MULHER IGREJA MUNDO

Dinâmicas de poder que parecem estar no oposto

A Igreja desmasculiniza, o mundo é mais macho

 La Chiesa smaschilizza,  il mondo è più macho  DCM-005
03 maio 2025

A história ensina-nos: depois de cada impulso revolucionário há um tempo de restauração. Por isso, não surpreende que, até após a revolução feminista, iniciada no final do século XIX e ainda em curso, assistamos a inesperados retrocessos. Aliás, durante a sua lenta trajetória, foi necessária uma resistência tenaz, pois houve muita relutância, ou até hostilidade, por parte de um poder patriarcal solidamente enraizado na história, nas leis, nos costumes e inclusive nas consciências: além das pertenças políticas, sociais, religiosas ou até de género.

Por sua vez, a Igreja assume sempre com grande prudência as instâncias que derivam do mundo em que se insere e, sobretudo, metaboliza-as com uma certa lentidão. Mas não há dúvida de que o Papa Francisco, o Pontífice “que veio do fim do mundo”, ao mesmo tempo que reafirmava a sua distância do pensamento feminista, demonstrou com reiterada determinação que até na Igreja os tempos mudaram definitivamente. Basta pensar, de um ponto de vista prático, na inclusão de muitas mulheres na administração do Vaticano ou, de um ponto de vista teórico, no neologismo que ele próprio cunhou e que teve um impacto comunicativo tão grande devido ao imediatismo com que veicula todo um universo de significados: “desmasculinizar” a Igreja.

É verdade que não se volta atrás, mas o caminho dos povos, como o dos indivíduos, nem sempre corresponde unicamente a impulsos para a frente, nem sempre segue uma trajetória linear. É verdade que o feminismo imprimiu uma mudança decisiva em todas as culturas do mundo, nalgumas mais, noutras de modo menos impetuoso e vistoso, considerando as fortes diferenças ideológicas e económicas nas várias regiões do planeta, mas é igualmente verdade que hoje as aparências revelam exatamente o contrário, dado que assistimos a uma confirmação do poder patriarcal que, sempre igual a si próprio, se julga invencível.

Assistimos pela primeira vez à reivindicação, por parte de homens e mulheres, de assumir e gerir o poder segundo uma espécie de “genoma patriarcal” compartilhado, o que atesta que as regras do jogo mudaram profundamente: o poder patriarcal já se tornou unissexo e hoje não deve autojustificar-se por detrás da contínua exclusão das mulheres do exercício de todas as formas de poder, bem como da autoridade publicamente reconhecida, nem deve camuflar-se com sublimações românticas do feminino. No entanto, embora a história das mulheres tenha tido sempre um percurso cársico, a revolução feminista tem conotações de profundidade e amplitude que dificilmente serão mais uma vez condenadas ao esquecimento. Os motivos estão à vista de todos.

Em primeiro lugar, de um ponto de vista geral, não se pode voltar atrás da consciência de que a pertença sexual de cada indivíduo é uma realidade ampla e articulada e, sobretudo, não estática nem unívoca e uniforme, e não se pode voltar atrás da atitude de um pensamento que, tendo ultrapassado o monopólio do ritmo binário, assumiu a complexidade como realidade e a textura como método. Dir-se-á que isto pertence à constatação dos «dois Ocidentes», com pouca relevância para outros mundos de vida e pensamento, de costumes e crenças. Talvez seja verdade, mas temos a certeza de que Nicolau Copernico ou Galileu Galilei, que revolucionaram a ciência física, são legado exclusivo da cultura italiana, ou que Ada Lovelace, a matemática que em 1843 escreveu o primeiro algoritmo concebido para ser executado por uma máquina e inventou o software para a calculadora mecânica, é herança exclusivamente britânica, e que não se trata, pelo contrário, de um legado universal que a humanidade soube investir para o seu crescimento e desenvolvimento? Afinal, até os talibãs usam telemóveis!

Em segundo lugar, porque a consciência já globalizada de que a identidade e as orientações de género se tornaram critérios básicos inalienáveis para a compreensão do humano é fruto dos vários feminismos que mais se enraizaram no discurso público de todos os organismos internacionais, e qualquer tentativa de homens e mulheres de poder de gritar fora do coro poderá tornar o percurso mais árduo, atrasá-lo, mas não se conseguirá inverter a rota.

No entanto, tem-se a nítida sensação de que, enquanto o mundo reabilita vistosamente pensamentos e práticas machistas, a Igreja caminha a passos largos na difícil busca de novos horizontes para elaborar uma visão antropológica e por conseguinte teológica, finalmente inclusiva e para curar o vulnus da justiça de género que ainda a torna um dos sistemas patriarcais mais resistentes do mundo. Veremos se e como, depois de Francisco, a instância para “desmasculinizar” a Igreja conhecerá retrocessos ou progressos.

A Igreja católica progride lentamente, mas as Igrejas são as únicas instituições em que a questão da relação autoridade-poder se decide não só na redistribuição entre géneros e a todos os níveis da escala ideológica, política e social, mas também do ponto de vista do pensamento sobre Deus. A teóloga Elizabeth Schüssler Fiorenza chamou-lhe quiriarquia, ou seja, o poder de um grupo qualquer sobre outro, insistindo que quanto está hoje em causa não é tanto nem apenas a divisão democrática do poder postulada pelo feminismo, mas a teologia cristã deseja alcançar uma revisão do poder enquanto tal, até o do próprio Deus, o Kyrios.

Explorar novas faces do poder e novas maneiras de gerir as diferentes formas de autoridade é a tarefa que a revolução feminista atribuiu às gerações futuras. É um novo desafio que o feminismo intersecional - que não isola nem absolutiza a justiça de género, colocando-a ao lado das lutas contra o racismo, o militarismo, a pobreza e a poluição - lança no coração das democracias liberais. É uma tarefa que todas as Igrejas cristãs devem tornar sua, pois faz parte do seu ADN entoar o cântico de uma jovem que acreditava que o seu Deus «desconcertou o coração dos soberbos, derrubou os poderosos dos tronos, exaltou os humildes, saciou de bens os indigentes, despediu os ricos de mãos vazias» (Lc 1, 51-53).

MARINELLA PERRONI