Rumo ao Jubileu
Homilia do Pontífice na celebração das segundas vésperas da solenidade da Ascensão

Cantores de esperança numa civilização marcada
por demasiados desesperos

 Cantores de esperança numa civilização marcada por demasiados desesperos  POR-020
16 maio 2024

«Tornar-se cantores de esperança numa civilização marcada por demasiados desesperos»: eis o objetivo indicado pelo Papa Francisco a quantos se preparam para viver o Jubileu de 2025, convocado com a bula “Spes non confundit”, entregue e lida durante a celebração realizada no átrio da basílica do Vaticano na tarde de quinta-feira, 9 de maio, diante da Porta santa. Publicamos a seguir o texto da homilia pronunciada pelo Pontífice durante as segundas vésperas da solenidade da Ascensão do Senhor, presididas no interior da basílica.

Por entre cânticos de júbilo, subiu Jesus ao Céu onde está sentado à direita do Pai. Como acabamos de ouvir, Ele suportou a morte para que nos tornássemos herdeiros da vida eterna (cf. 1 Pd 3, 22). Por isso a Ascensão do Senhor não é afastar-se, separar-se, distanciar-se de nós, mas o cumprimento da sua missão: Jesus desceu até nós para nos fazer subir ao Pai; desceu até ao fundo para nos levar ao alto; desceu às profundezas da terra, para que o Céu pudesse abrir-se de par em par sobre nós. Destruiu a nossa morte para podermos receber a vida, e recebê-la para sempre.

Está aqui o fundamento da nossa esperança: subindo ao Céu, Cristo coloca no coração de Deus a nossa humanidade carregada de anseios e interrogativos, dando-nos «a esperança de irmos um dia ao seu encontro, como membros do seu Corpo, para nos unir à sua glória imortal» (Prefácio da Ascensão).

Irmãos e irmãs, é esta esperança radicada em Cristo morto e ressuscitado que queremos celebrar, acolher e anunciar ao mundo inteiro no próximo Jubileu, que já está à porta. Não se trata de mero otimismo — digamos otimismo humano — nem de uma expetativa efémera ligada a qualquer segurança terrena. Não! É uma realidade já atuada em Jesus e que diariamente nos é dada também a nós até chegarmos a ser um só no abraço do seu amor. A esperança cristã — escreve São Pedro — é «uma herança incorruptível, imaculada e indefetível» (1 Pd 1, 4). A esperança cristã sustenta o caminho da nossa vida, mesmo quando este se apresenta tortuoso e cansativo; abre diante de nós sendas de futuro, quando a resignação e o pessimismo quereriam manter-nos prisioneiros; faz-nos ver o bem possível, quando parece prevalecer o mal; a esperança cristã infunde-nos serenidade, quando o coração está oprimido pelo fracasso e o pecado; faz-nos sonhar com uma humanidade nova e torna-nos corajosos na construção de um mundo fraterno e pacífico, quando parece inútil empenhar-nos. Esta é a esperança, o dom que o Senhor nos deu com o Batismo.

Meus amigos, enquanto nos preparamos para o Jubileu com o Ano da Oração, elevemos o coração para Cristo, a fim de nos tornarmos cantores de esperança numa civilização marcada por demasiadas situações desesperadas. Com os gestos, as palavras, as opções de cada dia, a paciência de semear um pouco de encanto e gentileza onde quer que estejamos, queremos cantar a esperança, para que a sua melodia faça vibrar as cordas da humanidade e desperte nos corações a alegria, desperte a coragem de abraçar a vida.

É de esperança que precisamos... Todos precisamos dela! E a esperança não engana... Não o esqueçamos! Dela necessita a sociedade em que vivemos, muitas vezes imersa apenas no presente e incapaz de olhar para o futuro; dela necessita a nossa época, que por vezes se arrasta cansadamente no cinzento do individualismo e do “ir sobrevivendo”; dela necessita a criação, gravemente ferida e desfigurada pelos egoísmos humanos; dela necessitam os povos e as nações, que olham cheios de inquietação e medo para o amanhã, enquanto as injustiças persistem com arrogância, os pobres são descartados, as guerras semeiam morte, os últimos continuam no fundo da lista e o sonho de um mundo fraterno corre o risco de parecer uma miragem. Dela necessitam os jovens, muitas vezes desorientados, mas desejosos de viver em plenitude; dela necessitam os idosos, que a cultura da eficiência e do descarte já não sabe respeitar nem ouvir; dela necessitam os doentes e todos aqueles que estão feridos no corpo e no espírito, que podem receber alívio através da nossa solidariedade e cuidado.

Além disso, amados irmãos e irmãs, de esperança precisa a Igreja, para que, mesmo quando experimenta o peso do cansaço e da fragilidade, nunca se esqueça de que é a Esposa de Cristo, amada com amor eterno e fiel, chamada a conservar a luz do Evangelho, enviada para transmitir a todos o fogo que Jesus trouxe e acendeu, de uma vez para sempre, no mundo.

De esperança, precisa cada um de nós: as nossas vidas às vezes cansadas e feridas, os nossos corações sedentos de verdade, bondade e beleza, os nossos sonhos que nenhuma escuridão pode extinguir. Tudo, dentro e fora de nós, invoca esperança e vai procurando, mesmo sem o saber, a proximidade a Deus. Parece-nos — dizia Romano Guardini — que o nosso seja o tempo do afastamento de Deus, em que o mundo se atulha de coisas, e a Palavra do Senhor declina; «mas se chegar a hora — e chegará, depois de vencidas as trevas — em que o homem perguntará a Deus: “Senhor, onde estavas então?”, de novo ouvirá responder: “Mais perto de ti do que nunca!”. Talvez Deus esteja mais próximo do nosso tempo glacial que do Barroco com o esplendor das suas igrejas, da Idade Média com a riqueza dos seus símbolos, do cristianismo dos primórdios com a sua coragem juvenil diante da morte. (...) Mas espera (...) que lhe permaneçamos fiéis. Disto poderia surgir uma fé não menos válida, talvez mais pura, em todo o caso mais intensa do que nunca foi nos tempos de grande riqueza interior» ( R. Guardini , Aceitar-se, Brescia 1992, 72).

Irmãos e irmãs, que o Senhor ressuscitado e elevado ao Céu nos dê a graça de redescobrir a esperança — redescobrir a esperança! — de anunciar a esperança, de construir a esperança.