Textos pontifícios

 Textos pontifícios  POR-005
30 abril 2025

Audiência geral de quarta-feira

2 de abril

Amados irmãos e irmãs!

Continuemos a contemplar os encontros de Jesus com alguns personagens do Evangelho. Desta vez, gostaria de meditar sobre a figura de Zaqueu: um episódio que me é particularmente caro, porque ocupa um lugar especial no meu caminho espiritual.

O Evangelho de Lucas apresenta-nos Zaqueu como alguém que parece irremediavelmente perdido. Talvez também nós nos sintamos às vezes assim: sem esperança. Zaqueu, pelo contrário, descobrirá que o Senhor já estava à sua procura.

Com efeito, Jesus desceu a Jericó, cidade situada abaixo do nível do mar, considerada uma imagem do submundo, onde Jesus quer ir procurar aqueles que se sentem perdidos. E, na realidade, o Senhor Ressuscitado continua a descer aos submundos de hoje, aos lugares de guerra, à dor dos inocentes, ao coração das mães que veem morrer os seus filhos, à fome dos pobres.

Num certo sentido, Zaqueu perdeu-se, talvez tenha feito escolhas equivocadas ou a vida o tenha colocado em situações das quais tem dificuldade de sair. Efetivamente, Lucas insiste em descrever as caraterísticas deste homem: não só é um publicano, ou seja, alguém que cobra os impostos dos seus concidadãos para os invasores romanos, mas é inclusive o chefe dos publicanos, como se dissesse que o seu pecado é multiplicado.

Além disso, Lucas acrescenta que Zaqueu é rico, deixando intuir que enriqueceu à custa dos outros, abusando da sua posição. Mas tudo isto tem consequências: provavelmente Zaqueu sente-se excluído, desprezado por todos.

Quando descobre que Jesus está de passagem pela cidade, Zaqueu sente o desejo de o ver. Não ousa imaginar um encontro, limita-se a fitá-lo de longe. Mas os nossos desejos encontram também obstáculos, não se realizam automaticamente: Zaqueu é de baixa estatura! É a nossa realidade, temos limitações que devemos enfrentar. E depois há os outros, que às vezes não nos ajudam: a multidão impede que Zaqueu veja Jesus. Talvez seja também um pouco a desforra deles.

Mas quando temos um desejo forte, não desanimamos. Encontramos uma solução. Mas é preciso ser corajoso, não ter vergonha; é necessário ter um pouco da simplicidade das crianças, não se preocupar demasiado com a própria imagem. Precisamente como uma criança, Zaqueu sobe a uma árvore. Deve ter sido um bom ponto de observação, sobretudo para olhar sem ser visto, escondido por detrás dos ramos.

Mas com o Senhor acontece sempre o inesperado: quando se aproxima, Jesus eleva o olhar. Zaqueu sente-se descoberto e provavelmente espera uma repreensão pública. O povo talvez o esperasse, mas fica desiludido: Jesus pede a Zaqueu que desça imediatamente, quase surpreendido por o ver na árvore, e diz-lhe: «Hoje tenho de ficar em tua casa!» (Lc 19, 5). Deus não pode passar sem procurar quantos se perderam.

Lucas põe em evidência a alegria do coração de Zaqueu. É a alegria de quem se sente visto, reconhecido e, sobretudo, perdoado. O olhar de Jesus não é de repreensão, mas de misericórdia. É a misericórdia que, às vezes, temos dificuldade de aceitar, principalmente quando Deus perdoa àqueles que, na nossa opinião, não o merecem. Murmuramos porque gostaríamos de pôr limites ao amor de Deus.

Na cena em casa, depois de ouvir as palavras de perdão de Jesus, Zaqueu levanta-se, como se ressuscitasse da sua condição de morte. E levanta-se para assumir um compromisso: devolver o quádruplo do que roubou. Não se trata de um preço a pagar, pois o perdão de Deus é gratuito, mas trata-se do desejo de imitar Aquele pelo qual se sentiu amado. Zaqueu assume um compromisso a que não estava obrigado, mas fá-lo porque compreende que é o seu modo de amar. E fá-lo unindo a legislação romana relativa ao roubo à legislação rabínica sobre a penitência. Assim, Zaqueu não é apenas o homem do desejo, é também alguém que sabe dar passos concretos. O seu propósito não é genérico nem abstrato, mas nasce precisamente da sua história: olhou para a sua vida e identificou o ponto a partir do qual dar início à sua mudança.

Caros irmãos e irmãs, aprendamos com Zaqueu a não perder a esperança, nem sequer quando nos sentimos rejeitados ou incapazes de mudar. Cultivemos o nosso desejo de ver Jesus e, sobretudo, deixemo-nos encontrar pela misericórdia de Deus, que vem sempre à nossa procura, independentemente da situação em que nos perdemos.

Homilia da missa para o Jubileu
dos enfermos e do mundo da saúde

6 de abril

«Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?» (Is 43, 19). São estas as palavras que, através do profeta Isaías, Deus dirige ao povo de Israel exilado na Babilónia. Para os israelitas é um momento difícil, parece que tudo está perdido. Jerusalém foi conquistada e devastada pelos soldados do rei Nabucodonosor ii, e nada resta ao povo deportado. Os horizontes parecem fechados, o futuro sombrio e todas as esperanças destruídas. Tudo poderia levar os exilados a desistir, a resignar-se desoladamente e a não se sentir mais abençoados por Deus.

Porém, precisamente neste contexto, o Senhor convida a acolher algo de novo que está a nascer. Não é qualquer coisa que vai suceder no futuro, mas é algo que já está a acontecer, que está a brotar como um rebento. Mas, de que se trata ao certo? O que é que pode nascer, ou melhor, o que é que pode já ter germinado num panorama de desolação e de desespero como aquele?

O que está a nascer é um povo novo. Um povo que, derrubadas as falsas seguranças do passado, descobriu o que é essencial: permanecer unido e caminhar juntos, à luz do Senhor (cf. Is 2, 5). Um povo que será capaz de reconstruir Jerusalém, porque, longe da Cidade Santa, com o templo destruído, não podendo já celebrar as liturgias solenes, aprendeu a encontrar o Senhor de uma outra maneira: na conversão do coração (cf. Jr 4, 4), na prática do direito e da justiça, na atenção aos pobres e necessitados (cf. Jr 22, 3), nas obras de misericórdia.

É a mesma mensagem que, de modo diferente, podemos igualmente tirar do trecho evangélico (cf. Jo 8, 1-11). Também aqui aparece uma pessoa, uma mulher, cuja vida está arruinada: não por um exílio geográfico, mas por uma condenação moral. É uma pecadora e, por isso, encontra-se longe da lei e está condenada ao ostracismo e à morte. Também para ela parece não haver mais esperança. Porém, Deus não a abandona. Pelo contrário, precisamente no momento em que os seus carrascos já têm as pedras na mão, ali mesmo, Jesus entra na sua vida, defende-a e resgata-a da violência deles, dando-lhe a possibilidade de começar uma nova existência: «Vai» — diz-lhe — «estás livre», «estás salva» (cf. 11).

Com estas narrativas dramáticas e comoventes, a liturgia de hoje convida-nos a renovar, no caminho quaresmal, a confiança em Deus, que está sempre ao nosso lado para nos salvar. Não há exílio, nem violência, nem pecado, nem qualquer outra realidade da vida que o impeça de estar à nossa porta e bater, pronto a entrar logo que lho permitamos (cf. Ap 3, 20). Aliás, é sobretudo quando as provações se tornam mais duras que a sua graça e o seu amor nos abraçam com uma força ainda maior, para nos reerguer.

Irmãs e irmãos, lemos estes textos no momento em que celebramos o Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde, e não há dúvida que a doença é uma das provas mais difíceis e duras da vida, durante a qual tocamos com a mão o quanto somos frágeis. Tal como aconteceu com o povo exilado ou a mulher do Evangelho, ela pode levar a fazer-nos sentir privados de esperança no futuro. Mas não acontece assim. Nesses momentos, Deus não nos deixa sozinhos e, se nos abandonarmos a Ele, precisamente onde as nossas forças falham, podemos experimentar a consolação da sua presença. Ele mesmo, feito homem, quis partilhar a nossa fraqueza em tudo (cf. Fl 2, 6-8) e sabe bem o que é o sofrimento (cf. Is 53, 3). Por isso, podemos dizer-lhe e confiar-lhe a nossa dor, certos de que encontraremos compaixão, proximidade e ternura.

