No voo que de Bruxelas o reconduziu a Roma, no domingo, 29 de setembro, o Papa Francisco respondeu às perguntas dos jornalistas acreditados, como é habitual no final das suas viagens internacionais. Introduzindo a conversa, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, agradeceu ao Pontífice «por este tempo que nos quer dedicar no final desta viagem breve mas muito intensa». Em seguida, publicamos na íntegra as palavras do bispo de Roma em resposta às perguntas que lhe foram feitas.
Papa Francisco — Boa tarde! Estou à vossa disposição para as perguntas.
michael merten [luxemburger wort] — Sou o Michael do “Luxemburger Wort”, um jornal luxemburguês. Luxemburgo foi o primeiro País desta viagem. Muitos recordam a sua estadia e, com certeza, também as pessoas do Espresso Bar que ali surpreendeu. Queria perguntar-lhe que impressões guarda desse dia em Luxemburgo, o que é que leva para Roma e, também, se ficou surpreendido com alguma coisa?
Papa Francisco — Obrigado. O ter ido ao bar foi uma brincadeira! A seguir será uma pizzaria! O Luxemburgo impressionou-me muito como uma sociedade equilibrada, com leis ponderadas e também com uma cultura elevada. Isso impressionou-me muito, porque eu não o conhecia. Em contrapartida, a Bélgica eu já conhecia, porque a visitei várias vezes. Mas o Luxemburgo foi uma surpresa, por causa do equilíbrio, do acolhimento, algo que me surpreendeu. Julgo que a mensagem do Luxemburgo para a Europa talvez seja precisamente esta... Obrigado!
valérie dupont [televisão estatal belga de língua francesa rtbf] — Televisão, precisamente. Vossa Santidade, agradeço a sua disponibilidade e peço desculpa pela minha voz, mas a chuva afetou-me um pouco. As suas palavras sobre o túmulo do Rei Balduíno causaram algum espanto na Bélgica.
Papa Francisco — Mas, como sabe, o espanto é o início da filosofia, e isso é bom!
Valérie Dupont — Quem dera! Mas houve quem o considerasse uma ingerência política na vida democrática da Bélgica. A minha pergunta é a seguinte. O processo de beatificação do rei está ligado às suas posições? E como é que podemos conciliar o direito à vida, a defesa desta, com o direito das mulheres a terem uma vida sem sofrimento?
Papa Francisco — São todas vidas. O rei foi corajoso porque, perante uma lei de morte, não assinou e demitiu-se. É preciso coragem! É preciso um político “que veste calças” para fazer isso. É preciso coragem. Esta é uma situação especial e, com isso, ele transmitiu igualmente uma mensagem. E fê-lo também porque era um santo. Aquele homem é um santo e, porque me deu provas disso, o processo de beatificação continuará.
Relativamente às mulheres, elas têm direito à vida: à sua vida, à vida dos seus filhos. Mas não nos esqueçamos de dizer o seguinte: o aborto é um homicídio. A ciência diz-nos que, um mês após a conceção, já todos os órgãos estão formados. Mata-se um ser humano! E os médicos que se prestam a isso são — permitam-me a palavra — sicários. São uns sicários. E isto é indiscutível. Mata-se uma vida humana. As mulheres têm o direito de proteger a vida. Os métodos contracetivos são outra coisa. Não se deve confundir. Agora estou a falar apenas do aborto. E isso não se discute. Peço desculpa, mas é a verdade. Obrigada!
andrea vreede [televisão belga flamenga e holandesa] — Vossa Santidade, durante esta viagem à Bélgica, teve também um longo encontro com um grupo de vítimas de abusos sexuais. Nas suas histórias, aparecem muitas vezes gritos de desespero sobre: falta de transparência nos processos, portas fechadas, silêncio a seu respeito, lentidão das ações disciplinares, encobrimentos de que falou hoje, problemas de compensação financeira pelos danos sofridos. No fim, as coisas parece que só mudam quando podem falar consigo, pessoalmente, como aconteceu nesta viagem. Em Bruxelas, as vítimas fizeram-lhe também uma série de pedidos. Gostaria de lhe perguntar como tenciona dar seguimento a essas solicitações? Não seria bom, talvez, criar um departamento especial no Vaticano, um organismo independente, como alguns bispos estão a pedir, para lidar melhor com este flagelo na Igreja e para recuperar a confiança dos fiéis?
Papa Francisco — Obrigado. Quanto ao último ponto, existe um departamento no Vaticano. Existe uma estrutura para os casos de abuso, cujo presidente atual é um bispo colombiano. Há uma Comissão, criada pelo Cardeal O’Malley. Isto funciona. Recebe-se tudo no Vaticano e discute-se. Também no Vaticano recebi as vítimas de abusos e encorajo para que se possa seguir em frente. Esta é a primeira coisa.
