
CHIARA CURTI
«Visto fora da fé, Gaudí permanecerá sempre incompreensível. Talvez haja um aspeto da sua obra que o incrédulo aprecie, mas não a sua síntese». Com estas palavras termina a primeira biografia de Antoni Gaudí, publicada em 1926, três anos após a sua morte. Fé: um aspeto da vida que Gaudí cultivou a partir de uma responsabilidade, a incumbência de construir o templo expiatório da Sagrada Família.
O autor da biografia é Josep Francesc Ràfols, importante arquiteto e historiador de arte, trinta e sete anos mais novo do que Gaudí. Ràfols fazia parte da geração de jovens estudantes de arquitetura que se consideravam seus «discípulos». Uma definição que pode ser desconcertante quando se fala de alunos, seguidores ou colaboradores diretos, mas estes jovens gostavam de se definir assim. Uma denominação que, contudo, deixa claro que a sua colaboração não era apenas de natureza técnica, mas estava ligada a um saber vinculado à vida, imbuído de afeto e admiração.
A fé de Gaudí foi um aspeto da sua personalidade que não deixou ninguém indiferente e que se manifestou num crescendo quando abandonou as obras civis e, com elas, os salões burgueses. A rejeição do status que lhe fora concedido marcou-o como homem à margem da compreensão comum. A imprensa divulgou os boatos, ou talvez seja mais correto falar de calúnias, que o circundavam: a admiração transformou-se em sátira e quantos procuravam a sua companhia começaram a ignorá-lo.
Os seus amigos, que partilhavam a vida com ele, resumiam a fé de Gaudí através de gestos simples. Como a saudação-oração a Santo António, inserida num nicho da sua casa no Park Güell, cada vez que saía. Ou as desculpas apresentadas aos seus colaboradores quando saía para ir «dirigir algumas palavras a Maria», ou seja, para ir ao oratório de São Filipe Néri. Na sua forma essencial de cultivar a amizade, na atenção constante aos operários doentes, no seu ser o mais alegre durante as festas e o mais recolhido nas celebrações religiosas.
Ao longo de toda a sua vida, Gaudí deixou-se acompanhar por vários carismas: o de Francisco de Assis, na sua admiração pela criação; o de Catarina Emmerick, na capacidade de entrar na vida da infância de Jesus; o do cardeal John Henry Newman, na compreensão da fé mediante a busca da verdade e a criação de pontes; e o de dom Guéranger, na sua profunda visão da liturgia como coração da vida e o de Filipe Néri, que o impelia a levar uma vida simples, em busca da amizade e da companhia das pessoas. Seguindo a tradição oratoriana, também Gaudí saudava dizendo Estiguin bons, imitando o famoso «sede bons (se puderdes)». Uma saudação capaz de despertar um sorriso em quem o encontrava.
Aos trinta e um anos, chamado a ser o arquiteto da Sagrada Família, colocou-se com seriedade e humildade o problema de compreender os temas religiosos e litúrgicos que constituem a base do projeto. Após um período de leitura e estudo, deu-se conta de que a fé não nasce de uma ideia, mas de uma vida. Começou a viver profundamente a sua religiosidade, participando na missa diária, na caridade, nas procissões e nos jejuns. Dizia com frequência que tudo naquele templo dedicado à Sagrada Família era providencial, insinuando que foi precisamente aquela providência que orientou o seu espírito pelas sendas da fé. Nele, tudo dependia de uma dupla criatividade: criava as obras e, simultaneamente, criava-se a si próprio.
O dever de construir o templo expiatório da Sagrada Família levou Gaudí a procurar, durante toda a vida, lugares e rostos concretos nos quais viver a liturgia e o encontro com Deus. Cada detalhe do templo é testemunha desta fé encarnada. Não se trata apenas de uma obra de arquitetura, mas de uma narração sagrada na qual cada pedra fala de vida e de mistério.
Quem pôde admirar, pelo menos uma vez, a obra de Gaudí, compreende imediatamente que tudo o que se contempla não é fruto de um pensamento conceitual, destinado unicamente a criar uma obra vistosa. O visitante não permanece fascinado apenas pela grandiosidade da obra, mas também pela infinita quantidade de detalhes repletos de significado. Descobre um coração entre as flores da fachada da Natividade. É trespassado e as abelhas sugam o seu sangue como se fosse pólen. A dor do coração de Maria transforma-se em doce mel.
Sem a profunda e constante contemplação dos mistérios da natureza mediante o olhar da fé, nem a fachada da Natividade nem qualquer outra parte do templo teria sido concebida como Gaudí a imaginou, nem nos comoveria da mesma maneira.
Falamos de Antoni Gaudí e parece que ressoam as palavras da homilia de João Paulo ii para a proclamação do Beato Angélico padroeiro dos artistas: «As suas obras são uma perene mensagem de cristianismo vivo e ao mesmo tempo mensagem altamente humana, fundada no poder super-humano da religião, em virtude do qual cada homem que entra em contacto com Deus e os seus mistérios passa a ser semelhante a Ele na santidade, na beleza, na bem-aventurança; isto é, um homem segundo os desígnios primigénios do seu Criador». Beato pela beleza das suas obras!
Gaudí não se preocupava em responder a questões filosóficas ou intelectuais, evitava posições abstratas e especulativas típicas da filosofia. Pelo contrário, explorava o sentido da própria existência através da vida, ligando-se indissoluvelmente às pessoas que o circundavam. Uma fé feita de carne e osso. O seu conhecimento estava enraizado na experiência vivida, em relações criativas que lhe permitiam reconhecer em cada aspeto da sua vida a imagem do mundo transcendente. Para justificar a sua ausência dos círculos intelectuais, os seus discípulos limitavam-se a explicar que ele, o seu mestre Gaudí, «se considerava simplesmente um dos filhos do Pai Criador», ou seja, em relação. Neles ressoavam as suas palavras: «Não digais “Natureza”, chamai-lhe criação, porque assim falareis do Criador. A criação continua, e o Criador serve-se das suas criaturas; quem procura as leis da natureza para lhes conformar novas obras colabora com o Criador».
Envelhecendo, transformou-se num homem de simplicidade quase infantil, alcançando uma pureza que, segundo as suas palavras, conquistara depois de «ter lutado a vida inteira contra o próprio temperamento». Uma alma sensível que a fé soube transformar em inspirada. Um místico que plasmou as suas visões em pedra. Não surpreende que, entre os seus papéis de trabalho, tenha conservado cartas que as crianças lhe escreveram depois de ter visitado a Sagrada Família com ele. «De tudo o que vi, o que poderia dizer? Tudo é muito bonito, realmente grande, e eu... tão pequeno, tão pequenino para descrever a sua beleza e grandeza. Conservo na memória as impressões recebidas durante aquela visita, e um dia espero poder voltar a visitá-la; e quando tiver passado muito tempo, talvez eu possa explicar melhor aquilo que agora só sei sentir». Elas foram as primeiras a descobrir que o que tinham visitado era obra de um santo.