Mas não só! Com o seu amor cheio de confiança, Ele envolve-nos para que, por sua vez, nos tornemos nós mesmos, uns para os outros, “anjos”, mensageiros da sua presença, a tal ponto que tanto para quem sofre como para quem presta assistência, a cama de um doente se pode transformar, muitas vezes, num “lugar santo” de salvação e redenção.

Queridos médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde, enquanto cuidais dos vossos pacientes, em especial dos mais frágeis, o Senhor oferece-vos a oportunidade de renovar continuamente a vossa vida, alimentando-a com gratidão, misericórdia e esperança (cf. Bula Spes non confundit, 11). Ele chama-vos a iluminá-la com a consciência humilde de que nada está garantido e tudo é dom de Deus; e a alimentá-la com aquela humanidade que se experimenta quando, deixadas por terra as aparências, permanece o que conta: os pequenos e grandes gestos de amor. Permiti que a presença dos doentes entre na vossa existência como um dom, para curar o vosso coração, purificando-o de tudo o que não é caridade e aquecendo-o com o fogo ardente e doce da compaixão.

E convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de nos sentirmos frágeis, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio. Nem sempre é fácil, mas é uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixar-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir. O quarto do hospital e a cama da enfermidade podem ser lugares onde se ouve a voz do Senhor que também nos diz a nós: «Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?» (Is 43, 19). E, deste modo, renovar e fortalecer a fé.

O Papa Bento xvi, que nos deixou um belíssimo testemunho de serenidade durante o período da sua doença, escreveu: «a grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento» e «uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem [...] é uma sociedade cruel e desumana» (Cart. enc. Spe salvi, 38). É verdade! Enfrentar juntos o sofrimento torna-nos mais humanos e partilhar a dor é uma etapa importante em qualquer caminho de santidade.

Caríssimos, não afastemos da nossa vida aqueles que estão fragilizados, como por vezes hoje, infelizmente, faz um certo tipo de mentalidade, nem ostracizemos dos nossos ambientes a dor. Em vez disso, façamos dela uma oportunidade para crescer juntos, para cultivar a esperança graças ao amor que, primeiramente, Deus derramou nos nossos corações (cf. Rm 5, 5) e que, independentemente de tudo, é o que permanece para sempre (cf. 1 Cor 13, 8-10.13).

Angelus do v domingo da Quaresma

6 de abril

Queridos irmãos e irmãs!

O Evangelho deste quinto domingo da Quaresma apresenta-nos o episódio da mulher surpreendida em adultério (Jo 8, 1-11). Enquanto os escribas e os fariseus querem apedrejá-la, Jesus restitui a esta mulher a beleza perdida: ela caiu no pó; Jesus passa o dedo sobre aquele pó e escreve para ela uma nova história: Ele é o “dedo de Deus”, que salva os seus filhos (cf. Ex 8, 15) e os liberta do mal (cf. Lc 11, 20).

Caríssimos, tal como durante a minha hospitalização, também agora, na minha convalescença, sinto o “dedo de Deus” e experimento a sua carícia solícita. No dia do Jubileu dos doentes e do mundo da saúde, peço ao Senhor que este toque do seu amor chegue aos que sofrem e anime quantos cuidam deles. E rezo pelos médicos, enfermeiros e profissionais de saúde, que nem sempre são ajudados a trabalhar em condições adequadas e, por vezes, são até vítimas de agressões. A sua missão não é fácil e deve ser apoiada e respeitada. Espero que sejam investidos os recursos necessários no tratamento e na investigação, para que os sistemas de saúde sejam inclusivos e atentos aos mais frágeis e aos mais pobres.

Agradeço às detidas da prisão feminina de Rebibbia o bilhete que me enviaram. Rezo por elas e pelas suas famílias!

No Dia mundial do desporto pela paz e pelo desenvolvimento, desejo que o desporto seja um sinal de esperança para tantas pessoas necessitadas de paz e de inclusão social, e agradeço às associações desportivas que educam concretamente para a fraternidade.

Continuemos a rezar pela paz: na martirizada Ucrânia, atingida por ataques que causam muitas vítimas civis, incluindo numerosas crianças. E acontece o mesmo em Gaza, onde as pessoas são obrigadas a viver em condições inimagináveis, sem abrigo, sem comida, sem água potável. Façamos calar as armas e retomemos o diálogo; libertemos todos os reféns e resgatemos a população. Rezemos pela paz em todo o Médio Oriente; no Sudão e no Sudão do Sul; na República Democrática do Congo; em Myanmar, também duramente atingida pelo terramoto; e no Haiti, onde a violência continua vitimando duas religiosas há poucos dias.

Que a Virgem Maria nos proteja e interceda por nós!

Audiência geral de quarta-feira

9 de abril

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje debrucemo-nos sobre outro dos encontros de Jesus narrados pelos Evangelhos. Mas desta vez a pessoa encontrada não tem nome. O evangelista Marcos apresenta-o simplesmente como «um homem» (10, 17). Trata-se de um homem que desde jovem guardou os mandamentos, mas que, apesar disso, ainda não encontrou o sentido da sua vida. Está à sua procura. Talvez seja alguém que não se tenha decidido totalmente, apesar da aparência de pessoa empenhada. Para além, de facto, das coisas que fazemos, dos sacrifícios ou dos sucessos, o que conta realmente para ser feliz é o que trazemos no coração. Se um navio deve levantar âncora e deixar o porto para navegar em alto mar, pode até ser um navio maravilhoso, com uma tripulação excecional, mas se não puxar os lastros e as âncoras que o prendem, nunca conseguirá partir. Este homem construiu para si um navio de luxo, mas ficou no porto!

Enquanto Jesus caminha pela estrada, este homem corre ao seu encontro, ajoelha-se diante Dele e pergunta-lhe: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» (v. 17). Reparemos nos verbos: “Que devo fazer para alcançar a vida eterna?”. Como a observância da Lei não lhe deu a felicidade e a segurança de ser salvo, dirige-se ao mestre Jesus. O que chama a atenção é o facto de este homem não conhecer o vocabulário da gratuidade! Tudo parece devido. Tudo é um dever. A vida eterna é para ele uma herança, algo que se obtém por direito, através da observância meticulosa dos compromissos. Mas numa vida vivida assim, ainda que certamente para o bem, que lugar pode ter o amor?

Como sempre, Jesus vai para além das aparências. Se, por um lado, este homem coloca diante de Jesus o seu belo currículo, Jesus vai mais longe e olha para dentro. O verbo que Marcos utiliza é muito significativo: «fitando nele o olhar» (v. 21). Precisamente porque Jesus olha para dentro de cada um de nós, ama-nos tal como somos. O que terá visto de facto dentro desta pessoa? O que vê Jesus quando olha para dentro de nós e nos ama, apesar das nossas distrações e dos nossos pecados? Vê a nossa fragilidade, mas também o nosso desejo de sermos amados tal como somos.

Fitando-o — diz o Evangelho — «sentiu afeição por ele» (v. 21). Jesus ama este homem ainda antes de lhe ter feito o convite para o seguir. Ama-o tal como ele é. O amor de Jesus é gratuito: exatamente o contrário da lógica do mérito que atormentava esta pessoa. Somos verdadeiramente felizes quando nos damos conta de que somos amados assim, gratuitamente, pela graça. E isto vale também nas relações entre nós: enquanto procurarmos comprar o amor ou mendigar o afeto, essas relações nunca nos farão sentir felizes.

A proposta que Jesus faz a este homem é a de mudar a sua maneira de viver e de se relacionar com Deus. De facto, Jesus reconhece que dentro dele, como em todos nós, existe uma carência. É o desejo que trazemos no coração de sermos amados. Há uma ferida que nos pertence enquanto seres humanos, a ferida através da qual o amor pode passar.

