Prefácio do Papa a um volume sobre o tema desenvolvido durante as recentes sessões do c9

O diálogo aberto sobre mulheres e ministérios na Igreja sinodal

 O diálogo aberto sobre mulheres  e ministérios na Igreja sinodal  POR-029
18 julho 2024

«Mulheres e ministérios na Igreja sinodal» é o livro com cinco assinaturas que, segundo o subtítulo, se propõe como «um diálogo aberto» entre os próprios autores, três teólogas e dois cardeais: irmã Linda Pocher, das Filhas de Maria Auxiliadora, professora de Cristologia e Mariologia na Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação Auxilium de Roma, que assina também a introdução; Jo B. Wells, bispa da Igreja da Inglaterra e subsecretária-geral da Comunhão Anglicana; e Giuliva Di Berardino, consagrada da Ordo Virginum da diocese de Verona (Itália), liturgista, professora e diretora de cursos de espiritualidade e exercícios espirituais; e os cardeais Jean-Claude Hollerich, jesuíta, arcebispo de Luxemburgo e relator-geral da 16ª Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos; e Seán Patrick O’Malley, capuchinho, arcebispo de Boston, nos Estados Unidos da América, e presidente da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores. Os textos reunidos são o resultado da reunião de 5 de fevereiro entre o Papa Francisco, o Conselho de cardeais ( c9 ) e as três teólogas. Publicado pelas Edições Paulinas (Milão 2024, 104 páginas), o livro dá continuidade ao volume anterior, titulado “Desmascarando a Igreja” e começa com o prefácio assinado pelo Pontífice, que publicamos a seguir.

A realidade é mais importante do que a ideia: este é um dos princípios que guiaram a minha reflexão e discernimento ao longo dos anos e que eu quis entregar à reflexão e ao discernimento das comunidades eclesiais no início do meu pontificado (cf. Evangelii Gaudium, 231-232). É gratificante para mim ver como o programa proposto pela irmã Linda Pocher para a formação do Conselho de cardeais sobre o tema das mulheres na Igreja é guiado por este mesmo princípio, inclusive em relação a um tema tão importante quanto delicado como o dos ministérios na comunidade eclesial.

O pensamento cristão, nas suas dimensões teológica, jurídica, magisterial e cultural, no seu legítimo esforço para transcender a contingência do presente, nunca se pode afastar completamente do contexto em que é formulado. Ao longo da era moderna, particularmente marcada pelo fascínio por ideias “claras e distintas”, às vezes até a Igreja caiu na armadilha de considerar a fidelidade às ideias mais importante do que a atenção à realidade. No entanto, a realidade é sempre maior do que a ideia, e quando a nossa teologia cai na cilada das ideias claras e distintas, transforma-se inevitavelmente num leito de Procusto, sacrificando a realidade, ou parte dela, no altar da ideia.

Um certo sofrimento nas comunidades eclesiais em relação à maneira como o ministério é entendido e vivido não constitui uma realidade nova. O drama do abuso forçou-nos a abrir os olhos para o flagelo do clericalismo, que não atinge apenas os ministros ordenados, mas uma forma distorcida de exercer o poder na Igreja, em que todos podem cair: até os leigos e as mulheres.

Ouvir os sofrimentos e as alegrias das mulheres é certamente uma maneira de nos abrirmos à realidade. Ouvindo-os sem julgamentos nem preconceitos, percebemos que, em muitos lugares e em tantas situações, sofrem justamente pela falta de reconhecimento do que são e do que fazem, e também do que poderiam fazer e ser se tivessem o espaço e a oportunidade. Muitas vezes, as mulheres que mais sofrem são as mais próximas, as mais disponíveis, preparadas e prontas para servir a Deus e ao seu Reino.

Este pequeno volume, que reúne as provocações que três mulheres ofereceram ao Conselho de cardeais sobre o tema do ministério e dos ministérios na Igreja, tem o mérito de não começar a partir da ideia, mas da escuta da realidade, da interpretação sapiencial da experiência das mulheres na Igreja. E o processo sinodal, como processo de discernimento, parte da realidade e da experiência, em diálogo aberto e fidelidade criativa à grande tradição que nos precedeu e acompanha.

Quero confiar o discernimento em curso sobre o tema do ministério e dos ministérios na Igreja sinodal à intercessão dos santos e santas que viram, ouviram e tocaram o modo de servir de Jesus e com ele formaram o corpo eclesial na sua configuração original: Maria, Pedro, João, Madalena, para citar apenas alguns, com os seus companheiros e companheiras cujas histórias e nomes conhecemos, e tantos outros discípulos e discípulas anónimos, missionários e missionárias do Evangelho, para que nos ajudem a ser intérpretes fiéis e criativos das intenções do Senhor.

Cidade do Vaticano, 24 de março de 2024.