Na tarde de sábado, 28 de outubro, o Papa Francisco deixou a sede da nunciatura apostólica, sua residência durante a viagem na Bélgica, e dirigiu-se à Université Catholique de Louvain, onde teve lugar o encontro com os estudantes universitários. Após a saudação a reitora, o Pontífice proferiu este discurso.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Obrigado, Senhora Reitora, pelas suas amáveis palavras. Queridos estudantes, estou feliz por vos encontrar e por ouvir as vossas reflexões. Nelas encontro paixão e esperança, desejo de justiça, procura de verdade.
Entre as questões abordadas, impressionou-me aquela que se refere ao futuro e à angústia. Damo-nos conta de como é violento e arrogante o mal que destrói o meio ambiente e os povos. Parece não ter limites. A guerra é a sua expressão mais brutal — sabeis que em um País, que não nomearei, os investimentos que geram mais lucro hoje são as fábricas de armamentos, isso é terrível — e parece que não há como frear esse processo: a guerra é uma expressão brutal; tal como a corrupção e as formas modernas de escravidão. Guerra, corrupção e novas formas de escravidão. Por vezes, estes males contaminam a própria religião, tornando-se um instrumento de domínio. Estai atentos! Isto é uma blasfémia. A união dos homens com Deus, que é Amor salvífico, torna-se assim escravidão. Até mesmo o nome pai, que é uma revelação de solicitude, se transforma numa expressão de prepotência. Deus é Pai, não patrão; é Filho e Irmão, não ditador; é Espírito de amor, e não de domínio.
Nós, cristãos, sabemos que ao mal não cabe a última palavra — e sobre isso devemos estar seguros: o mal não tem a última palavra — e que ele tem, como se costuma dizer, os dias contados. Tal não diminui o nosso compromisso, muito pelo contrário, aumenta-o: a esperança é uma das nossas responsabilidades. Uma responsabilidade a ser assumida pois a esperança jamais dececiona. E esta certeza vence aquela consciência pessimista, ao estilo da Turandot (personagem principal da ópera homónima)... a esperança jamais dececiona!
E agora, três palavras: gratidão, missão, fidelidade.
A primeira atitude é a gratidão, porque esta casa foi-nos dada: não somos donos, somos hóspedes e peregrinos sobre a terra. O primeiro a tratar dela é Deus. Nós, antes de mais, somos alvo dos cuidados de Deus, que criou a terra — diz Isaías — “não como uma região caótica, mas pronta para ser habitada” (cf. 45, 18). O salmo oitavo está repleto de gratidão maravilhada: «Quando contemplo os céus, obra das tuas mãos, / a Lua e as estrelas que Tu criaste: / que é o homem para te lembrares dele, / o filho do homem para com ele te preocupares?» (Sl 8, 4-5). A oração que me brota do coração é: Obrigado, ó Pai, pelo céu estrelado e pela vida no Universo!
A segunda atitude é a missão. Estamos no mundo para preservar a sua beleza e cultivá-la a bem de todos, especialmente da posteridade, dos vindouros. Este é o “programa ecológico” da Igreja. Porém, nenhum projeto de desenvolvimento será bem sucedido se a arrogância, a violência e a rivalidade permanecerem nas nossas consciências e também na nossa sociedade. Temos de ir à fonte do problema, que é o coração humano. É também do coração do homem que vem a urgência dramática da questão ecológica: da indiferença arrogante dos poderosos, que colocam sempre os interesses económicos acima de tudo, ou seja, o dinheiro. Lembro-me de algo que a minha avó sempre me dizia: “Sê vigilante na vida, pois o diabo entra pelos bolsos”. O interesse económico. Enquanto assim for, todos os apelos serão silenciados ou serão acolhidos apenas na medida em que forem convenientes para o funcionamento do mercado. Esta “espiritualidade”, digamo-lo assim, de mercado. E enquanto o mercado estiver em primeiro lugar, a nossa casa comum sofrerá injustiças. A beleza da dádiva reclama a nossa responsabilidade: somos hóspedes, não tiranos. A este respeito, queridos estudantes, encarai a cultura como o cultivo do mundo e não apenas como cultivo de ideias.
Eis o desafio do desenvolvimento integral, que exige a terceira atitude: a fidelidade. Fidelidade a Deus e fidelidade ao homem. Na verdade, este desenvolvimento diz respeito a todas as pessoas em todos os aspetos da sua vida: físico, moral, cultural, sociopolítico; e opõe-se a qualquer forma de opressão e de descarte. A Igreja denuncia estes abusos, empenhando-se, antes de mais, na conversão de cada um dos seus membros, de nós próprios, à justiça e à verdade. Neste sentido, o desenvolvimento integral apela à nossa santidade: é vocação para uma vida justa e feliz, para todos.
Agora, a opção a fazer está, pois, entre manipular a natureza ou cultivá-la. Assim é a opção: manipulo a natureza ou a cultivo. A começar pela nossa natureza humana — pensemos na eugenia, nos organismos cibernéticos, na inteligência artificial. A opção entre manipular ou cultivar diz também respeito ao nosso mundo interior.
Pensar na ecologia humana leva-nos a um assunto que vos é caro, como o tem sido para mim e para os meus Predecessores: o papel das mulheres na Igreja. Agrada-me o que disseste. Neste âmbito, pesam muito a violência e a injustiça, juntamente com os preconceitos ideológicos. Por isso, temos de redescobrir o ponto de partida: quem é a mulher e quem é a Igreja. A Igreja é mulher: não é “o” Igreja, mas “a” Igreja, é a esposa. A Igreja é o povo de Deus, não uma empresa multinacional. A mulher, no Povo de Deus, é filha, irmã, mãe. Tal como eu sou filho, irmão, pai. São as relações que exprimem o nosso ser à imagem de Deus, homem e mulher, juntos, não em separado! Com efeito, as mulheres e os homens são pessoas, não indivíduos; são chamados desde o “princípio” para amar e serem amados. Uma vocação que é missão. Daqui deriva o seu papel na sociedade e na Igreja (cf. São João Paulo ii , Carta ap. Mulieris dignitatem, 1).
Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar. A partir desta dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser um para o outro, em comunhão. Não um contra o outro — isto seria feminismo ou machismo — e não com reivindicações opostas, mas o homem pela mulher e a mulher pelo homem, juntos.
Recordemos que a mulher está no centro do acontecimento salvífico. É a partir do “sim” de Maria que o próprio Deus vem ao mundo. A mulher é acolhimento fecundo, cuidado, dedicação vital. Por isso a mulher é mais importante que o homem, e é triste quando a mulher quer fazer-se homem: não, é mulher, e isto “tem peso”, é importante. Abramos os olhos para os muitos exemplos quotidianos de amor, das amizades ao trabalho, do estudo à responsabilidade social e eclesial, da conjugalidade à maternidade ou à virgindade em favor do Reino de Deus e do serviço. Não esqueçamos, repito: a Igreja é mulher, não é masculina, é mulher.
Vós próprios estais aqui para crescer como mulheres e como homens. Enquanto pessoas, estais a caminho, em formação. É por isso que o vosso percurso académico abrange diferentes âmbitos: investigação, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, expressão artística...
Penso na experiência que todos os dias viveis, nesta Universidade Católica de Lovaina, e partilho três aspetos, simples e decisivos, da formação: Como estudar? Porquê estudar? E para quem estudar?
Como estudar: como em qualquer ciência, não existe apenas um método, mas também um estilo. Cada um pode cultivar o seu. Efetivamente, o estudo é sempre um caminho para o conhecimento de si mesmo e dos outros. Mas há ainda um estilo comum que pode ser partilhado na comunidade universitária. Estuda-se em conjunto: com aqueles que chegaram antes de mim — professores, colegas mais adiantados — e com aqueles que estão ao meu lado, na sala de aula. A cultura enquanto autocuidado implica cuidarmos uns dos outros. Não existe uma guerra entre estudantes e professores, mas o diálogo. Às vezes é um diálogo um pouco intenso, mas é diálogo que faz crescer a comunidade universitária.
Segundo: porquê estudar. Há uma razão que nos move e um objetivo que nos atrai, que devem ser bons, porque deles depende o sentido do estudo, depende a direção da nossa vida. Por vezes, estudo com o objetivo de conseguir aquele tipo de trabalho, acabando por viver em função dele. Tornamo-nos “mercadoria” se vivermos em função do trabalho. Não se vive para trabalhar, trabalha-se para viver; é fácil dizê-lo, mas pô-lo em prática com coerência implica empenho. E a palavra coerência é muito importante para todos, mas especialmente para vós, estudantes. Deveis aprender esta atitude: ser coerentes.
Terceiro: para quem estudar. Para si próprio? Para prestar contas aos outros? Estudamos para poder educar e servir os outros, antes de mais com o serviço da competência e da autoridade. Em vez de nos perguntarmos se estudar serve para alguma coisa, preocupemo-nos em servir alguém. Uma bela pergunta que o estudante universitário pode propor-se: a quem sirvo? A mim mesmo? Ou tenho o coração aberto para outro serviço? Então, o grau universitário atesta aptidão para o bem comum. Estudo para mim, para trabalhar, para ser útil, para o bem comum. E tudo isto deve ser muito balanceado.
Queridos estudantes, é para mim uma alegria partilhar convosco estas reflexões. Ao fazê-lo, apercebemo-nos de que há uma realidade maior que nos ilumina e ultrapassa: a verdade. “O que é a verdade?”. Pilatos formulou esta pergunta. Sem a verdade, a nossa vida perde sentido. O estudo faz sentido quando procura a verdade, quando busca encontrá-la, mas com senso crítico. Para encontrar a verdade é necessário ter senso crítico, assim podemos avançar. O estudo faz sentido quando procura a verdade, não o esqueçais. E, ao procurá-la, compreende que fomos feitos para a encontrar. A verdade deixa-se encontrar: é acolhedora, disponível e generosa. Se renunciarmos a procurar juntos a verdade, o estudo torna-se um instrumento de poder, de controlo sobre os outros. Confesso-vos que me entristece quando encontro, em qualquer parte do mundo, universidades que preparam os estudantes somente para lucrar ou ter poder. Isso é exageradamente individualista, não comunitário. A alma mater é a comunidade universitária, a universidade, aquilo que nos ajuda a construir a sociedade, a construir fraternidade. Não serve o estudo sem (buscar a verdade) ao mesmo tempo, não serve, mas domina. Pelo contrário, a verdade torna-nos livres (cf. Jo 8, 32). Caros estudantes, quereis a liberdade? Sede buscadores e testemunhas da verdade! Procurai ser credíveis e coerentes através das escolhas quotidianas mais simples. Assim, esta torna-se, todos os dias, aquilo que quer ser: uma Universidade Católica! Segui em frente e não entreis em lutas com as dicotomias ideológicas. Não esqueçais: a Igreja é mulher e (saber) isto nos ajudará muito.
Obrigado por este encontro. Obrigado a ti que fostes corajosa! Ao vosso caminho de formação e a todos vós, de coração abençoo. E peço-vos, por favor que rezeis por mim. E se alguém não reza ou não sabe rezar ou não quer rezar, pelo menos mande-me “boas ondas”, que são necessárias. Obrigado!