Para colmar esta carência não é preciso “comprar” reconhecimentos, afeto, consideração; é preciso, pelo contrário, “vender” tudo aquilo que nos torna pesados, para que o nosso coração seja mais livre. Não é necessário continuar a tomar para nós, mas sim dar aos pobres, colocar à disposição, partilhar.

Por fim Jesus convida este homem a não ficar sozinho. Convida-o a segui-lo, a estar dentro de um laço, a viver uma relação. Só assim, efetivamente, será possível sair do anonimato. Podemos apenas ouvir o nosso nome dentro de uma relação, na qual alguém nos chama. Se permanecermos sozinhos, nunca ouviremos pronunciar o nosso nome e continuaremos a ser “homens” anónimos. Talvez hoje, precisamente porque vivemos numa cultura da autossuficiência e do individualismo, nos descobrimos mais infelizes, porque já não ouvimos pronunciar o nosso nome por alguém que nos quer bem gratuitamente.

Este homem não acolhe o convite de Jesus e fica sozinho, porque os lastros da sua vida o retêm no porto. A tristeza é o sinal de que não conseguiu partir. Por vezes pensamos que são riquezas e, no entanto, são apenas pesos que nos estão a bloquear. A esperança é que esta pessoa, como cada um de nós, mais cedo ou mais tarde possa mudar e decidir de se fazer ao largo.

Irmãs e irmãos, confiemos ao Coração de Jesus todas as pessoas tristes e indecisas, para que possam sentir o olhar de amor do Senhor, que se comove olhando com ternura para dentro de nós!

Aos jovens participantes
no Congresso internacional univ 2025

12-20 de abril

Queridos jovens!

O Congresso Internacional Univ que estais a realizar em Roma reúne-vos nestes dias na celebração de um duplo acontecimento jubilar: o Ano Santo de 2025 e o centenário da ordenação sacerdotal de São Josemaría Escrivá. Quantos motivos para dar graças a Deus e continuar a caminhar com entusiasmo na fé, diligentes na caridade e perseverantes na esperança (cf. 1 Ts 1, 3)!

Uno-me à vossa alegria e acompanho-vos com a minha oração, pedindo ao Senhor que este tempo de peregrinação e encontro fraterno vos impulsione a levar a todos o Evangelho de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, como anúncio da esperança que cumpre as promessas, conduz à glória e, fundada no amor, não desilude (cf. Bula Spes non confundit, 2).

Que Jesus vos abençoe e a Virgem Santa vos proteja. E peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

Fraternalmente,

Roma, São João de Latrão, 8 de abril de 2025.

Francisco

Homilia do domingo de Ramos

13 de abril

«Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor» (Lc 19, 38). É assim que a multidão aclama Jesus durante a sua entrada em Jerusalém. O Messias passa pela porta da Cidade Santa, aberta de par em par para acolher Aquele que, poucos dias depois, por ela sairá amaldiçoado e condenado, carregando a cruz.

Hoje também nós seguimos Jesus, primeiro numa procissão festiva e depois num caminho doloroso, inaugurando a Semana Santa que nos prepara para celebrar a paixão, morte e ressurreição do Senhor.

Enquanto observamos, no meio da multidão, os rostos dos soldados e as lágrimas das mulheres, a nossa atenção é atraída por um desconhecido, cujo nome entra inesperadamente no Evangelho: Simão de Cirene. Este homem é conduzido pelos soldados, que «carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus» (Lc 23, 26). Naquele momento, ele voltava do campo, estava de passagem, e deparou-se com um acontecimento que o oprimiu, tal como a madeira pesada sobre os seus ombros.

No caminho para o Calvário, façamos um instante de reflexão sobre o gesto de Simão, procuremos o seu coração, sigamos os seus passos ao lado de Jesus.

Primeiramente, reflitamos sobre o seu gesto, que é tão ambivalente. Por um lado, o Cireneu é obrigado a carregar a cruz: não ajuda Jesus por convicção, mas por obrigação. Por outro lado, vê-se a participar pessoalmente na Paixão do Senhor. A cruz de Jesus torna-se a cruz de Simão. Mas não daquele Simão chamado Pedro, que tinha prometido seguir sempre o Mestre. Aquele Simão desapareceu na noite da traição, após ter dito: «Senhor, estou pronto a ir contigo até para a prisão e para a morte» (Lc 22, 33). Agora, atrás de Jesus, não caminha o discípulo, mas este cireneu. E, contudo, o Mestre tinha ensinado claramente: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me» (Lc 9, 23). Simão da Galileia fala, mas não faz. Simão de Cirene faz, mas não fala: entre ele e Jesus não há diálogo, não se diz uma palavra. Entre ele e Jesus há apenas o madeiro da cruz.

Para saber se o Cireneu socorreu ou não gostou do exausto Jesus, com quem teve de dividir a pena, para compreender se carrega ou suporta a cruz, é preciso olhar para o seu coração. Enquanto o coração de Deus está prestes a abrir-se, trespassado por uma dor que revela a sua misericórdia, o coração do homem permanece fechado. Não sabemos o que habita no coração do Cireneu. Coloquemo-nos no seu lugar: sentimos raiva ou piedade, tristeza ou aborrecimento? Se nos lembramos do que Simão fez por Jesus, lembremo-nos também do que Jesus fez por Simão — e fez também por mim, por ti, por cada um de nós: redimiu o mundo. A cruz de madeira, que o Cireneu carrega, é a de Cristo, que carrega o pecado de todos os homens. Carrega-o por nosso amor, em obediência ao Pai (cf. Lc 22, 42), sofrendo conosco e por nós. É precisamente este o modo inesperado e perturbador com que Cireneu é envolvido na história da salvação, em relação à qual ninguém é estrangeiro, ninguém é estranho.

Sigamos então os passos de Simão, pois eles nos ensinam que Jesus vem ao encontro de todos, em qualquer situação. Quando vemos a multidão de homens e mulheres que o ódio e a violência levam para o caminho do Calvário, lembremo-nos que Deus faz deste caminho um lugar de redenção, porque ele o percorreu dando a sua vida por nós. Quantos cireneus carregam a cruz de Cristo! Somos capazes de reconhecê-los? Vemos o Senhor nos seus rostos dilacerados pela guerra e pela miséria? Perante a injustiça atroz do mal, carregar a cruz de Cristo nunca é em vão, é antes a forma mais concreta de partilhar o seu amor salvador.

A paixão de Jesus torna-se compaixão quando estendemos a mão àqueles que já não aguentam mais, quando levantamos os que caíram, quando abraçamos os que estão desanimados. Irmãos, irmãs, para experimentar este grande milagre da misericórdia, escolhamos como levar a cruz, durante a Semana Santa: não ao pescoço, mas no coração. Não só a nossa, mas também a daqueles que sofrem ao nosso lado; talvez a daquela pessoa desconhecida que o acaso — mas será mesmo o acaso? — nos fez encontrar. Preparemo-nos para a Páscoa do Senhor tornando-nos cireneus uns dos outros.

Angelus do domingo de Ramos

13 de abril

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje, Domingo de Ramos, ouvimos no Evangelho a narração da Paixão do Senhor segundo Lucas (cf. Lc 22, 14-23, 56). Ouvimos Jesus dirigir-se várias vezes ao Pai: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice, não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua» (22, 42); «Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem!» (23, 34); «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!» (23, 46). Indefeso e humilhado, vimo-lo caminhar para a cruz com os sentimentos e o coração de uma criança abraçada ao pescoço do pai, frágil na carne, mas forte no abandono confiante, até adormecer, na morte, nos seus braços.

São sentimentos que a liturgia nos convida a contemplar e a fazer nossos. Todos nós temos dores, físicas ou morais, e a fé ajuda-nos a não ceder ao desespero, a não nos fecharmos na amargura, mas a enfrentá-las, sentindo-nos protegidos, como Jesus, pelo abraço providencial e misericordioso do Pai.

Irmãs e irmãos, agradeço-vos muito as vossas orações. Neste momento de fragilidade física, elas ajudam-me a sentir ainda mais a proximidade, a compaixão e a ternura de Deus. Também eu rezo por vós e peço-vos que confieis comigo ao Senhor todos os que sofrem, especialmente aqueles que são atingidos pela guerra, pela pobreza ou por catástrofes naturais. Em particular, que Deus acolha na sua paz as vítimas do desabamento de um edifício em Santo Domingo e conforte as suas famílias.

