A dignidade humana é «um pilar fundamental do ensinamento cristão» e, por isso, Dignitas infinita «é uma declaração que implica um texto de alto valor doutrinal», disse o cardeal prefeito Víctor Manuel Fernández, realçando o sentido e a importância do documento do Dicastério para a doutrina da fé, apresentado aos jornalistas na manhã de 8 de abril na Sala de Imprensa da Santa Sé.
A declaração «sobre a dignidade humana», disse o purpurado, reúne e consolida o que os últimos Pontífices «disseram a respeito deste grande tema», resumindo «a novidade oferecida pelo Papa Francisco sobre uma questão estruturante do pensamento cristão clássico e contemporâneo». Segundo o cardeal, hoje «o mundo deve redescobrir as implicações da imensa dignidade de cada pessoa e precisa dela para não perder o caminho».
Trata-se, frisou o prefeito, de «um tema central no pensamento cristão», que teve «um magnífico desenvolvimento nos últimos dois séculos, com a doutrina social da Igreja; e é um tema que permite um diálogo fecundo com a sociedade, 75 anos depois da Declaração universal dos direitos do homem». Relativamente a este último texto, João Paulo ii definiu-o «um marco no caminho da humanidade, uma das mais altas expressões da consciência humana». Isto não significa que se trata de «uma nova doutrina», realçou Fernández, recordando que na Bíblia estes princípios são afirmados «não com linguagem filosófica, mas narrativa». Em todo o caso, observou, «o que tem a ver com a dignidade humana não é algo que a Igreja reconheceu sempre com a mesma clareza, mas que cresceu na sua compreensão». A verdade não muda, «não cresce, mas a nossa compreensão, até a compreensão da Igreja, desenvolve-se, cresce, aprofunda-se».
O cardeal referiu-se ao Papa Nicolau v que, em 1452, com a bula Dum diversas, concedeu ao rei de Portugal submeter os sarracenos e os pagãos à escravatura. No entanto, apenas 80 anos mais tarde, em 1537, Paulo iii condenou com excomunhão quantos sujeitavam outros à escravatura, pois a sua dignidade de seres humanos devia ser preservada. Assim, «numa questão tão importante, um Papa disse praticamente o contrário do Papa precedente». Este é um exemplo que mostra como a compreensão da verdade por parte da Igreja «evolui e nem sempre cresce na mesma direção dos documentos anteriores»: há «critérios de fundo que se mantêm, mas no ponto concreto, a escravatura, dois Papas disseram coisas contrárias». Por isso, ainda hoje não se pode raciocinar «como se o Magistério tivesse sido definitivamente encerrado com os Papas anteriores».
Este mesmo documento esclarece a «distinção entre a dignidade ontológica que existe em todas as circunstâncias e nunca se perde» e o que seria «uma dignidade moral, social ou existencial que pode crescer ou diminuir com as circunstâncias da vida». Neste sentido, Fernández argumentou: «Posso levar uma vida indigna ou mais ou menos digna, mas nunca perco a dignidade humana inalienável que possuo porque sou um ser humano. Outros podem submeter-me a uma vida indigna, mas nunca me podem tirar a imensa dignidade que possuo como ser humano».
A este propósito, o purpurado reiterou a necessidade de procurar a paz em todos os sentidos, especialmente neste momento da história, em que parece que a humanidade, apesar de ter progredido em tantos âmbitos, continua a ser «incapaz de evitar o horror da guerra». Pois, perante a verdade da dignidade humana, «caem todas as máscaras do presumível desenvolvimento das nossas iluminadas sociedades».
A última parte do documento, explicou o cardeal, aborda brevemente uma série de temas que permitem contemplar a questão da dignidade na sua totalidade. É feita referência ao aborto, mas primeiro o documento «fala da violência contra as mulheres». Todos os temas são importantes para compreender «a questão de modo harmonioso». E em relação às «ideologias de género», Fernández afirmou que «em vez de ajudar a reconhecer a dignidade, elas empobrecem uma visão humanista em que o homem e a mulher fazem o mais bonito encontro na maior diferença que a humanidade contém». O cardeal frisou ainda que «é contrário à dignidade humana que uma pessoa seja perseguida, torturada e até morta» por causa da sua orientação sexual, como acontece em vários países do mundo. Neste sentido, o documento não deixa de «defender uma noção sobre o casamento, sobre a sexualidade», mas afirma «sobretudo a dignidade de cada ser humano, para além de todas as circunstâncias».
Salientando o alcance doutrinal da Dignitas infinita, o prefeito do Dicastério para a doutrina da fé falou também da Fiducia supplicans, a declaração «sobre o sentido pastoral das bênçãos», publicada em dezembro passado. Com aquele documento, afirmou Fernández, o Papa Francisco «quis ampliar a compreensão das bênçãos para desenvolver a sua riqueza pastoral». Isto ajuda a entender que «há bênçãos que não confirmam, não sancionam, não consagram, não justificam nada, são apenas uma prece do ministro para manifestar a ajuda de Deus, para continuar a viver». Como o próprio Pontífice explicou, observou o cardeal, «estas bênçãos pastorais, fora de qualquer contexto e natureza litúrgica, não exigem a perfeição moral para serem recebidas». Por isso, embora «a aplicação prática às uniões irregulares possa ser diferente em vários contextos, de acordo com o discernimento de cada bispo», o que «somos chamados a defender, no entanto, é que estas bênçãos não têm os mesmos requisitos das bênçãos concedidas em âmbito litúrgico».
Em seguida, Paola Scarcella, docente nas Universidades romanas Tor Vergata e Lumsa, expôs a sua experiência na Comunidade de Santo Egídio como responsável pela catequese a pessoas deficientes, para explicar a riqueza do documento, realçando as numerosas perspetivas que oferece, sobretudo no respeitante à proximidade e à amizade das pessoas com deficiência. Existe, disse, uma «dignidade ontológica que pertence a cada pessoa enquanto tal». E, por isso, até uma pessoa com deficiência muito grave «tem uma dignidade que nunca pode ser cancelada». Perante a cultura do descarte, «a presença das pessoas com deficiência é uma provocação para tornar a nossa sociedade acolhedora». No documento, o Papa Francisco insistiu sobre esta «dignidade inviolável», que existe «para além de todas as circunstâncias», concluiu. Na apresentação participou também monsenhor Armando Matteo, secretário do Setor doutrinal do Dicastério para a doutrina da fé.