Segundo. Escutei as vítimas de abusos. Penso que é um dever. Alguns dizem: as estatísticas indicam que 40-42-46% dos casos de abuso acontecem na família e no bairro, apenas 3% na Igreja. Não me importo, ocupo-me dos que estão na Igreja. Temos a responsabilidade de ajudar as vítimas e cuidar delas. Algumas precisam de tratamento psicológico, é preciso ajudá-las nesse sentido. Também se fala de uma indemnização, porque o direito civil assim o prevê. Na Bélgica, penso ser de 50 000 euros: é demasiado baixo, não é algo que ajude. Julgo que é esse o valor, mas não tenho a certeza. Temos de cuidar das pessoas que sofreram abusos e punir os abusadores, puni-los, porque o abuso não é um pecado de hoje que amanhã talvez não exista; é uma tendência, é uma doença psiquiátrica e, por isso, temos de lhes proporcionar tratamento e controlá-los. Não se pode deixar um abusador em liberdade na vida normal, com responsabilidades em paróquias e escolas. Alguns bispos, aos padres que fizeram isto, depois do julgamento e da condenação, deram-lhes trabalho, por exemplo, na biblioteca, mas sem contacto com crianças em escolas ou paróquias. E temos de continuar assim. Eu disse aos bispos belgas para não terem medo e para seguirem em frente. A vergonha é encobrir... Encobrir, isso sim é uma vergonha. Muito obrigado.
courtney walsh [fox tv] — Muito obrigado pelo tempo que nos concede. Hoje de manhã lemos que foram utilizadas bombas de 900 kg para o assassinato de Nasrallah. Há mais de mil deslocados, muitos mortos. A minha pergunta é: considera que Israel talvez tenha ido longe demais no Líbano e em Gaza? E como é que isto se pode resolver? Qual a mensagem para as pessoas que lá estão?
Papa Francisco — Todos os dias telefono para a paróquia de Gaza. Na paróquia e na escola há mais de 600 pessoas e contam-me as coisas que se passam, também as crueldades que ali acontecem. Relativamente ao que a senhora me diz, não compreendi bem como é que as coisas se passaram. Mas a defesa deve ser sempre proporcional ao ataque. Quando uma coisa é desproporcionada, revela uma inclinação para o domínio que ultrapassa a moralidade. Se um País com as suas forças — e refiro-me a qualquer País — faz estas coisas de uma forma “superlativa”, isso trata-se de ações imorais. Mesmo na guerra, há uma moralidade que deve ser salvaguardada. A guerra é imoral, mas as regras da guerra apontam para alguma moralidade. Mas quando isso não é feito, vê-se — dizemos na Argentina — o “mau sangue” destas coisas.
annachiara valle [famiglia cristiana] — Obrigada, Vossa Santidade. Ontem, depois do encontro na Universidade Católica de Lovaina, foi emitido um comunicado onde, leio: “A Universidade deplora as posições conservadoras expressas pelo Papa Francisco sobre o papel da mulher na sociedade”. Dizem que é um pouco restritivo falar das mulheres apenas como maternidade, fecundidade, prestação de cuidados, o que, aliás, é um pouco discriminatório porque é um papel que também compete aos homens. E, ligado a isto, ambas as Universidades levantaram a questão dos ministérios ordenados na Igreja.
Papa Francisco — Antes de mais, este comunicado foi feito no momento em que eu estava a falar. Foi pré-fabricado e isto não é moral. Relativamente às mulheres, falo sempre da sua dignidade e disse uma coisa que não posso dizer dos homens: a Igreja é mulher, é a esposa de Jesus. Masculinizar a Igreja, masculinizar a mulher não é humano, não é cristão. O feminino tem a sua própria força. Aliás, a mulher — digo-o sempre — é mais importante do que o homem, porque a Igreja é mulher, a Igreja é a esposa de Jesus. Se para essas senhoras isto parece conservador, eu sou Carlos Gardel [conhecido cantor de tango argentino]. Porque não se compreende... Noto que há uma mente obtusa que não quer ouvir isto. A mulher é igual ao homem, melhor ainda, na vida da Igreja a mulher é superior, porque a Igreja é mulher. Relativamente ao ministério, a mística da mulher é maior do que o ministério. Há um grande teólogo [Hans Urs von Balthasar] que fez estudos sobre isso: é maior o ministério petrino ou o ministério mariano? O ministério mariano é maior porque é um ministério de unidade que envolve, o outro é um ministério de orientação, de guia. A maternidade da Igreja é uma maternidade de mulher. O ministério é um ministério muito mais pequeno, conferido para acompanhar os fiéis, mas sempre dentro da maternidade. Sobre isso vários teólogos já estudaram. Dizê-lo é referir algo real, não digo que seja moderno, mas real. Não é antiquado. Um feminismo exagerado, ou seja, em que as mulheres são “machistas”, não funciona. Uma coisa é o machismo, que está errado, outra coisa é o feminismo, que também está errado. O que importa é a Igreja mulher, que é maior do que o ministério sacerdotal. E, às vezes, isto esquece-se. Obrigado pela pergunta!
E obrigado a todos por esta viagem, pelo trabalho que fizestes. Lamento que o tempo seja escasso. De qualquer modo, obrigado, muito obrigado! Rezo por vós e vós rezai por mim. E rezai a favor, Muito obrigado!
Recordaram ao Santo Padre o trágico caso das cinquenta pessoas desaparecidas no mar ao largo das Ilhas Canárias.
Para mim é doloroso, aquelas pessoas desaparecidas nas Canárias. Hoje, muitos e muitos migrantes que procuram a liberdade perdem-se no mar ou perto do litoral. Pensemos em Crotone: a 100 metros da terra... Pensemos neste local. É de fazer vir as lágrimas aos olhos. Obrigado!