O dia 15 de abril marcará o segundo triste aniversário do início do conflito no Sudão, com milhares de mortos e milhões de famílias obrigadas a abandonar as suas casas. O sofrimento de crianças, mulheres e pessoas vulneráveis clama aos céus e implora-nos que ajamos. Renovo o meu apelo às partes envolvidas, para que ponham fim à violência e enveredem por caminhos de diálogo, e à Comunidade internacional, para que não faltem as ajudas essenciais às populações.

E recordemos também o Líbano, onde a trágica guerra civil começou há cinquenta anos: com a ajuda de Deus, que possa viver em paz e prosperidade.

Que a paz chegue finalmente à martirizada Ucrânia, à Palestina, a Israel, à República Democrática do Congo, a Myanmar, ao Sudão do Sul. Que Maria, Mãe das Dores, nos obtenha esta graça e nos ajude a viver com fé a Semana Santa!

Quirógrafo para a reforma
da Pontifícia Academia Eclesiástica

25 de março

O Ministério petrino, ao trabalhar em benefício de toda a Igreja, manifestou continuadamente a sua atenção fraterna às Igrejas locais e aos seus Pastores, para que sentissem sempre viva aquela comunhão de verdade e de graça que o Senhor colocou como fundamento da sua Igreja.

No serviço constante de levar a proximidade do Papa aos povos e às Igrejas, constituem pontos de referência os Representantes Pontifícios enviados às várias nações e territórios. Eles são os guardiões daquela solicitude que parte do centro em direção às periferias, para as tornar participantes do impulso missionário da Igreja, e depois regressar com necessidades, reflexões e aspirações. Mesmo nos momentos em que parece que as sombras do mal marcam de perplexidade e desconfiança cada ato, eles permanecem «o olhar vigilante e lúcido do Sucessor de Pedro sobre a Igreja e sobre o mundo» (Discurso aos participantes no encontro dos Representantes pontifícios, 17 de setembro de 2016). Chamados a fazer sentir no país para onde são enviados a presença do Bispo de Roma, que «é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis» (Concílio Vaticano ii, Constituição dogmática Lumen gentium, 23), desenvolvem uma ação pastoral que põe em evidência o seu espírito sacerdotal, os seus dons humanos e as suas competências profissionais.

A missão confiada aos diplomatas do Papa une a esta ação, ao mesmo tempo sacerdotal e evangelizadora, posta ao serviço das Igrejas particulares, a representação junto das Autoridades públicas. Uma tarefa que manifesta o exercício efetivo daquele direito originário e independente da legação, que faz parte também do múnus petrino e que, ao cumprir-se, exige o respeito pelas normas do direito internacional que estão na base da vida da Comunidade dos povos (cf. Código de Direito Canónico, cân. 362). Os tempos presentes mostram como este serviço já não se limita aos países onde o anúncio da salvação enraizou a presença da Igreja, mas se realiza também nos territórios onde ela é uma comunidade nascente; ou nas organizações internacionais onde, através dos seus representantes, a Sé de Pedro está atenta aos debates, avalia os seus conteúdos e, à luz da dimensão ética e religiosa que lhe é própria, oferece uma leitura sobre os grandes temas que dizem respeito ao presente e ao futuro da família humana.

Para poder desempenhar adequadamente as suas funções, o diplomata deve estar constantemente empenhado numa formação sólida e contínua. Não basta limitar-se à aquisição de conhecimentos teóricos, mas é necessário desenvolver um método de trabalho e um estilo de vida que lhes permitam compreender a fundo a dinâmica das relações internacionais e ser considerados na interpretação dos objetivos e das dificuldades que deve enfrentar uma Igreja cada vez mais sinodal. Só através de uma observação cuidadosa da realidade em constante mudança e da aquisição de um correto discernimento é possível dar sentido aos acontecimentos e propor ações concretas. Neste contexto, qualidades como a proximidade, a escuta atenta, o testemunho, a atitude fraterna e o diálogo revelam-se fundamentais. Estas qualidades devem ser conjugadas com a humildade e a mansidão, para que o presbítero e, em particular, o diplomata pontifício, possa viver o dom do sacerdócio recebido à imagem de Cristo Bom Pastor (cf. Mt 11, 28-30; Jo 10, 11-18).

Hoje, tudo isto exige uma preparação mais adequada às exigências dos tempos atuais daqueles eclesiásticos que — provenientes de várias dioceses do mundo e tendo já adquirido uma formação nas ciências sagradas e realizado uma primeira atividade pastoral — se dispõem, depois de uma cuidadosa seleção, a prosseguir a sua missão sacerdotal no serviço diplomático da Santa Sé. Não se trata apenas de proporcionar uma formação académica e científica com um elevado nível de qualificação, mas de cuidar para que a sua ação seja eclesial, chamada ao necessário confronto com a realidade do mundo atual «sobretudo num tempo, como o nosso, marcado por rápidas, constantes e vistosas mudanças no campo das ciências e das tecnologias» (Const. ap. Veritatis gaudium, Proémio, 5).

Desempenha esta particular função, há trezentos anos, a Pontifícia Academia Eclesiástica, uma instituição que, superando os momentos difíceis impostos pela história, se confirmou como a “escola diplomática da Santa Sé”, formando gerações de sacerdotes que colocaram a sua vocação ao serviço do múnus petrino, trabalhando nas Representações Pontifícias e na Secretaria de Estado. Para que possa corresponder cada vez melhor às finalidades que lhe foram conferidas, seguindo o exemplo dos meus Predecessores de venerada memória, decidi atualizar a sua estrutura e aprovar, de forma específica, o novo Estatuto, que é parte integrante deste ato.

Por isso, estabeleço a Pontifícia Academia Eclesiástica como Instituto ad instar Facultatis para o estudo das Ciências diplomáticas, alargando assim o número de Instituições análogas previstas pela Constituição Apostólica Veritatis gaudium (cf. Normas aplicativas, art. 70).

Dotada de personalidade jurídica pública (cf. Const. ap. Veritatis gaudium, art. 62 § 3), a Academia reger-se-á pelas normas comuns ou particulares do direito canónico, que lhe são aplicáveis, e por outras disposições dadas pela Santa Sé para as suas instituições de ensino superior (cf. Ibid., Normas aplicativas, art. 1 § 1).

Por autoridade da Santa Sé (cf. Const. ap. Veritatis gaudium, arts. 2 e 6; Normas aplicativas, art. 1), conferirá os graus académicos de Segundo e Terceiro Ciclo em Ciências diplomáticas.

A Academia desempenhará a sua função nas formas mais avançadas hoje exigidas para a formação e a investigação na área disciplinar específica das ciências diplomáticas, da qual fazem parte o estudo das disciplinas jurídicas, históricas, políticas e económicas, das línguas utilizadas nas relações internacionais e a competência científica. Nesta renovação, procurar-se-á assegurar que os programas de ensino tenham uma estreita ligação com as disciplinas eclesiásticas, com o método de trabalho da Cúria romana, com as necessidades das Igrejas locais e, em sentido mais amplo, com a obra de evangelização, a ação da Igreja e a sua relação com a cultura e a sociedade humana (cf. Ibid., art. 85; Normas aplicativas, art. 4). Estes são, com efeito, outros elementos constitutivos da ação diplomática da Sé Apostólica e da sua capacidade de trabalhar, mediar, ultrapassar barreiras e, assim, fomentar caminhos concretos de diálogo e de negociação para garantir a paz, a liberdade religiosa de cada pessoa e a ordem entre as nações.

Além disso, estabeleço para os devidos efeitos que a Pontifícia Academia Eclesiástica — dada a sua natureza de instituição académica destinada à formação especial dos diplomatas pontifícios e vistas as finalidades dos seus programas educativos e de investigação — seja parte integrante da Secretaria de Estado, em cujo âmbito opera e em cuja estrutura está incorporada a título especial (cf. Const. ap. Praedicate Evangelium, art. 52 § 2).

Tudo quanto é disposto neste Quirógrafo produz efeitos imediatos, plenos e permanentes, sem prejuízo de qualquer disposição em contrário, ainda que merecedora de especial menção.

