MULHER IGREJA MUNDO

Dois livros de mulheres subvertem o pensamento dominante

Contra o logos único

 Contro  il logos unico  DCM-005
03 maio 2025

O pensamento não tem rosto de mulher, poder-se-ia dizer parafraseando a afirmação de Svetlana Aleksievich («A guerra não tem rosto de mulher»). A matéria, o corpo, a sexualidade e até as relações (a começar pela maternal) são coisas de mulher. Mas o pensamento não é. A filosofia e a razão pertencem ao homem. E pertencem-lhe de tal forma que, na linguagem, o ser masculino e o seu logos representam todos: homens e mulheres.

Naturalmente, até Deus é homem, porque foi assim que os homens o imaginaram. E durante séculos as mulheres aceitaram a visão masculina do divino. Por conseguinte, tanto a teologia como a filosofia pouco ou nada têm a ver com o género feminino, que além disso se adaptou à visão masculina do mundo, do pensamento e do pensamento sobre o mundo.

Mas é realmente assim? Ou será que também esta convicção é fruto de séculos, que não só discriminaram mas também ofuscaram as mulheres. Porque existem e existiram mulheres filósofas, mulheres que se consagraram à atividade intelectual, à reflexão, ao pensamento.  E há mulheres místicas que construíram autonomamente a sua relação com Deus, além dos cânones de uma Igreja organizada e dominada por um clero masculino.

É suficiente procurá-las, lê-las, estudá-las.

E cito dois livros que subvertem o pensamento dominante. Em Filosofe (Ponte alle Grazie), Francesca Romana Recchia Luciani narra-nos a história de dez mulheres que repensaram o mundo. Em Dio non è così (Bompiani), Lucetta Scaraffia escreve a respeito da vida e do pensamento de oito mulheres místicas leigas do século XX que propuseram uma sua ideia de Deus e da relação com o divino.

Mulheres - narradas por Recchia Luciani - que, partindo do corpo feminino e recusando-se a negá-lo, o entrelaçaram com a produção de teoria, de pensamento, propondo uma visão original e inédita do mundo e da humanidade.

Mulheres - descritas por Lucetta Scaraffia - que, na sua dedicação ao divino, exerceram uma rejeição da subordinação e das atividades que lhes eram destinadas, exaltando a construção de si mesmas, através do silêncio, do desapego em relação ao mundo, da oração, da contemplação. E que propuseram o seu Deus e tiveram a coragem de dizer à Igreja dos homens que «Deus não é assim», como o narrais.

Os dois livros podem ser lidos seguindo a própria curiosidade, com as suas histórias singulares e fascinantes. Deste modo, o volume de Recchia Luciani explora a vida de mulheres extraordinárias, como Lou Salomé, María Zambrano, Hannah Arendt, Simone de Beauvoir, Simone Weil, Agnes Heller, Carla Lonzi, Audre Lorde, Silvia Federici e Judith Butler. Cada uma delas ofereceu a sua própria voz à filosofia, à política e à cultura.

O livro de Lucetta Scaraffia inclui a biografia de Catherine Pozzi, Charlotte von Kirschbaum, Adrienne von Speyr, Banine, Elisabeth Behr-Sigel, Simone Weil, Romana Guarnieri e Chiara Lubich. Elas são - afirma a autora - abissalmente diferentes das mulheres místicas tradicionais. Não pertencem àquela tradição de místicas, também elas seculares, mas pobres e simples, que no século XX reproduzem modalidades de um misticismo antigo. As novas místicas vivem no mundo, desempenham profissões que amam, levam muitas vezes uma vida sentimental e sexual, vestem-se com elegância, apreciam aquilo que a vida lhes proporciona. Como nos confirma o percurso exemplar de Adrienne von Speyr, o misticismo delas leva-as a escutar o eu interior que as conduz a «uma compreensão experiencial de Deus».

Ambos os volumes, tanto o da laica Recchia Luciani como o da crente Lucetta Scaraffia, falam de Simone Weil. E não é por acaso. A filósofa que, recorda Recchia Luciani, fez sua a «condição operária», que alternou os estudos mais excelsos, as leituras e o amor pela filosofia com os sofrimentos do trabalho pesado nos campos e na fábrica, que analisou em profundidade a origem da opressão, mas também da liberdade criativa do trabalho, é também, de acordo com Scaraffia, «um exemplo perfeito de espiritualidade profunda sem fé». E é precisamente isto que hoje procura o ser humano, masculino e feminino, «enquanto a fé o afasta, enchendo-o de desconfiança». Simone Weil é uma mulher cujo pensamento não tem medo das contradições, uma pensadora que voou alto e que hoje fala a todas as mulheres, crentes e não-crentes, que exercitam o seu pensamento persuadidas de que, através dele, se possa mudar o mundo.

RITANNA ARMENI