S. Boaventura de Bagnoregio e S. Tomás de Aquino «constituem uma preciosa “companhia” para cada peregrino a caminho de Cristo»; traçam «um percurso descrito pelo primeiro como “caminho” da inteligência iluminada pela fé, pelo segundo como “itinerário” da mente, que da contemplação da criação se eleva para Deus»: assim escreve o Papa na mensagem enviada ao bibliotecário e arquivista da Santa Igreja Romana por ocasião da exposição «O Livro e o Espírito», organizada pela Biblioteca Apostólica do Vaticano no 750º aniversário da morte dos dois Doutores da Igreja. Eis o texto papal divulgado na tarde de 25 de outubro.
Ao querido Irmão
D. Vincenzo Zani
Bibliotecário e Arquivista
da Santa Igreja Romana
Por ocasião do 750º aniversário da morte de S. Boaventura de Bagnoregio e de S. Tomás de Aquino, a Biblioteca Apostólica do Vaticano propõe a exposição “O Livro e o Espírito”, dedicada aos dois Doutores, cujos autógrafos, códices das suas obras e documentos relativos à vida e atividade deles se encontram entre os seus tesouros. Congratulo-me por esta oportuna iniciativa.
Já o Papa Sisto iv , em 1475, inaugurou as primeiras instalações da Biblioteca do Vaticano, precisamente em coincidência com o segundo centenário da morte dos dois Santos, não por acaso retratados juntos, por Ghirlandaio, na decoração da Bibliotheca Latina, entre os grandes autores antigos e cristãos.
Pouco mais de um século depois, o Papa Sisto v — o Pontífice que dotou a Biblioteca com a sua atual localização — num documento1 mais tarde retomado pelo Papa Leão xiii ,2 associou-os à imagem bíblica das «duas oliveiras e dos dois castiçais que estão diante do Senhor da terra» (Ap 11, 4).
De facto, continuam a ser hoje fontes de luz e de inspiração para a Igreja e para a cultura. São “luminares” de uma abordagem do conhecimento, e em particular da teologia, em que profundidade intelectual e vida espiritual, ciência e sabedoria, humildade e caridade, se interpenetram e se alimentam mutuamente, na vontade de não guardar para si os frutos da especulação, mas de os partilhar com generoso zelo pastoral e missionário.3
Neste sentido, o Doctor Communis e o Doctor Seraphicus constituem um precioso “companheiro” para cada peregrino a caminho de Cristo, traçando um trilho descrito pelo primeiro como o “caminho” da inteligência iluminada pela fé, pelo segundo como o “itinerário” da mente, que da contemplação da criação se eleva para Deus. Pensemos no olhar “trinitário” que S. Boaventura propõe sobre as criaturas e as suas relações,4 com uma integração entre “santidade da inteligência” e “inteligência da santidade”, que se evidencia, antes de mais, no exemplo da sua vida.
E este é precisamente o elemento unificador que sobressai na exposição, preparada pela Biblioteca do Vaticano com a inclusão no programa também de uma jornada de estudo sobre os dois Doutores, para a qual estão convidadas todas as Universidades e Faculdades Pontifícias Romanas.
É também de louvar a colaboração internacional que se desenvolveu em volta do projeto, com a participação da Embaixada de França junto da Santa Sé, do Centro São Luís de Roma, da Comissão Leonina, das Pontifícias Universidades Angelicum, Antonianum e Gregoriana, e da Universidade de Paris i Sorbonne, onde tanto S. Tomás como S. Boaventura fizeram a sua formação como Mestres em Teologia.
Há cinquenta anos, São Paulo vi , por ocasião da exposição análoga organizada para o sétimo centenário da morte dos dois grandes Santos, salientou a sua importância, definindo o Angélico em particular como «luminar da Igreja e do mundo inteiro».5 Mais recentemente, o Papa Bento xvi , estudioso do pensamento e da obra do Seráfico, recordou numa das suas catequeses o seu elogio, composto por um escrivão pontifício anónimo: «Homem bom, afável, piedoso e misericordioso, cheio de virtude, amado por Deus e pelos homens. [...] Deus deu-lhe tal graça que aqueles que o viam ficavam cheios de um amor que o coração não podia ocultar».6
A presente exposição, inserindo-se nesta esteira, quer contribuir para encontrar linguagens e instrumentos adequados aos dias de hoje, para que o pensamento dos dois “gigantes” da doutrina católica possa continuar a difundir-se, chegando a todos.7
Nas pinturas da Bibliotheca Latina, S. Boaventura e S. Tomás seguram nas mãos pergaminhos, nos quais se encontram frases que lhes são atribuídas, complementares no seu significado. S. Tomás “diz”: «Sacrae doctrinae finis est beatitudo aeterna»; São Boaventura “responde”: «Fructus Scripturae est plenitudo aeternae felicitatis».8 E, na verdade, os dois santos mestres ensinam-nos a olhar para a felicidade eterna como supremo fruto da sabedoria, da ciência e da caridade, estimulando-nos a peregrinar na fé, para que «o testemunho crente seja no mundo um fermento de genuína esperança»,9 uma chama que ilumina traçando um caminho.
Prezado Irmão, manifesto-lhe o meu apreço por esta iniciativa, para a qual desejo o maior sucesso. Agradeço-lhe, bem como a quantos colaboraram na sua preparação e organização, e concedo-lhes de coração a minha bênção.
Vaticano, 4 de outubro de 2024
Francisco
1 Cf. sisto v , Bula Triumphantis Hierusalem, 14 de março de 1588, 13.
2 Cf. leão xiii , Carta. Enc. Aeterni Patris, 4 de agosto de 1879.
3 Cf. Carta. Ap. Ad theologiam promovendam, 1 de novembro de 2023, 8.
4 Cf. Carta Encíclica Laudato si’, 24 de maio de 2015, 239-240.
5 S. paulo vi , Carta Ap. Lumen Ecclesiae, 20 de novembro de 1974, 1.
6 j. g. bougerol , Boaventura, in a. vauchez (ed.), Storia dei santi e della santità cristiana. Vol. vi . L’epoca del rinnovamento evangelico, Milão 1991, p. 91; citado por bento xvi , Audiência geral de 3 de março de 2010.
7 Cf. Carta para o vii Centenário da Canonização de S. Tomás de Aquino, 30 de junho de 2023.
8 Cf. biblioteca apostólica do vaticano , S. Tomás e São Boaventura na Biblioteca do Vaticano. Exposição por ocasião do vii Centenário (1274-1974). Catálogo, Biblioteca Apostólica do Vaticano, Cidade do Vaticano, 1974, pp. 5-6.
9 Cf. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do ano de 2025 “Spes non confundit”, 9 de maio de 2024.