Dado em Roma, junto de São Pedro
na Solenidade da Anunciação do Senhor
25 de março do ano 2025, décimo terceiro de Pontificado.

Francisco

Audiência geral de quarta-feira

16 de abril

Estimados irmãos e irmãs!

Depois de ter meditado sobre os encontros de Jesus com alguns personagens do Evangelho, a partir desta catequese gostaria de refletir sobre algumas parábolas. Como sabemos, são narrações que retomam imagens e situações da realidade diária. Por isso, tocam também a nossa vida. Provocam-nos! E pedem-nos que tomemos uma posição: onde estou eu nesta narração?

Comecemos pela parábola mais famosa, que todos nós lembramos, talvez desde a infância: a parábola do pai e dos dois filhos (Lc 15, 1-3.11-32). Nela encontramos o coração do Evangelho de Jesus, ou seja, a misericórdia de Deus.

O evangelista Lucas diz que Jesus conta esta parábola aos fariseus e escribas, que murmuravam porque Ele comia com os pecadores. Por isso, poder-se-ia dizer que se trata de uma parábola dirigida àqueles que se perderam, mas não o sabem e julgam os outros.

O Evangelho quer confiar-nos uma mensagem de esperança, porque nos diz que onde quer que nos tenhamos perdido, seja como for que nos tenhamos perdido, Deus vem sempre à nossa procura! Talvez nos tenhamos perdido como uma ovelha, que se desviou do caminho para pastar, ou que ficou para trás devido ao cansaço (cf. Lc 15, 4-7). Ou talvez nos tenhamos perdido como uma moeda, que porventura caiu no chão e já não pode ser encontrada, ou talvez alguém a tenha posto algures e não se lembre onde. Ou talvez nos tenhamos perdido como os dois filhos deste pai: o mais novo, porque se cansou de estar numa relação que parecia demasiado exigente; mas até o mais velho se perdeu, pois não basta ficar em casa se no coração houver orgulho e rancor.

O amor é sempre um compromisso, há sempre algo que devemos perder para ir ao encontro do outro. Mas o filho mais novo da parábola só pensa em si próprio, como acontece em certas fases da infância e da adolescência. Na realidade, ao nosso redor vemos até muitos adultos assim, que não conseguem levar adiante uma relação porque são egoístas. Têm a ilusão de se reencontrar a si mesmos, mas ao contrário perdem-se, pois só quando vivemos para alguém vivemos verdadeiramente.

Este filho mais novo, como todos nós, tem fome de afeto, quer ser amado. Mas o amor é um dom precioso, deve ser tratado com cuidado. No entanto, ele desperdiça-o, vende-se a si próprio, não se respeita. Compreende isto em tempos de carestia, quando ninguém se preocupa com ele. O risco é que, nestes momentos, imploremos afeto e nos apeguemos ao primeiro senhor que aparecer.

São estas experiências que fazem nascer em nós a convicção deturpada de que só podemos estar numa relação como servos, como se tivéssemos que expiar uma culpa ou como se não pudesse existir o amor verdadeiro. Com efeito, quando toca o fundo do poço, o filho mais novo pensa em voltar para a casa do pai, a fim de recolher do chão algumas migalhas de afeto.

Só quem nos ama verdadeiramente pode libertar-nos desta falsa visão do amor. Na relação com Deus, fazemos precisamente esta experiência. Num célebre quadro, o grande pintor Rembrandt retratou maravilhosamente o regresso do filho pródigo. Há sobretudo dois pormenores que me chamam a atenção: a cabeça do jovem está rapada, como a de um penitente, mas parece também a cabeça de uma criança, porque este filho renasce. E depois as mãos do pai: uma masculina e outra feminina, para descrever a força e a ternura no abraço do perdão.

Mas é o filho mais velho que representa aqueles para quem a parábola é contada: é o filho que sempre ficou em casa com o pai, e que, no entanto, estava distante dele, longe do coração. Talvez até este filho quisesse partir, mas por medo ou por dever permaneceu lá, naquela relação. Contudo, quando nos adaptamos de má vontade, começamos a alimentar a raiva dentro de nós e, mais cedo ou mais tarde, esta raiva explode. De modo paradoxal, é precisamente o filho mais velho que acaba por correr o risco de permanecer fora de casa, pois não partilha a alegria do pai.

O pai vai também ao seu encontro. Não o repreende, nem o chama ao dever. Só quer que ele sinta o seu amor. Convida-o a entrar e deixa a porta aberta. Aquela porta permanece aberta também para nós. Com efeito, esta é a razão da esperança: podemos esperar, pois sabemos que o Pai nos espera, nos vê de longe e deixa sempre a porta aberta.

Amados irmãos e irmãs, perguntemo-nos então onde nos encontramos nesta maravilhosa narração. E peçamos a Deus Pai a graça de poder, também nós, encontrar o caminho de volta para casa.

Homilia da missa crismal
da Quinta-Feira Santa

17 de abril

Caríssimos Bispos e sacerdotes

Queridos irmãos e irmãs!

«O Alfa e o Ómega, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso» (Ap 1, 8) é Jesus. O mesmo Jesus que Lucas nos descreve na sinagoga de Nazaré, entre aqueles que o conheciam desde pequeno e que agora se maravilham com Ele. A revelação — “apocalipse” — oferece-se dentro dos limites do tempo e do espaço: a carne é o ponto de apoio que sustenta a esperança. A carne de Jesus e a nossa. O último livro da Bíblia narra essa esperança. E fá-lo de uma forma original, dissipando todos os medos apocalípticos com o sol do amor crucificado. Em Jesus, o livro da história abre-se e pode ser lido.

Também nós, sacerdotes, temos uma história: renovando as nossas promessas de Ordenação na Quinta-Feira Santa, confessamos que só a podemos ler em Jesus de Nazaré. «Aquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue» (Ap 1, 5) abre também o livro da nossa vida e ensina-nos a encontrar as passagens que revelam o seu sentido e missão. Quando nos deixamos instruir por Ele, o nosso ministério torna-se um ministério de esperança, porque em cada uma das nossas histórias Deus abre um jubileu, isto é, um tempo e um oásis de graça. Perguntemo-nos: estou a aprender a ler minha vida ou tenho medo de o fazer?

Quando o jubileu começa na nossa vida, todo um povo encontra descanso: não só uma vez a cada vinte e cinco anos — assim espero! — mas na proximidade quotidiana do padre ao seu povo, na qual se cumprem as profecias de justiça e paz. «Fez de nós um reino, sacerdotes para Deus e seu Pai» (Ap 1, 6): eis o povo de Deus. Este reino de sacerdotes não coincide com um clero. O “nós” que Jesus plasma é um povo cujos limites não se veem, e no qual caem muros e alfândegas. Aquele que diz «Eu renovo todas as coisas» (Ap 21, 5) rasgou o véu do templo e tem reservada para a humanidade uma cidade-jardim, a nova Jerusalém, que tem portas sempre abertas (cf. Ap 21, 25). Assim, Jesus lê e nos ensina a ler o sacerdócio ministerial como puro serviço ao povo sacerdotal, o qual em breve habitará uma cidade que não precisa de templo.

Portanto, para nós sacerdotes, o ano jubilar representa um apelo específico a recomeçar sob o sinal da conversão: peregrinos de esperança, para sairmos do clericalismo e nos tornar arautos de esperança. Certamente, se Jesus é o Alfa e o Ómega da nossa vida, também nós podemos encontrar a oposição experimentada por Ele em Nazaré. O pastor que ama o seu povo não vive à procura de consenso e aprovação a qualquer custo. No entanto, a fidelidade do amor converte, os pobres reconhecem-no em primeira mão, mas, pouco a pouco, inquieta e atrai também os outros. «Olhai: [...] Todos os olhos o verão, até mesmo os que o trespassaram. Todas as nações da terra se lamentarão por causa dele. Sim. Amém!» (Ap 1, 7).

Caríssimos, estamos aqui reunidos para repetir e assumir como nosso este «Sim, Amém!». Trata-se da confissão de fé do povo de Deus: “Sim, é verdade, é firme como uma rocha!”. A paixão, morte e ressurreição de Jesus, que estamos prestes a reviver, são o terreno que sustenta firmemente a Igreja e, nela, o nosso ministério sacerdotal. E que terreno é este? Em que húmus podemos não só crescer, mas florescer? Para o compreendermos, temos de regressar a Nazaré, como tão acertadamente intuiu São Charles de Foucauld.

«Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler» (Lc 4, 16). Temos aqui mencionados pelo menos dois costumes: o de frequentar a sinagoga e o de ler. A nossa vida é mantida por bons hábitos. Eles até podem esmorecer, mas revelam onde está o nosso coração. O coração de Jesus é apaixonado pela Palavra de Deus: aos doze anos, já a compreendia, e agora, uma vez adulto, as Escrituras são a sua casa. Aqui está o terreno, o húmus vital que encontramos ao tornar-nos seus discípulos. «Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem» (Lc 4, 17). Jesus sabe o que está a procurar. O ritual da sinagoga permitia-o: depois da leitura da Torah, cada rabino podia encontrar páginas proféticas para atualizar a mensagem. Mas aqui há algo mais: a página da sua vida. Lucas quer dizer o seguinte: entre tantas profecias, Jesus escolhe a que vai cumprir.

Queridos sacerdotes, todos nós temos uma Palavra a cumprir. Cada um de nós tem uma relação com a Palavra de Deus que vem de longe. Colocamo-la ao serviço de todos somente quando a Bíblia continua a ser a nossa primeira casa. Nela, cada um de nós tem páginas que lhe são mais caras, o que é bom e importante! Ajudemos também outros a encontrar as páginas das suas vidas: por exemplo, os noivos, quando escolhem as leituras do seu matrimónio; ou aqueles que estão de luto e procuram passagens para confiar a pessoa falecida à misericórdia de Deus e às orações da comunidade. Geralmente, há uma página vocacional no início do caminho de cada um de nós. Através dela, se a conservamos, Deus continua a chamar-nos para que o amor não se enfraqueça.

Todavia, é também importante para cada um de nós, e de uma forma especial, a página escolhida por Jesus. Nós seguimo-lo e, por isso mesmo, a sua missão diz-nos respeito e envolve-nos. «Desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito:

“O Espírito do Senhor está sobre mim,

porque me ungiu

para anunciar a Boa Nova aos pobres;

enviou-me a proclamar

a libertação aos cativos

e, aos cegos, a recuperação da vista;

a mandar em liberdade os oprimidos,

a proclamar um ano favorável

da parte do Senhor”.

Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se» (Lc 4, 17-20).

Nesse momento, todos os nossos olhos estão fixos n’Ele, que acaba de anunciar um jubileu e não o fez como quem fala de outrem. Ele disse: «o Espírito do Senhor está sobre mim» como quem conhece de qual Espírito está a falar. E, com efeito, acrescenta: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir». Isto é divino: que a Palavra se torne realidade. As ações agora falam, as palavras realizam-se. Isto é novo e potente. «Eu renovo todas as coisas». Não há graça, nem Messias, se as promessas permanecem promessas, se cá em baixo não se tornam realidade. Tudo se transforma!

É este o Espírito que invocamos sobre o nosso sacerdócio: fomos investidos dele e é precisamente o Espírito de Jesus que permanece o protagonista silencioso do nosso serviço. Quando as palavras se tornam realidade em nós, o povo sente o seu sopro. Os pobres — antes de todos os outros — as crianças, os adolescentes, as mulheres, e também aqueles que na sua relação com a Igreja foram magoados, têm o “faro” do Espírito Santo: distinguem-no de outros espíritos mundanos, reconhecem-no na correspondência, em nós, entre anúncio e vida. Podemos tornar-nos uma profecia cumprida, e isso é bonito! O santo Crisma, que hoje consagramos, chancela este mistério transformador nas diferentes etapas da vida cristã. Mas atenção: nunca desanimar, porque é obra de Deus. Acreditar, sim! Acreditar que Deus não me falha! Deus nunca falha. Recordemos aquelas palavras da Ordenação: «Queira Deus consumar o bem que em ti começou». E assim faz!

É obra de Deus, não nossa: levar a boa nova aos pobres, a libertação aos prisioneiros, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos. Se Jesus encontrou esta passagem no livro, hoje continua a lê-la na biografia de cada um de nós. Antes de mais, porque, até ao último dia, é sempre Ele que nos evangeliza, que nos liberta das nossas prisões, que abre os nossos olhos, que nos alivia dos fardos que carregamos aos ombros. E depois porque, ao chamar-nos para a sua missão, inserindo-nos sacramentalmente na sua vida, Ele liberta também os outros através de nós. Por norma, sem que nos apercebamos disso. O nosso sacerdócio torna-se um ministério jubilar, como o d’Ele, mas sem tocar as trombetas: numa entrega que não é estridente, mas radical e gratuita. É o Reino de Deus, aquele de que falam as parábolas, eficaz e discreto como o fermento, silencioso como a semente. Quantas vezes os pequeninos o reconheceram em nós? E nós, somos capazes de dizer obrigado?

Somente Deus sabe como a messe é grande. Nós, os operários, experimentamos o trabalho e a alegria da colheita. Vivemos depois de Cristo, no tempo messiânico. Lancemos para longe o desespero! E, ao invés disso, restituam-se e redimam-se as dívidas; redistribuam-se as responsabilidades e os recursos: o povo de Deus espera por isso. Ele quer participar e, em virtude do Batismo, é um enorme povo sacerdotal. Os óleos que consagramos nesta solene celebração são para a sua consolação e alegria messiânica.

O campo é o mundo. A nossa casa comum tão ferida e a fraternidade humana tão negada, embora indelével, impelem-nos a fazer escolhas. A colheita de Deus é para todos: um campo vivo, no qual o que se semeou cresce cem vezes mais. Na nossa missão, sejamos animados pela alegria do Reino, que compensa todo o esforço. Realmente, todos os agricultores conhecem épocas em que não se vê germinar nada. Também elas não faltam nas nossas vidas. É Deus que faz crescer e que unge os seus servos com o óleo da alegria.

Queridos fiéis, povo da esperança, rezai hoje pela alegria dos sacerdotes. Que chegue até vós a libertação prometida pelas Escrituras e alimentada pelos Sacramentos. Muitos medos habitam em nós e terríveis injustiças nos rodeiam, mas um mundo novo já despontou. Deus amou tanto o mundo que nos deu o seu Filho, Jesus. Ele unge as nossas feridas e enxuga as nossas lágrimas. «Ele vem no meio das nuvens!» (Ap 1, 7). É d’Ele o reino e a glória para todo o sempre. Amém!

Homilia da vigília pascal
do Sábado Santo

19 de abril

É noite quando o círio pascal é levado lentamente até ao altar. É noite quando o canto do Precónio abre o nosso coração à exultação, porque a terra está «inundada por tão grande claridade» e «a luz de Cristo, o Rei eterno, dissipa as trevas de todo o mundo» (Precónio pascal). Ao fim da noite, realizam-se os acontecimentos narrados no Evangelho que acabamos de proclamar (cf. Lc 24, 1-12): acende-se a luz divina da Ressurreição e a Páscoa do Senhor acontece quando o Sol ainda está por nascer; com os primeiros raios da aurora, vê-se que a grande pedra colocada no sepulcro de Jesus foi removida e algumas mulheres chegam ali revestidas de luto. A escuridão recobre a perplexidade e o medo dos discípulos. Tudo acontece durante a noite.

Assim, a Vigília pascal recorda-nos que a luz da Ressurreição ilumina o caminho pouco a pouco, irrompe na escuridão da história sem alarido, brilha discretamente nos nossos corações. A ela corresponde uma fé humilde, desprovida de qualquer triunfalismo. A Páscoa do Senhor não é um acontecimento espetacular com o qual Deus se impõe a si mesmo e nos obriga a acreditar n’Ele; não é uma meta que Jesus alcança por um caminho fácil, contornando o Calvário; e nós tampouco podemos vivê-la de maneira despreocupada e sem hesitação interior. Pelo contrário, a Ressurreição é semelhante a pequenos rebentos de luz que fazem paulatinamente o seu caminho, sem fazer barulho, por vezes ainda ameaçados pela noite e pela incredulidade.

