tranquilidade dos reclusos e assegurar o funcionamento da cúria pontifícia. É célebre o episódio em que os cidadãos destelharam o teto do palácio para exigir uma decisão. O telhado foi reparado ao fim de duas semanas, mas passou-se quase um ano até que a eleição fosse concluída por compromissum confiado a seis cardeais, com a escolha de Tedaldo Visconti, arquidiácono de Liège, que se encontrava na Terra Santa aquando da eleição e que assumiu o nome de Gregório X. A ele se deve a constituição Ubi periculum, votada pelo Segundo Concílio de Lião a 7 de julho de 1274, que abriu uma nova época na história das eleições papais, com a instituição do conclave.
Este regulamento tinha como objetivo garantir uma eleição livre de interferências externas e evitar períodos prolongados de sede vacante. Estabeleceu-se que os cardeais se reuniriam num local fechado, sem contacto com o mundo exterior, levando uma vida comum e dedicando-se exclusivamente à eleição. A alimentação dos enclausurados seria progressivamente reduzida com o passar dos dias, a administração dos bens dos cardeais seria confiada ao camerlengo e as relativas receitas provenientes seriam entregues ao futuro pontífice. A Ubi periculum exortava também os cardeais a pôr de lado os interesses e conflitos pessoais, concentrando-se unicamente no bem da Igreja, e reiterava a invalidade de qualquer acordo destinado a influenciar a eleição.
O primeiro conclave propriamente dito teve lugar em Arezzo, em 1276, seguindo as novas regras, e resultou na eleição de Inocêncio V num único dia. No entanto, a implementação da Ubi periculum encontrou resistência por parte dos cardeais e foi repetidamente suspensa e reintroduzida, tornando-se definitiva apenas ao fim de vinte anos. Apesar disso, as sedes vacantes continuaram a verificar-se durante vários meses, como no caso da eleição de Celestino V em 1294, o que levou este último a intervir sobre a questão da duração das sedes vacantes. Restabeleceu as regras do conclave e estipulou que estas deveriam ser respeitadas mesmo em caso de abdicação. Três dias depois, perante os cardeais reunidos, leu a fórmula da sua renúncia, depôs as insígnias papais e pediu aos cardeais que procedessem à eleição de um novo Papa o mais rapidamente possível. O que aconteceu: passados dez dias, iniciou-se um conclave, na devida forma prevista pela Ubi periculum, que elegeu o Papa Bonifácio VIII em menos de vinte e quatro horas.
As normas permaneceram em vigor durante a estadia dos pontífices em Avinhão, no século XIV. Durante os setenta anos do período de Avinhão, as eleições foram realizadas em conclave, de acordo com regras que foram modificadas apenas em aspetos práticos menores, como a flexibilização das normas alimentares e a abolição do dormitório comum. O regresso dos papas a Roma em 1378 trouxe novas tensões entre os cardeais, que conduziram ao chamado grande cisma do Ocidente. Durante quase quarenta anos, papas e antipapas disputaram o título e a obediência da Igreja, enquanto que, na sua reflexão sobre o significado do papado e da sua função, os teóricos do conciliarismo defendiam que a autoridade suprema da Igreja residia no conjunto dos bispos reunidos em concílio.
Após várias tentativas de concílios em Pisa, Perpinhão e Cividale, o concílio reunido em Constança em 1414 conseguiu obter a renúncia dos vários papas e, em 1417, elegeu Martinho V, reconhecido por todos. Este foi eleito pelos cardeais e pelos representantes das várias nações presentes no concílio. A partir do conclave seguinte, em 1431, com a morte de Martinho, a eleição voltou a ser feita apenas pelos cardeais. Havia ainda um antipapa, Félix V, eleito irregularmente em 1439, que renunciou no ano seguinte.
Abriu-se uma nova época na história da Igreja, caracterizada por problemas de relacionamento entre o Papa e o Concílio, e pela dramática separação da Igreja com o movimento da Reforma que, na primeira metade do século XVI, levou à criação da Igreja luterana e de outras Igrejas protestantes, e à renovação da Igreja católica. Na segunda metade do século XVI, o Concílio de Trento tornou-se o ponto central da reforma católica e da contrarreforma católica.
