45ª viagem apostólica do Papa Francisco — Indonésia
Profetas de comunhão
Na tarde de quarta-feira, 4 de setembro, o Papa deslocou-se de carro da nunciatura apostólica, sua residência em Jacarta, até à catedral da capital indonésia para se encontrar com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, consagradas, religiosos, religiosas, seminaristas e catequistas do país asiático. No templo dedicado a Nossa Senhora da Assunção, depois de ter ouvido as saudações que lhe foram dirigidas pelo presidente da Conferência episcopal, seguidas pelos testemunhos de um sacerdote, de uma religiosa e de dois catequistas, o Pontífice pronunciou o seguinte discurso, pedindo à catequista que acabara de terminar que permanecesse ao seu lado por um momento.
Contigo aqui à frente, queria dizer-vos algo.
A Igreja — é preciso pensar nisto — a Igreja é impulsionada pelos catequistas. Os catequistas são aqueles que vão à frente, que vão à frente. Depois, logo a seguir aos catequistas, vêm as Irmãs consagradas; depois os padres, o bispo... Mas os catequistas estão na “primeira linha”, são a força da Igreja.
Uma vez, numa das minhas viagens a África, um Presidente da República contou-me que tinha sido batizado pelo seu pai catequista. A fé transmite-se em casa. A fé transmite-se em dialeto. E os catequistas, juntamente com as mães e as avós, levam esta fé para diante. O meu agradecimento a todos os catequistas: efetivamente, são extraordinários, são muito bons! Obrigado!
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Há cardeais, bispos, padres, freiras, leigas, leigos, crianças, mas somos todos irmãos. Não é mais importante o Papa, o cardeal, o bispo… Todos irmãos. Cada um com a sua função no sentido de fazer crescer o povo de Deus. Entendido?
Saúdo o senhor Cardeal, os Bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e catequistas presentes. Agradeço ao Presidente da Conferência Episcopal suas palavras, bem como aos irmãos e irmãs que connosco partilharam os seus testemunhos.
Como se acabou de recordar, o lema escolhido para esta Visita Apostólica é “Fé, Fraternidade, Compaixão”. Penso serem três virtudes que exprimem bem o vosso caminho como Igreja e a vossa índole de povo, muito variada étnica e culturalmente, mas ao mesmo tempo caracterizada por uma inclinação inata para a unidade e convivência pacífica; dão testemunho disso os princípios tradicionais da Pancasila. Gostaria, portanto, de refletir convosco sobre as três palavras do lema.
A primeira é fé. A Indonésia é um grande País, com enormes riquezas naturais, em termos de flora, fauna, recursos energéticos e matérias-primas, entre outras. Se fosse entendida com superficialidade, uma riqueza tão grande poderia facilmente transformar-se num motivo de orgulho e presunção, mas, se for considerada com mente e coração abertos, pode, pelo contrário, ser um apelo a Deus e à sua presença no cosmos, na sua vida e na nossa vida, como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 1; Sir 42, 15-43, 33). Efetivamente, é o Senhor que nos dá tudo isto. Não há um único centímetro do maravilhoso território indonésio, nem um único momento na vida de cada um dos seus milhões de habitantes que não seja dádiva do Senhor, sinal do seu amor, gratuito e preveniente, de Pai. E olhar para tudo isto com os olhos humildes de filhos ajuda-nos a acreditar, a reconhecermo-nos pequenos e amados (cf. Sl 8) e a cultivarmos sentimentos de gratidão e responsabilidade.
Agnes falou-nos disso, convidando a viver a nossa relação com a criação e com os irmãos, especialmente os mais necessitados, num estilo de vida pessoal e comunitário marcado pelo respeito, pela civilidade e pela humanidade, com sobriedade e caridade franciscana.
A segunda palavra do lema, logo a seguir à fé, é fraternidade. Uma poetisa do século XX utilizou uma expressão muito bonita para descrever esta atitude: escreveu que ser irmãos significa amarmo-nos, sem deixarmos de nos reconhecer «diversos como duas gotas de água»1. Lindo! E é exatamente assim. Não há duas gotas de água iguais, nem dois irmãos completamente idênticos, mesmo sendo gémeos. Viver a fraternidade significa, portanto, acolher-se mutuamente, reconhecendo-nos iguais na diversidade.
