O Papa aos participantes no g 7 Inclusão e Deficiência

Combater a cultura do descarte seja prioridade para todos os países

 Combater a cultura do descarte  seja prioridade para todos os países  POR-043
24 outubro 2024

«Cada pessoa é parte integrante da família universal e ninguém deve ser vítima da cultura do descarte». Foi esta a recomendação do Papa Francisco aos participantes no g 7 Inclusão e Deficiência, recebidos a 17 de outubro na Sala do Consistório. O Pontífice, recordando “A Carta de Solfagnano”, assinada no dia anterior, «sobre temas fundamentais como a inclusão, a acessibilidade, a vida autónoma e a valorização das pessoas», sublinhou como estes se encontram «com a visão que a Igreja tem da dignidade humana». Em seguida, o discurso proferido pelo Papa.

Senhores e Senhoras Ministros
Senhores e Senhoras Delegados!

Peço desculpa pela hora, mas haviam muitas coisas hoje. Saúdo-vos com gratidão e estima pelo vosso empenho em promover a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência. Uma vez, falando de pessoas com deficiência, uma pessoa disse-me: “Mas esteja atento, que todos nós temos alguma, eh!” Todos nós. É verdade. Este encontro, por ocasião do g 7, é um sinal concreto da vontade de construir um mundo mais justo, um mundo mais inclusivo, onde cada pessoa, com as próprias capacidades, possa viver plenamente e contribuir para o crescimento da sociedade. Em vez de falar de “descapacidade”, falamos de capacidades diferentes. Mas todos têm capacidades. Recordo-me, por exemplo, de um grupo que veio aqui, de uma empresa, um restaurante; tanto os cozinheiros como os que serviam a cantina, eram todos jovens com deficiência. Mas faziam-no muito bem. Muito bem. Agradeço à Senhora ministra Alessandra Locatelli que veio aqui, Ministra para a deficiência, por ter promovido esta importante iniciativa. Obrigado.

Ontem assinastes “A Carta de Solfagnano”, fruto do vosso trabalho sobre temas fundamentais como a inclusão, a acessibilidade, a vida autónoma e a valorização das pessoas. Estes temas vão ao encontro da visão que a Igreja tem da dignidade humana. De facto, cada pessoa é parte integrante da família universal e ninguém deve ser vítima da cultura do descarte, ninguém. Esta cultura gera preconceitos e causa dano à sociedade.

Em primeiro lugar, a inclusão das pessoas com deficiência é fundamental que seja reconhecida como uma prioridade por todos os países. Não gosto muito desta palavra “deficiência”. Gosto da outra: “capacidades diferentes”. Infelizmente, nalgumas Nações ainda hoje se tem dificuldade em reconhecer a igual dignidade destas pessoas (cf. Carta Encíclica Fratelli Tutti, 98). Tornar o mundo inclusivo significa não só adaptar as estruturas, mas também mudar a mentalidade, para que as pessoas com deficiência sejam consideradas, para todos os efeitos, participantes da vida social. Não há verdadeiro desenvolvimento humano sem o contributo dos mais vulneráveis. Neste sentido, a acessibilidade universal torna-se um grande fim a perseguir, de modo a que todas as barreiras físicas, sociais, culturais e religiosas sejam eliminadas, permitindo a cada um de fazer uso dos seus talentos e contribuir para o bem comum. E isto em todas as fases da sua existência, desde a infância até à velhice. Dói-me quando se vive com aquela cultura de descartar os idosos. Os idosos são sabedoria e descartam-se como se fossem sapatos feios.

Garantir serviços adequados às pessoas com deficiência não é apenas uma questão de assistência — a política do assistencialismo: não, não é isto — mas de justiça e de respeito pela sua dignidade. Todos os Países têm, portanto, o dever de assegurar as condições para que cada pessoa se possa desenvolver plenamente, em comunidades inclusivas (cf. Fratelli Tutti, 107).

Por isso, é importante trabalhar em conjunto para que seja possível às pessoas com deficiência escolher o próprio caminho de vida, libertando-as das cadeias do preconceito. A pessoa humana — recordemo-lo — nunca deve ser meio, mas sempre fim! Isto significa, por exemplo, valorizar as capacidades de cada um, oferecendo oportunidades de trabalho digno. Uma grave forma de discriminação é excluir alguém da possibilidade de trabalhar (cf. Fratelli Tutti, 162). O trabalho é dignidade; é a unção da dignidade. Se tu excluis essa possibilidade, tiras-lhe isto. O mesmo se pode dizer da participação na vida cultural e desportiva: é uma ofensa à dignidade humana.

As novas tecnologias também podem ser instrumentos poderosos de inclusão e participação, se forem acessíveis a todos. Devem ser orientadas para o bem comum, para o serviço da cultura do encontro e da solidariedade. A tecnologia deve ser utilizada com sensatez, para que não crie mais desigualdades, mas se torne, pelo contrário, um meio para as abater.

Por último, o tema da inclusão deve ter em conta as urgências da nossa casa comum. Não podemos ignorar as emergências humanitárias ligadas às crises climáticas e aos conflitos que afetam de modo desproporcionado as pessoas mais vulneráveis, incluindo aquelas com deficiência (cf. Carta Encíclica Laudato si’, 25). É nosso dever garantir que as pessoas com deficiência não sejam deixadas para trás nestas situações, que sejam protegidas, que sejam assistidas de modo adequado. É necessário construir um sistema de prevenção e de resposta às emergências que tenha em conta as suas necessidades específicas e garanta que ninguém seja excluído da proteção e do socorro.

Senhoras e Senhores, vejo este vosso trabalho como um sinal de esperança, para um mundo que demasiadas vezes esquece as pessoas com deficiência ou que infelizmente as manda embora antes de nascerem: vêm a radiografia e... ao remetente. Exorto-vos a continuar neste caminho, inspirados pela fé e pela convicção de que cada pessoa é um dom; cada pessoa é um dom precioso para a sociedade. São Francisco de Assis, testemunha de um amor sem limites pelos mais frágeis, recorda-nos que a verdadeira riqueza consiste no encontro com os outros - esta cultura do encontro que é preciso desenvolver -, especialmente com aqueles que uma falsa cultura do bem-estar tende a descartar. Entre estes que são vítimas do descarte estão os avós: os avós, os velhinhos, no lar de idosos. É uma coisa muito feia. Há uma história muito bonita. Diz-se que o avô vivia com a família. Mas o avô envelheceu e à mesa, quando comia, sujava-se... Um dia, o pai mandou fazer uma mesa na cozinha e disse: “O avô comerá na cozinha, assim podemos convidar pessoas”. O tempo passa e, um dia, o pai chega a casa do trabalho e encontra o filho de cinco anos a brincar com tábuas [Diz-lhe]: “O que estás a fazer? — “Estou a fazer uma mesa” — “Uma mesa? Porquê? — “Para ti, pai. Quando fores velho”. Aquilo que nós fazemos com os idosos, os nossos filhos farão connosco. Não nos esqueçamos disto. Juntos, podemos construir um mundo onde a dignidade de cada pessoa seja plenamente reconhecida e respeitada.

Que Deus vos abençoe e vos acompanhe sempre, a todos vós. Obrigado.