Sede vacante

Os “últimos” do Evangelho são os últimos que o acolhem

Antonino Siracusa, a former homeless man and now a volunteer with Sant’Egidio, holds a white rose as ...
30 abril 2025

Andrea Tornielli

Eassim os “últimos” são os últimos que o acolhem, no limiar da basílica de Santa Maria Maior, onde se conserva o ícone da Salus Populi Romani, sob cujo olhar maternal Francisco acaba de ser sepultado. Na reta final do seu percurso terreno de bispo de Roma, que veio quase do fim do mundo, não foi circundado pelos poderosos, mas pelos pobres, migrantes, desabrigados e marginalizados que foram inseridos no centro de tantas páginas do seu magistério e que estão no cerne de cada página do Evangelho.

Já as palavras pronunciadas na manhã da Segunda-Feira do Anjo pelo cardeal camerlengo Kevin Joseph Farrell, para anunciar o inesperado falecimento do Papa Francisco, tinham realçado este elemento fulcral do seu ensinamento: «Ensinou-nos a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente a favor dos mais pobres e marginalizados». «Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres», disse no início do seu pontificado. «Para a Igreja, a opção pelos pobres é uma categoria teológica antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus concede-lhes “a sua primeira misericórdia”. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a ter “os mesmos sentimentos de Jesus”», escreveu na exortação apostólica Evangelii gaudium, um documento que ainda devemos compreender a fundo e que marcou a rota do seu ministério de Sucessor de Pedro.

Palavras que foram sempre acompanhadas por gestos e escolhas concretas. O primeiro Papa que escolheu o nome do santo de Assis inseriu-se na esteira dos ensinamentos dos predecessores, como o de São João xxiii que, um mês antes de inaugurar o Concílio ecuménico Vaticano ii, declarou: «A Igreja apresenta-se tal como é e quer ser, como a Igreja de todos, e particularmente a Igreja dos pobres». Para o primeiro Papa sul-americano este magistério de palavras e gestos teve origem no Evangelho e nos ensinamentos dos primeiros Padres da Igreja. Como Santo Ambrósio, que afirmou: «Não dás da tua fortuna, quando és generoso para com o pobre; dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi concedida a todos, não apenas aos ricos». Graças a estas palavras, São Paulo vi pôde afirmar, na encíclica Populorum progressio, que a propriedade particular não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto, e que ninguém está autorizado a reservar para seu uso exclusivo o que excede a sua necessidade, quando o próximo carece do indispensável. Ou como São João Crisóstomo que, numa famosa homilia, disse: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja objeto de desprezo nos seus membros, isto é, nos pobres, privados de roupa para se cobrir. Não honres Cristo aqui na igreja com tecidos de seda, enquanto lá fora o negligencias quando sofre de frio e nudez. Aquele que afirmou: isto é o meu Corpo, disse também: vistes-me com fome e não me destes de comer!».

Longe de leituras ideológicas, a Igreja não tem interesses políticos a defender, quando convida a superar aquela que Francisco definiu «a globalização da indiferença». Impelido unicamente pelas palavras do Evangelho, sustentado pela tradição dos Padres da Igreja, o Papa exortou-nos a dirigir o olhar para os “últimos”, preferidos por Jesus. Os “últimos” que o acompanham com o seu abraço na última etapa.