Este “estilo” de Deus liberta-nos de uma religiosidade abstrata, iludida ao pensar que a ressurreição do Senhor resolve tudo de um modo mágico. Longe disso: não podemos celebrar a Páscoa sem continuar a enfrentar as noites que trazemos no coração e as sombras de morte que muitas vezes pairam sobre o mundo. Cristo venceu o pecado e destruiu a morte, mas na nossa história terrena o poder da sua ressurreição ainda está a cumprir-se. E tal realização, como um pequeno rebento de luz, é-nos confiada, para que a guardemos e a façamos crescer.

Irmãos e irmãs, especialmente durante o ano jubilar, é este o apelo que devemos sentir com força dentro de nós: deixemos brotar a esperança da Páscoa na nossa vida e no mundo!

Quando ainda sentimos o peso da morte dentro do nosso coração, quando vemos as sombras do mal que continuam a sua marcha ruidosa no mundo, quando sentimos arder as feridas do egoísmo ou da violência na nossa carne e na nossa sociedade, não desanimemos, voltemos ao anúncio desta noite: ainda que estejamos nas trevas, a luz brilha lentamente; aguarda-nos a esperança de uma vida nova e de um mundo finalmente libertado; um novo começo pode surpreender-nos, mesmo que às vezes pareça impossível, porque Cristo venceu a morte.

Este anúncio, que dilata o coração, enche-nos de esperança. Na verdade, em Jesus ressuscitado temos a certeza de que a nossa história pessoal e o caminho da humanidade, embora mergulhados numa noite em que as luzes ainda aparecem fracas, estão nas mãos de Deus; e Ele, no seu grande amor, não nos deixará vacilar e não permitirá que o mal tenha a última palavra. Ao mesmo tempo, esta esperança, já realizada em Cristo, permanece para nós uma meta a alcançar também por nós: foi-nos confiada para que dela nos tornemos testemunhas credíveis e para que o Reino de Deus possa entrar no coração das mulheres e dos homens de hoje.

Como recorda Santo Agostinho, «a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo marca a vida nova de todos aqueles que n’Ele creem; e este mistério da sua morte e ressurreição deveis conhecê-lo em profundidade e reproduzi-lo nas vossas vidas» (Sermão 231, 2). Reproduzir a Páscoa na nossa vida e tornarmo-nos mensageiros de esperança, construtores de esperança, enquanto tantos ventos de morte ainda sopram sobre nós.

Podemos fazê-lo com as nossas palavras, os nossos pequenos gestos quotidianos, as nossas escolhas inspiradas no Evangelho. Toda a nossa vida pode ser uma presença de esperança. Queiramos sê-lo para aqueles que não têm fé no Senhor, para quem se perdeu pelo caminho, para os que desistiram ou estão curvados sob o peso da vida, para quem está sozinho ou fechado na própria dor, para todos os pobres e oprimidos da Terra, para as mulheres humilhadas e assassinadas, para as crianças maltratadas e para aquelas que nunca nasceram, para as vítimas da guerra. A todos e a cada um levemos a esperança da Páscoa!

Gosto de recordar uma mística do século xiii, Hadewijch de Antuérpia que, inspirando-se no Cântico dos Cânticos e descrevendo o sofrimento pela ausência do amado, invoca o retorno do amor para que — diz — «a minha escuridão seja transformada» (Hadewijch, Poesie Visioni Lettere, Génova 2000, 23).

Cristo ressuscitado é o ponto de viragem definitivo da história humana. Ele é a esperança que não se extingue. Ele é o amor que nos acompanha e sustenta. Ele é o futuro da história, o destino último para o qual nos dirigimos para sermos acolhidos naquela vida nova em que o próprio Senhor enxugará todas as nossas lágrimas «e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor» (Ap 21, 4). E esta esperança da Páscoa, esta “reviravolta nas trevas”, devemos anunciá-la a todos.

Irmãs, irmãos, o tempo pascal é estação de esperança. «Ainda há medo, ainda há uma dolorosa consciência do pecado, mas há também uma luz que irrompe. [...] A Páscoa traz a boa notícia de que, embora as coisas no mundo pareçam estar cada vez pior, o mal já foi vencido. A Páscoa permite-nos afirmar que, embora Deus pareça distante e nós permaneçamos absorvidos por tantas pequenas coisas, o Senhor caminha conosco. [...] São muitos os raios de esperança que iluminam o caminho da nossa vida» (H. Nouwen, Preghiere dal silenzio. Il sentiero della speranza, Brescia 2000, 55-56).

Demos espaço à luz do Ressuscitado! E tornar-nos-emos construtores de esperança para o mundo!

Homilia do domingo de Páscoa
e da Ressurreição do Senhor

20 de abril

Maria Madalena, ao ver que a pedra do sepulcro tinha sido removida, começou a correr para ir avisar Pedro e João. Também os dois discípulos, tendo recebido aquela surpreendente notícia, saíram e — diz o Evangelho — «corriam os dois juntos» (Jo 20, 4). Os protagonistas dos relatos pascais correm todos! E este “correr” exprime, por um lado, a preocupação de que tivessem levado o corpo do Senhor; mas, por outro lado, a corrida de Maria Madalena, de Pedro e de João fala do desejo, do impulso do coração, da atitude interior de quem se põe à procura de Jesus. Ele, com efeito, ressuscitou dos mortos e, portanto, já não se encontra no túmulo. É preciso procurá-lo noutro lugar.

Este é o anúncio da Páscoa: é preciso procurá-lo noutro lugar. Cristo ressuscitou, está vivo! Não ficou prisioneiro da morte, já não está envolvido pelo sudário e, por isso, não podemos encerrá-lo numa bonita história para contar, não podemos fazer dele um herói do passado ou pensar nele como uma estátua colocada na sala de um museu! Pelo contrário, temos de o procurar, e, por isso, não podemos ficar parados. Temos de nos pôr em movimento, sair para o procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo.

Procurá-lo sempre. Porque se Ele ressuscitou, então está presente em toda a parte, habita no meio de nós, esconde-se e revela-se ainda hoje nas irmãs e nos irmãos que encontramos pelo caminho, nas situações mais anónimas e imprevisíveis da nossa vida. Ele está vivo e permanece sempre conosco, chorando as lágrimas de quem sofre e multiplicando a beleza da vida nos pequenos gestos de amor de cada um de nós.

Por isso, a fé pascal, que nos abre ao encontro com o Senhor ressuscitado e nos dispõe a acolhê-lo na nossa vida, é tudo menos uma acomodação estática ou um pacífico conformar-se numa segurança religiosa qualquer. Pelo contrário, a Páscoa põe-nos em movimento, impele-nos a correr como Maria de Magdala e como os discípulos; convida-nos a ter olhos capazes de “ver mais além”, para vislumbrar Jesus, o Vivente, como o Deus que se revela e ainda hoje se torna presente, nos fala, nos precede, nos surpreende. Como Maria Madalena, podemos fazer todos os dias a experiência de perder o Senhor, mas todos os dias podemos correr para o reencontrar, sabendo com certeza que Ele se deixa encontrar e nos ilumina com a luz da sua ressurreição.

Irmãos e irmãs, aqui está a maior esperança da nossa vida: podemos viver esta existência pobre, frágil e ferida agarrados a Cristo, porque Ele venceu a morte, vence a nossa escuridão e vencerá as trevas do mundo, para nos fazer viver com Ele na alegria, para sempre. Em direção a esta meta, como diz o Apóstolo Paulo, também nós corremos, esquecendo o que fica para trás e vivendo orientados para o que está à nossa frente (cf. Fl 3, 12-14). Apressemo-nos então a ir ao encontro de Cristo, com o passo ligeiro de Maria Madalena, Pedro e João.

O Jubileu convida-nos a renovar em nós mesmos o dom desta esperança, a mergulhar nela os nossos sofrimentos e as nossas inquietações, a contagiar aqueles que encontramos no caminho, a confiar a esta esperança o futuro da nossa vida e o destino da humanidade. Por isso, não podemos estacionar o nosso coração nas ilusões deste mundo, nem fechá-lo na tristeza; temos de correr, cheios de alegria. Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos. Deixemos que a sua Palavra de vida e verdade ilumine o nosso caminho. Como dizia o grande teólogo Henri de Lubac, «bastar-nos-á compreender isto: o cristianismo é Cristo. Verdadeiramente, não há nada mais do que isso. Em Cristo temos tudo» (Les responsabilités doctrinales des catholiques dans le monde d’aujourd’hui, Paris 2010, 276).

