MULHER IGREJA MUNDO

3 livros para redescobrir um poder transformador

Se esperas, moves-te

 Se speri,  ti muovi  DCM-006
07 junho 2025

Quando penso na esperança, e isto acontece com frequência, a primeira coisa que me vem à mente é a ideia de Hannah Arendt sobre a “natalidade”, a própria constatação de que novos seres humanos, meninas e meninos, continuem a nascer move a nossa condição para a surpresa e o inesperado, é uma contínua irrupção de novidade, que faz com que o mundo como sempre foi não tenha que ser necessariamente. Muitas vezes estamos tão assustados ou tão feridos, que caímos no cinismo, no desânimo, na falta de energia, tudo para não correr o risco de ser surpreendidos, para ver o imprevisto bater à porta. Porque a esperança arrasta consigo um grande peso e muita incerteza. Não é esta deambulação onírica, esta oração distorcida (mas tão normal): que o mal não me aconteça, mas é o seu contrário: se esperas, moves-te.

Com alguns de nós pode ter acontecido aquilo que descrevem com desenhos e palavras Olga Tokarczuk e Joanna Concejo, num livro ilustrado de Topipittori; é a história de um homem «que trabalhava árdua e rapidamente, e que há muito tinha deixado a sua alma para trás». Tokarczuk narra-nos que, sem a alma, nem sequer vivia mal, corria para um lado e para o outro, trabalhava, comia, até participava em torneios de ténis, mas às vezes o mundo parecia-lhe muito nivelado. Este homem que se tinha esquecido do seu nome e que, depois de uma certa pesquisa, descobriu que se chamava Jan, quando conseguiu ser alcançado pela sua alma, levantou a cabeça e compreendeu que as plantas cresciam e que era surpreendente vê-las crescer (e isto é descrito por Concejo, com imagens). Aquele homem, Jan, tinha conseguido compreender de novo no que consiste a esperança.

Acontece, quando há o que beber e o que comer, e quando vamos demasiado depressa, que deixamos a nossa alma para trás e já não temos razões para esperar, já nem sequer compreendemos o que significa, mas quando há guerra, falta de comida ou de abrigo, a esperança torna-se um motor muito concreto.

Chimamanda Ngozi Adichie, no livro Half of a Yellow Sun, fala da guerra após a proclamação da independência da República do Biafra da Nigéria em 1967, e descreve muito bem como a busca de água e comida é movida pela esperança de alimentar e saciar a sede das pessoas que amamos. A esperança nem sempre é retribuída pelo sucesso, mas certamente se a esperança não desse passos, as pessoas em dificuldade deixar-se-iam morrer, a si próprias e aos seus entes queridos. Há uma ligação muito profunda entre o amor concreto e a esperança: o amor leva à esperança, a esperança à ação. Tal como a utopia, a esperança indica um horizonte, mas trata-se de um horizonte mais modesto e mais carnal.

Quando, ainda dentro da guerra ou apenas fora dela, procuramos pedir à esperança que nos conceda um horizonte coletivo, que nos mostre uma saída, há um obstáculo, talvez o maior: o ódio que não parou de crescer e obriga os odiados a retribuir. Marilynne Robinson em Reading Genesis medita sobre Caim que matou o seu irmão e sobre o que aconteceu depois. Pois Deus não o castigou, mas marcou-o de maneira a preservá-lo de, por sua vez, ser assassinado. É difícil que quem ouve a história pela primeira vez não pense na justiça negada a Abel, que Caim deve pagar pela sua culpa. Em alternativa, procuramos convencer-nos de que o sinal de Caim é uma condenação, uma marca da culpa. Mas nem Caim paga pela sua culpa como esperaríamos (pelo contrário, carrega-a consigo), nem as gerações que lhe sucedem pagam pela sua culpa. A vingança contra Caim é suspensa através deste sinal. Uma justiça nova suplanta nesse momento a justiça a que estamos habituados, desconcertante e de perspetiva, suspende a vingança: é uma justiça esperançosa.  

CAROLA SUSANI