Durante este período, registaram-se também intervenções nos processos de eleição dos papas. Em 1562, Pio IV emitiu a bula In eligendis ecclesiarum praelatis, que, entre outras coisas, impunha o escrutínio diário e definia as quatro formas possíveis do processo de eleição: por inspiração, por compromisso, por escrutínio ou por acesso.
Houve também várias intervenções posteriores, sendo as mais significativas a de Sisto V que, em 1586, fixou o número de cardeais em setenta, à semelhança dos anciãos do povo de Israel (número que se manteve estável até ao século XX) e a de Gregório XV que, com a bula Aeterni patris de 1621, introduziu o voto secreto, confirmando a necessidade de uma maioria de dois terços. Foi, portanto, necessário elaborar um boletim de voto que garantisse o anonimato e impedisse que se votasse em si próprio. Outro documento de Gregório XV, a constituição Decet Romanum Pontificem de 1622, reiterou a importância do aspeto religioso do conclave, excluindo as influências políticas e especificando em pormenor as regras promulgadas quatro meses antes. Estas disposições permaneceram em vigor até ao início do século XX.
Entretanto, produziram-se também legislações que podem ser definidas de emergência, em momentos particularmente complicados, como a emitida por Pio VI, prisioneiro de Napoleão em França, por Gregório XVI, que imaginou cenários difíceis, por Pio IX entre 1871 e 1877, quando se temia a autonomia do Papa, que se descreveu como «prisioneiro no Vaticano» após o nascimento do Reino de Itália.
No século XX, houve as intervenções de Pio X, que em 1904 conseguiu suprimir o chamado direito de exclusividade das potências católicas europeias, prevendo também a excomunhão para os cardeais que avisassem os seus colegas de um veto das autoridades seculares e, com outro documento do mesmo ano, aboliu o sistema eleitoral do chamado “acesso”, duplicando o número de votações diárias. Em 1917, Bento XV emitiu o Codex Iuris Canonici, que também tratava das eleições papais, sem qualquer novidade particular, mas confirmando significativamente que estas eram exclusivamente confiadas ao Colégio dos Cardeais, mesmo no caso de um concílio ecuménico, que devia ser considerado dissolvido no momento da morte do papa. Foi então especificado que todos os cardeais excomungados, interditos ou suspensos teriam também o direito de participar plenamente no conclave. Pio XI interveio na legislação relativa ao conclave com o motu proprio Cum proxime de 1922, com o qual estabeleceu que, após a morte do pontífice, deveriam decorrer não dez, mas quinze dias antes do início do conclave, a fim de permitir a participação de cardeais de países distantes. As mesmas regras foram reiteradas de forma mais solene na constituição apostólica Quae divinitus de 1935, redigida quase como uma confirmação da prerrogativa papal de legislar em matéria de conclave. Novos procedimentos foram emitidos por Pio XII com a constituição Vacantis Apostolicae Sedis de 1945. Foi estipulado que ao consenso de dois terços, que tinha sido exigido para a validade da eleição desde o tempo de Alexandre III, deveria ser acrescentado outro voto por prudência. Este voto suplementar teria tornado desnecessário verificar o boletim de voto do eleito se o número mínimo exato de votos exigido tivesse sido alcançado, uma verificação que, de facto, só foi necessária uma vez, no conclave de 1914 para Bento XV. Consequentemente, o complicado sistema de personalização dos boletins de voto com um lema escolhido por cada eleitor foi cancelado. A constituição também regulava com rigor o funcionamento do aparato central da Igreja durante o período de vacância da Sé. Para além de algumas intervenções significativas na composição do colégio cardinalício (que superou o número de 70 estabelecido no final do século XVI), João XXIII, com a Summi Pontificis electio de 1962, em vésperas do Concílio Vaticano II, interveio diretamente na instituição do conclave, com alterações que tenderam a retirar do quadro geral do conclave aquele aspeto, talvez um pouco paradoxal, de desconfiança mal dissimulada em relação ao corpo eleitoral. O segredo sobre o andamento dos escrutínios, por exemplo, não foi atenuado, mas foi explicitamente reconhecida ao novo papa a possibilidade de permitir a sua divulgação. Foi também restabelecida a preservação dos boletins de voto, que, fechados em envelopes selados, deviam ser guardados nos arquivos, consultáveis apenas com a autorização do Papa; só os boletins de voto deviam ser queimados. Estava assim garantido o segredo e a possibilidade de um futuro controlo dos acontecimentos. A maioria dos votos necessários para a eleição foi restabelecida no tradicional requisito de dois terços, arredondado, se necessário, para a unidade superior se o número de participantes não fosse divisível por três (abolindo assim o voto extra exigido por Pio XII), e foram reduzidas as situações em que os participantes no conclave incorriam por isso em excomunhão.