E este “tudo”, que é Cristo ressuscitado, abre a nossa vida à esperança. Ele está vivo e ainda hoje quer renovar a nossa vida. A Ele, vencedor do pecado e da morte, queremos dizer:

«Senhor, nesta festa, pedimos-vos este dom: que também nós sejamos novos para viver esta perene novidade. Afastai de nós, ó Deus, a poeira triste da rotina, do cansaço e do desencanto; dai-nos a alegria de acordar, a cada manhã, com os olhos maravilhados, para ver as cores inéditas daquele amanhecer, único e diferente de todos os outros. [...] Tudo é novo, Senhor, e nada repetido, nada envelhecido» (A. Zarri, Quasi una preghiera).

Irmãs, irmãos, na maravilha da fé pascal, trazendo no coração todas as expetativas de paz e libertação, podemos dizer: convosco, Senhor, tudo é novo. Convosco, tudo recomeça!

Mensagem “Urbi et orbi”
no domingo de Páscoa

20 de abril

Cristo ressuscitou, Aleluia!

Irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

Hoje ressoa finalmente na Igreja o Aleluia, que corre de boca em boca, de coração a coração, e o seu cântico faz chorar de alegria, no mundo inteiro, o povo de Deus.

Do sepulcro vazio de Jerusalém chega até nós um anúncio sem precedentes: Jesus, o Crucificado, «não está aqui; ressuscitou!» (Lc 24, 6). Não está no túmulo, está vivo!

O amor venceu o ódio. A luz venceu as trevas. A verdade venceu a mentira. O perdão venceu a vingança. O mal não desapareceu da nossa história e permanecerá até ao fim, mas já não lhe pertence o domínio, não tem qualquer poder sobre quem acolhe a graça deste dia.

Irmãs e irmãos, especialmente vós que passais pela dor e pela angústia, o vosso grito silencioso foi ouvido, as vossas lágrimas foram recolhidas e nem sequer uma só se perdeu! Na paixão e morte de Jesus, Deus tomou sobre si todo o mal do mundo e, com a sua infinita misericórdia, derrotou-o: erradicou o orgulho diabólico que envenena o coração humano e semeia violência e corrupção por toda a parte. O Cordeiro de Deus venceu! Por isso, hoje exclamamos: «Ressuscitou Cristo, minha esperança» (Sequência pascal).

Sim, a ressurreição de Jesus é o fundamento da esperança: a partir deste acontecimento, ter esperança já não é uma ilusão. Não! Graças a Cristo crucificado e ressuscitado, a esperança não engana! Spes non confundit! (cf. Rm 5, 5). E não se trata duma esperança evasiva, mas comprometida; não é alienante, mas responsabilizadora.

Quem espera em Deus coloca as suas mãos frágeis na mão grande e forte d’Ele, deixa-se levantar e põe-se a caminho: juntamente com Jesus ressuscitado, torna-se peregrino de esperança, testemunha da vitória do Amor e do poder desarmado da Vida.

Cristo ressuscitou! Neste anúncio encerra-se todo o sentido da nossa existência, que não foi feita para a morte, mas para a vida. A Páscoa é a festa da vida! Deus criou-nos para a vida e quer que a humanidade ressurja! Aos seus olhos, todas as vidas são preciosas! Tanto a da criança no ventre da mãe, como a do idoso ou a do doente, considerados como pessoas a descartar num número cada vez maior de países.

Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do mundo! Quanta violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças! Quanto desprezo se sente por vezes em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes!

Neste dia, gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros, mesmo naqueles que não nos são próximos ou que vêm de terras distantes com usos, modos de vida, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares, porque somos todos filhos de Deus!

Gostaria que voltássemos a ter esperança de que a paz é possível! A partir do Santo Sepulcro, Igreja da Ressurreição, onde este ano a Páscoa é celebrada no mesmo dia por católicos e ortodoxos, se irradie sobre toda a Terra Santa e sobre o mundo inteiro a luz da paz. Sinto-me próximo dos cristãos que sofrem na Palestina e em Israel, bem como do povo israelita e palestiniano. É preocupante o crescente clima de antissemitismo que se está a espalhar por todo o mundo. E, ao mesmo tempo, o meu pensamento dirige-se ao povo, em particular, à comunidade cristã de Gaza, onde o terrível conflito continua a gerar morte e destruição e a provocar uma situação humanitária dramática e ignóbil. Apelo às partes beligerantes que cheguem a um cessar-fogo, que se libertem os reféns e se preste assistência à população faminta, desejosa de um futuro de paz!

Rezemos pelas comunidades cristãs do Líbano e da Síria — este último país a atravessar uma fase delicada da sua história — que anseiam por estabilidade e participação no futuro das respetivas nações. Exorto toda a Igreja a acompanhar com atenção e oração os cristãos do amado Médio Oriente.

Dirijo também um pensamento especial ao povo do Iémen, que está a viver uma das piores crises humanitárias “prolongadas” do mundo devido à guerra, e convido todos a encontrar soluções através de um diálogo construtivo.

Que Cristo ressuscitado derrame o dom pascal da paz sobre a martirizada Ucrânia e encoraje as partes envolvidas a prosseguirem os seus esforços para alcançar uma paz justa e duradoura.

Neste dia de festa, recordemos o Sul do Cáucaso e rezemos pela rápida assinatura e aplicação de um definitivo Acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão, que leve à tão desejada reconciliação na região.

Que a luz da Páscoa inspire propósitos de concórdia nos Balcãs ocidentais e apoie os responsáveis políticos a trabalhar para evitar uma escalada de tensões e crises, bem como inspire os parceiros da região a rejeitar comportamentos perigosos e desestabilizadores.

Que Cristo ressuscitado, nossa esperança, conceda paz e conforto aos povos africanos vítimas de violência e conflitos, especialmente na República Democrática do Congo, no Sudão e no Sudão do Sul, e apoie todos quantos sofrem devido às tensões no Sahel, no Corno de África e na Região dos Grandes Lagos, tal como os cristãos que em muitos lugares não podem professar livremente a fé.

Não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros.

Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento. A luz da Páscoa incita-nos a derrubar as barreiras que criam divisões e que acarretam consequências políticas e económicas. Incita-nos a cuidar uns dos outros, a aumentar a solidariedade mútua, a trabalhar em prol do desenvolvimento integral de cada pessoa humana.

Neste momento, não falte a nossa ajuda ao povo de Myanmar que, atormentado por anos de conflito armado, enfrenta com coragem e paciência as consequências do devastador sismo em Sagaing, causador da morte de milhares de pessoas e de sofrimento para muitos sobreviventes, incluindo órfãos e idosos. Rezemos pelas vítimas e pelos seus entes queridos e agradeçamos de todo o coração a generosidade dos voluntários que levam a cabo as operações de socorro. O anúncio do cessar-fogo por parte de vários intervenientes no país é um sinal de esperança para todo Myanmar.

Apelo a todos os que, no mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Estas são as “armas” da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!

Que o princípio da humanidade nunca deixe de ser o eixo do nosso agir quotidiano. Perante a crueldade dos conflitos que atingem civis indefesos, atacam escolas e hospitais e agentes humanitários, não podemos esquecer que não são atingidos alvos, mas pessoas com alma e dignidade.

E, neste ano jubilar, que a Páscoa seja também uma ocasião propícia para libertar os prisioneiros de guerra e os presos políticos!

Queridos irmãos e irmãs!

Na Páscoa do Senhor, a morte e a vida enfrentaram-se num admirável combate, mas agora o Senhor vive para sempre (cf. Sequência pascal) e infunde em cada um de nós a certeza de que somos igualmente chamados a participar na vida que não tem fim, na qual já não se ouvirá o fragor das armas nem os ecos da morte. Entreguemo-nos a Ele, o único que pode renovar todas as coisas (cf. Ap 21, 5)! Feliz Páscoa para todos!