Este é também um valor caro à tradição da Igreja indonésia e manifesta-se na abertura com que ela se relaciona com as várias realidades que a compõem e rodeiam, a nível cultural, étnico, social e religioso, valorizando o contributo de todos e dando generosamente o que é seu em cada contexto. Isto, irmãos e irmãs, é importante, porque anunciar o Evangelho não significa impor ou contrapor a própria fé à dos outros, não significa fazer proselitismo, significa dar e partilhar a alegria do encontro com Cristo (cf. 1 Pd 3, 15-17), sempre com grande respeito e afeto fraterno por todos. E, neste aspeto, deixo o convite para que vos mantenhais assim: abertos e amigos de todos — naquela expressão que me agrada tanto — “de mãos dadas”, andar deste modo, como dizia o padre Maxi — profetas de comunhão, num mundo onde parece crescer cada vez mais a tendência a dividir, impor e provocar os outros (cf. Exortação ap. Evangelii gaudium, 67). E sobre isto quero dizer-vos uma coisa: sabeis quem é a pessoa que causa as maiores divisões no mundo? Sabeis quem é? O grande autor da divisão, que sempre divide, divide... Jesus une e ele divide. É o diabo. Estai atentos!
É importante tentar alcançar todos, como nos recordou a Irmã Rina, que nutre a esperança de poder traduzir, em Bahasa Indonesia, não só os textos da Palavra de Deus mas também os ensinamentos da Igreja, de modo a torná-los acessíveis ao maior número possível de pessoas. Nicholas também chamou a atenção para esta realidade, descrevendo a missão do catequista com a imagem de uma “ponte” que une. Isto impressionou-me e fez-me pensar no maravilhoso espetáculo de milhares de “pontes do coração” que, no grande arquipélago indonésio, unem entre si todas as ilhas, mas fez-me pensar ainda mais no maravilhoso espetáculo de milhões de “pontes” que unem as pessoas que aqui vivem! Uma outra bonita imagem da fraternidade é um imenso bordado de “fios de amor” que atravessam o mar, ultrapassam barreiras e abraçam qualquer diversidade, fazendo de todos «um só coração e uma só alma» (Act 4, 32). A linguagem do coração, não esqueçais!
E assim chegamos à terceira palavra: compaixão, que está intimamente ligada à fraternidade. Compaixão significa sofrer com o outro, partilhar os sentimentos: é uma palavra bonita! Como sabemos, a compaixão não consiste em distribuir esmolas aos irmãos e irmãs necessitados, olhando-os de cima para baixo, desde as nossas seguranças e dos nossos privilégios, mas, pelo contrário, compaixão significa aproximarmo-nos uns dos outros, despojando-nos de tudo o que não nos deixa inclinar para entrar verdadeiramente em contacto com quem está por terra, e assim podermos levantá-lo e dar-lhe esperança (cf. Carta enc. Fratelli tutti, 70). E isto é importante: tocar a pobreza. Na confissão, pergunto sempre aos adultos: “Costumas dar esmola?”, e geralmente dizem que sim, porque são boas pessoas. Mas a segunda pergunta é: “Quando dás esmola, tocas na mão do mendigo? Olha-lo nos olhos? Ou atiras-lhe a moeda de longe, para não lhe tocares? Isto é algo que todos nós temos de aprender: compaixão significa sofrer, padecer, acompanhar nos sentimentos quem está a sofrer e abraçá-lo, estar ao seu lado. Mais ainda: significa também abraçarmos os seus sonhos e desejos de redenção e justiça, velarmos por eles, fazer-nos seus promotores e cooperadores, envolvendo outros, alargando a “rede” e as fronteiras num grande dinamismo expansivo de caridade (cf. ibid., 203). E isto não significa ser comunista, significa caridade, significa amor.