Depois do Concílio Vaticano II, as disposições de Paulo VI foram significativas: o motu proprio Ingravescentem aetatem, de 1970, que estabeleceu aos oitenta anos a idade a partir da qual os cardeais já não podiam participar no conclave, e a constituição apostólica Romano Pontifici eligendo, de 1975, com a qual o Papa interveio organicamente na questão. Antes de mais, reafirmou o princípio fundamental de que «a eleição do Romano Pontífice é, segundo a tradição antiga, da responsabilidade da Igreja de Roma, isto é, do sagrado colégio dos cardeais, que a representam» e não da responsabilidade dos representantes da Igreja universal. À volta deste princípio, que possui e conserva um significado teológico e eclesiológico enraizado nas próprias origens do papado, desenvolvem-se então as várias normas que regulam a sede vacante e o conclave. Deste modo, a menção da participação universal da Igreja, chamada a unir-se, espiritualmente e com a oração, aos cardeais em conclave, adquire um significado particular: «assim, a eleição do novo pontífice — afirma a constituição — não será um facto isolado do Povo de Deus e relativo apenas ao colégio dos eleitores, mas, em certo sentido, uma ação de toda a Igreja».
A maioria de dois terços dos votos mais um (introduzida por Pio XII e abolida por João XXIII) voltou a vigorar e, sobretudo, foi criada a possibilidade, depois de mais de trinta escrutínios sem resultado válido, de os cardeais decidirem pela utilização de critérios diferentes, como a maioria simples dos votos mais um ou o desempate entre dois candidatos, ou a forma tradicional de compromisso. Igualmente significativa foi a introdução, após três dias de escrutínio e também sucessivamente, de intervalos para oração e «livre discussão entre os eleitores». Entre as novidades, a abolição, exceto em casos muito especiais, dos conclavistas, e o esclarecimento de que o eleito é imediatamente verdadeiro papa no momento em que manifesta o seu consentimento se já estiver investido de dignidade episcopal, caso contrário deve ser imediatamente consagrado bispo. O número máximo de cardeais eleitores foi também fixado em cento e vinte, confirmando a exclusão do conclave dos maiores de oitenta anos.
A constituição apostólica Universi dominici gregis, emitida na festa da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) em 1996 por João Paulo II, é a que regula os procedimentos para a eleição do pontífice hoje (com uma pequena mas importante intervenção de Bento XVI) e os leitores estão certamente já bem informados porque todos os meios de comunicação social falaram dela nos dias de sede vacante que precedem o conclave. Por isso, limitar-nos-emos aqui a algumas observações sobre os aspetos mais significativos. Em primeiro lugar, é interessante notar uma afirmação no preâmbulo do documento, a do «dever» de emitir e atualizar constantemente as normas que regulam a sucessão na Igreja de Roma, para as adaptar de vez por vez à situação concreta em que a Igreja vive. A par desta declaração de princípio, é também significativo o facto de se salientar que essas normas entram em vigor no momento em que a Sé Romana fica vacante «por qualquer motivo». Não se trata, em si, de uma afirmação nova. A vacância da Sé Apostólica por outras razões que não sejam a causa natural da morte do pontífice ocorreu várias vezes ao longo da história: pelo menos cinco papas renunciaram e, nos tempos modernos, parece que Pio XII e Paulo VI também pensaram nessa possibilidade e, sobretudo, como os leitores certamente sabem, o sucessor de João Paulo II, o Papa Bento XVI, decidiu renunciar ao pontificado em 2013.
