
Andrea Tornielli
Voltar a Niceia 1.700 anos depois, durante o Jubileu 2025, significa antes de mais reencontrar-se como irmãos com todos os cristãos do mundo: a confissão de fé brotada do primeiro concílio ecuménico é de facto partilhada não só pelas Igrejas orientais, pelas Igrejas ortodoxas e pela Igreja católica, mas é também comum às comunidades eclesiais nascidas da Reforma. Significa reencontrar-se entre irmãos em torno do que é verdadeiramente essencial, porque o que nos une é mais forte do que o que nos divide: «Todos juntos, nós acreditamos no Deus trinitário, no Cristo verdadeiro homem e verdadeiro Deus, na salvação em Jesus Cristo, segundo as Escrituras lidas na Igreja e sob a moção do Espírito Santo. Juntos, acreditamos na Igreja, no batismo, na ressurreição dos mortos e na vida eterna». Este é um ponto central do documento “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”, publicado pela Comissão teológica internacional para recordar Niceia.
O primeiro concílio ecuménico tinha, entre os seus objetivos, o de determinar uma data comum para a celebração da Páscoa, questão controversa já na Igreja dos primeiros séculos: alguns celebravam-na em concomitância com a Pesah judaica no dia 14 do mês de nisã, outros celebravam-na no domingo a seguir à Pesah judaica. Niceia foi determinante para a procura de uma data comum estabelecendo como dia para a celebração pascal o domingo seguinte ao primeiro plenilúnio de primavera. A situação alterou-se no século xvi, com a reforma do calendário de Gregório xiii: as Igrejas no Ocidente calculam hoje a data de acordo com este calendário, enquanto que as do Oriente continuam a utilizar o calendário juliano usado em toda a Igreja antes da reforma gregoriana. Mas é significativo e profético que precisamente no aniversário de Niceia este ano todas as Igrejas cristãs celebrem a Páscoa no mesmo dia, domingo 20 de abril. Um sinal e uma esperança de chegar quanto antes a estabelecer juntos uma data aceite por todos.
Para além do ecuménico, há um segundo aspeto que torna muito atual este retorno a Niceia. Já na última década do século passado, o então cardeal Joseph Ratzinger apontava como verdadeiro desafio para o cristianismo o de um “novo arianismo” ou seja a crescente dificuldade em reconhecer a divindade de Jesus tal como professada na fé cristológica da Igreja: ele é considerado um grande homem, um revolucionário, um mestre excecional, mas não Deus. Há no entanto outro risco, também este sublinhado no novo documento, e é exatamente aquele refletido e oposto, que torna portanto difícil admitir a plena humanidade de Cristo. Jesus que pode sentir o cansaço, sentimentos de tristeza e de abandono, bem como de raiva. O Filho escolheu de facto viver plenamente a nossa humanidade. Nele, na humanidade expressa em cada instante, no seu deixar-se “ferir” pela realidade, no seu comover-se perante o sofrimento de quem encontrava, no seu dizer sim aos pobres que pediam ajuda, vemos refletido potencialmente o que significa ser humanos e ao mesmo tempo vemos refletido o poder de uma divindade que escolheu rebaixar-se e esvaziar-se para nos fazer companhia e nos salvar.