Há quem tenha medo da compaixão, há gente que tem medo da compaixão, considerando-a uma fraqueza (sofrer com o outro, uma fraqueza...), e exalte antes — como se de uma virtude se tratasse — a astúcia de quem serve os próprios interesses, mantendo-se à distância de todos, não se deixando “tocar” por nada nem por ninguém, julgando-se assim mais lúcido e livre para atingir os seus objetivos. Infelizmente, lembro-me de uma pessoa muito rica, riquíssima, em Buenos Aires, mas tinha o vício de se apoderar, apoderar, apoderar, de mais e mais dinheiro. Morreu e deixou uma herança enorme. Sabeis quais eram as piadas que as pessoas faziam? “Pobre coitado, nem conseguiram fechar o caixão!”. Queria ficar com tudo e não ficou com nada. Faz rir, mas não vos esqueçais de uma coisa: o diabo entra pelos bolsos, sempre! É verdade. Ter as riquezas como segurança é um modo enganador de ver a realidade. O que faz progredir o mundo não são os cálculos de interesses particulares — que geralmente acabam por destruir a criação e dividir as comunidades — mas a caridade que se dá. Isto sim faz progredir: a caridade que se dá. E a compaixão não ofusca a visão real da vida; muito pelo contrário, à luz do amor, leva a ver melhor as coisas, ou seja, com os olhos do coração faz-nos ver melhor a realidade. E quero repetir. Por favor, estai atentos e não esqueçais: o diabo entra pelos bolsos!
A arquitetura do pórtico desta Catedral resume muito bem, em chave mariana, quanto foi dito. Na verdade, no centro do arco ogival, o pórtico é suportado por uma coluna sobre a qual está colocada a imagem da Virgem Maria. Mostra-nos assim a Mãe de Deus, antes de mais, como modelo de fé, na medida em que suporta simbolicamente todo o edifício da Igreja, com o seu pequeno “sim” (cf. Lc 1, 38). O seu corpo frágil, encostado à coluna, à rocha que é Cristo, parece carregar com Ele o peso de toda a construção, como se nos dissesse que, enquanto obra do trabalho e do engenho humano, não pode sustentar-se por si só. A meio do pórtico, Maria aparece como imagem de fraternidade, no gesto de acolher todos os que querem entrar. É a mãe que acolhe. E, por fim, é igualmente ícone de compaixão, ao velar e proteger o povo de Deus que, com as suas alegrias e dores, cansaços e esperanças, se reúne na casa do Pai. É a mãe da compaixão.
Queridos irmãos e irmãs, gostaria de concluir esta conversa tomando o que São João Paulo ii disse precisamente aos sacerdotes, consagrados e consagradas, durante a visita que fez a esta terra há já várias décadas. Citou o versículo do Salmo: «Laetentur insulae multae» — «Rejubile a multidão das ilhas» (Sl 96, 1) — convidando os seus ouvintes levá-lo à prática pelo «testemunho da alegria da Ressurreição» e pelo dom da «vida de maneira que, até mesmo as ilhas mais distantes, possam “regozijar” ouvindo o Evangelho», do qual eram «autênticos pregadores, mestres e testemunhas» (Encontro com os Bispos, o Clero e os Religiosos da Indonésia, Jacarta, 10 de outubro de 1989).
Também eu renovo esta exortação e encorajo-vos a continuar a vossa missão: fortes na fé, abertos a todos na fraternidade e próximos de cada um na compaixão. Fortes, abertos e próximos, com a fortaleza da fé. A abertura para acolher todos, todos! Impressiona-me muito aquela parábola do Evangelho, quando os convidados para o casamento não quiseram ir, e não foram. O que é que o Senhor faz? Fica amargurado? Não, aquele homem compreendeu melhor e manda os seus servos: “Ide às encruzilhadas e trazei todos, todos, todos para dentro. Todos para dentro, com este estilo tão bonito que é seguir em frente com a fraternidade, a compaixão, a unidade... Todos. Penso em tantas ilhas, tantas ilhas... E o Senhor diz à gente boa, a cada um de vós: “Todos, todos” — “Mas, Senhor, aquele...” — “Todos, todos”. Aliás, o Senhor diz: “bons e maus”, todos!
Também eu renovo esta exortação e vos encorajo a continuar a vossa missão, fortes na fé, abertos a todos na fraternidade e próximos de cada um na compaixão. Fé, fraternidade e compaixão. São três palavras que vos deixo e nas quais pensareis mais tarde. Fé, fraternidade e compaixão. Abençoo-vos e agradeço o bem imenso que fazeis quotidianamente em todas estas lindas ilhas! Rezo por vós. Rezo mas, por favor, peço-vos que rezeis por mim. E, atenção! Rezai a favor, não contra! Obrigado.
1 W. Szymborska , “Nulla due volte accade”, in La gioia di scrivere. Tutte le poesie (1945-2009), Milão, 2009, 45.