
Joseph Tulloch
de Abu Dhabi
No dia 4 de fevereiro de 2019, o Papa Francisco e o Xeque Ahmad Al-Tayyeb, Grão-Imã de Al-Azhar, assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a coexistência comum, condenando a violência religiosa e apelando à «difusão da cultura da tolerância». O documento foi assinado em Abu Dhabi durante a histórica visita do Pontífice aos Emirados Árabes Unidos, a primeira do género. Desde a assinatura do documento, os Emirados Árabes Unidos celebram todos os anos, a 4 de fevereiro, a atribuição do Prémio Internacional Zayed para a Fraternidade Humana. O evento reúne os galardoados e numerosos líderes políticos e religiosos. Este ano, entre eles encontra-se José Manuel Ramos-Horta, Presidente da República Democrática de Timor-Leste. Em conversa com Vatican News, falou sobre o conceito de fraternidade humana, da recente visita (setembro de 2024) do Papa Francisco ao pequeno país do Sudeste Asiático e das lições a tirar da reconciliação com o ex-ocupante, a Indonésia.
Senhor Presidente, em 2022, Timor-Leste tornou-se o primeiro país do mundo a adotar oficialmente a Declaração de Abu Dhabi. O que é a fraternidade humana e porque é tão importante?
O simples facto de ter sido elaborada pelo Papa Francisco juntamente com o Grão-Imã de Al-Azhar deveria, por si só, despertar interesse e curiosidade. Depois de o ler, descobri que se trata de um documento extraordinário que sintetiza de forma muito profunda aquilo em que todos acreditamos. Contém elementos que estão na Constituição de Timor-Leste, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em muitos ensinamentos religiosos e espirituais. Por isso, pensei que este documento seria de grande valor para Timor-Leste na prossecução do caminho que escolhemos. Somos um país pequeno e novo e no passado já superámos a violência. Procuramos a reconciliação, não a vingança, a raiva, a violência, curando as feridas da alma e criando uma sociedade pacífica, inclusiva e tolerante. Por conseguinte, reuni-me com o Presidente do Parlamento, bem como com os líderes dos partidos, explicando-lhes que era importante aprovar uma resolução que reconhecesse a Declaração de Abu Dhabi como um documento nacional. Foi assim que, ainda antes da minha tomada de posse como Presidente, o texto foi adotado por unanimidade. No entanto, não deve permanecer apenas um documento, mas ser traduzido para as nossas línguas e adaptado ao programa escolar. O processo está em curso.
O Papa Francisco visitou Timor-Leste em setembro passado. Como correu a visita?
Correu bem. Timor-Leste é 96 por cento católico e devoto. Aos domingos, todas as igrejas, desde a catedral até às capelas mais simples, estão cheias. Por isso, podeis imaginar: a personalidade, a figura do Papa, a sua enorme autoridade. Calculámos que viriam cerca de 700.000 pessoas e tínhamos razão. Como presidente, estava preocupado com a nossa capacidade de acolher tanta gente. Fazia muito calor, as pessoas estavam lá desde o início da manhã, algumas tinham até acampado desde o dia anterior. No entanto, tudo correu incrivelmente bem. Não houve incidentes, apenas o entusiasmo do povo. Eu estava ao lado de Sua Santidade e observava as reações das pessoas: emocionadas, a chorar. Algumas crianças queriam ver o Papa e eu levei-as. Eu próprio estava emocionado, observando a reação do nosso povo. Que experiência extraordinária!
Pensando bem, qual foi o impacto da visita do Papa?
A visita consolidou a fé das pessoas, fez com que se sentissem orgulhosas de serem cristãs, católicas, timorenses, e tornou-as mais atentas à mensagem do Papa e da Igreja: a fraternidade humana, cuidar uns dos outros, das crianças, das pessoas comuns. Quando o Papa se preparava para partir, disse-me: Cuiden bien de este pueblo maravilloso. Ele estava emocionado, o Papa estava emocionado. O que mais me impressionou foi a sua resiliência durante aqueles dois dias inteiros de visita a Timor-Leste: sempre bem-disposto, sempre a sorrir.
Está em Abu Dhabi para um Conselho sobre a fraternidade humana e para a atribuição do Prémio Zayed. Qual é o significado destes dois eventos?
Veja o que aconteceu em Gaza ou na Ucrânia, no Afeganistão, na Líbia, em Myanmar, na República Democrática do Congo, e neste momento no Sudão, onde se regista a pior crise humanitária do mundo. Temos de perseverar e dar o nosso melhor. Uma das coisas que partilhei com o Papa Francisco foi a necessidade de investir mais na prevenção de conflitos.
Acha que o processo de reconciliação entre Timor-Leste e a Indonésia é uma lição para o mundo? O Papa falou disso durante a sua visita.
Sim. Os líderes são aqueles que levam as pessoas à guerra, aqueles que evitam a guerra e aqueles que levam as pessoas à paz. O nosso líder era Xanana Gusmão, um guerrilheiro, um prisioneiro. Ele disse para irmos em frente, sem vingança nem ódio, para nos reconciliarmos primeiro entre os timorenses e depois com a Indonésia. Também a Indonésia demonstrou capacidade de governo, de maturidade, e aceitou a nossa mão amiga. Precisamos de líderes que nos conduzam à paz.