
Um testemunho de caridade, um ato de generosa solidariedade, um sinal de esperança para muitas pessoas. É assim que a Igreja Católica define a doação de órgãos. Apesar das garantias da ciência e da fé, é preciso ser honesto: escolher dizer «sim» à vida, precisamente quando a morte chega, é um ato altruísta, mas não é certo. Se o falecido não expressou a sua vontade em vida, a decisão recai sobre os familiares. Medos, superstições e desinformação são os obstáculos diários que figuras como a psicoterapeuta Francesca Alfonsi, da Policlínica Tor Vergata de Roma, enfrentam todos os dias. Fazem-no com graça e paciência, como exige a compreensão do luto.
De onde vem o medo?
Muitas vezes, da confusão entre coma e morte cerebral. No coma, o cérebro está ativo, ainda que minimamente; na morte cerebral, o encéfalo está totalmente inativo. Ninguém pode propor a doação se a morte não tiver sido previamente constatada. Só depois, e na ausência de um consentimento expresso em vida, é que se pode fazer aos familiares a proposta de doação.
A pessoa está morta, mas os órgãos funcionam. Como se explica isso?
Porque dependem de uma máquina, sem este suporte artificial, até os órgãos param. As máquinas são desligadas após a constatação da morte, em muitos países, como na Itália, seis horas após a constatação do óbito. Se houver consentimento para a doação, no entanto, são desligadas na sala de operações.
Qual é o primeiro impacto com os familiares?
Acompanho-os até ao leito do seu ente querido para que possam dizer tudo o que não foi dito, mesmo que seja apenas um “amo-te”. Não somos traficantes de órgãos, estamos lá para ajudar as famílias. Se o consentimento é dado, é maravilhoso, porque do outro lado há pacientes à espera que arriscam a vida. Mas a nossa principal tarefa é apoiar os familiares nesse momento de angústia.
Como explica a possibilidade da doação?
Não existem frases mágicas. Às vezes, são os familiares que antecipam a proposta de doação, e então tudo se torna mais simples. Caso contrário, é necessário criar um espaço para reflexão. Eu escuto e explico que a doação é uma oportunidade poderosa para reescrever o momento da morte, para transformar a dor em esperança.
Há «nãos» iniciais que se transformam em «sims»?
Claro, mas também o contrário. Não forçamos as escolhas: convidamos os familiares para a sala de conversas e ajudamo-los a entender o que o seu ente querido teria desejado, a encontrar nos seus comportamentos e valores os sinais do que ele teria escolhido. Se era uma pessoa generosa, altruísta. Os familiares tornam-se a sua expressão verbal. Esse “sim” tem algo de mágico.
Carmen Vogani