A primeira grande novidade da Universi dominici gregis é o facto de o lugar da eleição ser fixado no Vaticano e mais precisamente na Capela Sistina, um templo «onde tudo ajuda a alimentar a consciência da presença de Deus». Igualmente nova é a determinação do local onde os cardeais residirão durante o conclave, já não em alojamentos temporários, mas na Domus Sanctae Marthae; uma vez que esta não é adjacente à Capela Sistina, os cardeais podem ir a pé ou devem ser levados de autocarro através de percursos que garantam a clausura prescrita. É também de salientar a abolição dos dois métodos tradicionais de “inspiração” e “compromisso”, e o único sistema eleitoral que se manteve em vigor foi o escrutínio, ou seja, o voto secreto expresso por escrito individualmente por cada eleitor. Foram aperfeiçoadas as normas já introduzidas em 1975 sobre a alternância entre os dias de interrupção, reservados à oração e ao «diálogo livre» entre os eleitores, e os dias de votação. Nos primeiros trinta e quatro escrutínios (que devem ser realizados no prazo de doze dias), deve ser alcançada a tradicional maioria de dois terços, com arredondamento para a unidade seguinte no caso de um número total que não possa ser dividido por três. A partir do décimo terceiro dia do conclave, os cardeais podem, por maioria absoluta (mas não necessariamente unânime), decidir como continuar a votação, que, em qualquer caso, deve ser efetuada por voto escrito e secreto. Poder-se-ia continuar procurando um consenso de dois terços, ou poderia optar-se por um desempate entre os mais votados, ou poderia exigir-se apenas a maioria absoluta. Embora se trate de uma hipótese relativamente remota, tendo em conta que há muito tempo que não se realizam tantos escrutínios, com a Universi dominici gregis de João Paulo II surgiu a possibilidade de um pontífice ser eleito com um número de votos inferior a dois terços, uma maioria que sempre se manteve desde que Alexandre III a fixou em 1179.
Bento XVI interveio neste ponto com dois documentos, a Carta Apostólica De aliquibus mutationibus in normis de electione Romani Pontificis, de 11 de junho de 2007, e a Carta Apostólica Normas Nonnullas, de 22 de fevereiro de 2013 (uma semana antes da sua renúncia), que restabeleceu absolutamente a necessidade de uma maioria de dois terços dos eleitores, mesmo no caso, previsto, de o Colégio Cardinalício decidir continuar na forma de um desempate entre apenas dois candidatos. Por fim, é preciso lembrar que Francisco não interveio na legislação do conclave, mas introduziu várias mudanças na Ordo Exsequiarum.
Depois de quase vinte séculos desde que Pedro de Betsaida recebeu de Jesus de Nazaré a tarefa de guiar a Igreja, muitas coisas mudaram. O corpo eleitoral, ou seja, o conjunto daqueles que escolhem o Papa, mudou muito ao longo do tempo, e das eleições por toda a (e originalmente pequena) comunidade cristã de Roma, passámos para aquelas confiadas a um pequeno grupo de eleitores, os cardeais, por vezes apenas a alguns deles. Os procedimentos também diferiram consideravelmente e, de uma discussão pública de tipo assembleia, surgiram as regras mais ou menos rigidamente aplicadas do conclave. E tudo isto através de contrastes por vezes muito animados, com a intervenção de várias forças externas, com eleições de candidatos impostos por imperadores ou senhores poderosos e outras realizadas na absoluta liberdade dos eleitores; houve papas eleitos por unanimidade e períodos em que papas e antipapas se disputaram a obediência da Igreja. Os séculos passados deixam atrás de si uma história de muitas e atribuladas mudanças nas formas de eleição dos Papas, mas confiam ao futuro o sentido da missão constante e inalterada de Pedro e dos seus sucessores, de guiar a Igreja para um novo encontro com o seu Senhor.