O «diálogo entre os saberes indígenas e a ciência» deve ser utilizado «para aprender a superar os conflitos de forma não violenta... evitando alimentar ódios, rancores, divisões, violências e guerras», recordou o Papa Francisco aos participantes no encontro promovido pelas Pontifícias Academias das Ciências e das Ciências Sociais sobre “Indigenous Peoples’ Knowledge and the Sciences. Combining knowledge and science on vulnerabilities and solutions for resilience” [Os saberes dos povos indígenas e as ciências. Combinando conhecimento e ciência sobre vulnerabilidades e soluções para a resiliência], realizado no Vaticano, na Casina Pio iv , sede das duas Academias, a 14 e 15 de março. O Papa recebeu-os em audiência no segundo dia de trabalhos, na Sala Clementina, confiando a um dos seus colaboradores a leitura do seguinte discurso preparado.
Caras amigas e amigos!
Dou-vos as boas-vindas ao colóquio sobre Os Saberes dos povos indígenas e as ciências. O seu objetivo é reunir estas duas formas de conhecimento para uma abordagem mais inclusiva, mais rica e mais humana de algumas questões urgentes, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, as ameaças à segurança alimentar e à saúde, entre outras.
Agradeço ao Chanceler, Cardeal Turkson, e aos Presidentes das Pontifícias Academias das Ciências e das Ciências Sociais por terem promovido esta iniciativa: é um contributo qualificado para reconhecer o grande valor da sabedoria dos povos nativos e para promover um desenvolvimento humano integral e sustentável.
Recordo que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura — fao — também organizou, há três anos, jornadas de estudo sobre os sistemas alimentares indígenas. Disso resultou uma Plataforma que reuniu cientistas indígenas e não indígenas, estudiosos e peritos, para estabelecer um diálogo com o objetivo de garantir a preservação dos sistemas alimentares das populações originárias. Também na continuidade dessa experiência, saúdo a vossa iniciativa de prosseguir essa investigação.
Antes de mais, gostaria de dizer que esta é uma oportunidade para crescer na escuta mútua: ouvir os povos indígenas, aprender com a sua sabedoria e modo de vida e, ao mesmo tempo, ouvir os cientistas, aprender com os seus estudos.
Além disso, este seminário de estudos transmite uma mensagem aos governos e às organizações internacionais para que reconheçam e respeitem a riqueza da diversidade no seio da grande família humana. No tecido da humanidade, existem diferentes culturas, tradições, espiritualidades e línguas que precisam de ser protegidas, pois a sua perda constituiria um empobrecimento do conhecimento, da identidade e da memória de todos nós. Por isso é necessário que os projetos de investigação científica, e, portanto, os investimentos, sejam cada vez mais orientados para a promoção da fraternidade humana, da justiça e da paz, de modo a que os recursos possam ser atribuídos de forma coordenada para responder aos desafios urgentes que concernem a casa comum e a família dos povos.
Estamos conscientes de que, para alcançar este objetivo, é necessária uma conversão, uma visão alternativa àquela que hoje impele o mundo para o caminho do conflito crescente. Encontros como o vosso vão nesse sentido: com efeito, o diálogo aberto entre o conhecimento nativo e a ciência, entre as comunidades de sabedoria nativa e as comunidades científicas, pode ajudar a abordar questões cruciais como a água, as alterações climáticas, a fome e a biodiversidade de uma forma nova, mais integral e também mais eficaz. Questões que, como bem sabemos, estão todas interligadas.
Graças a Deus, não faltam sinais positivos nesse sentido, como a inclusão, pelas Nações Unidas, dos conhecimentos indígenas como componente central da Década internacional das ciências para o desenvolvimento sustentável. Um sinal a ser promovido e apoiado, unindo as forças. Por isso, no diálogo entre os conhecimentos indígenas e a ciência, devemos ser claros e ter sempre presente que esta riqueza de conhecimentos deve ser utilizada para aprender a superar os conflitos de forma não violenta e para combater a pobreza e as novas formas de escravatura. Deus, Criador e Pai de todos os seres humanos e de tudo o que existe, chama-nos hoje a viver e a testemunhar a nossa vocação à fraternidade universal, à liberdade, à justiça, ao diálogo, ao encontro recíproco, ao amor e à paz, e a evitar alimentar o ódio, os rancores, as divisões, a violência e as guerras.
Deus fez de nós guardiões, não senhores do planeta: todos somos chamados a uma conversão ecológica (cf. Enc. Laudato si’, 216-221), empenhados em salvar a nossa casa comum e em viver uma solidariedade intergeracional para salvaguardar a vida das gerações futuras, em vez de dissipar os recursos e aumentar a desigualdade, a exploração e a destruição.
Queridos representantes das comunidades indígenas e queridos cientistas, agradeço-vos o vosso compromisso e encorajo-vos a obter da herança de sabedoria dos vossos antepassados e dos frutos da investigação nos vossos laboratórios a força vital para continuar a trabalhar juntos pela verdade, a liberdade, o diálogo, a justiça e a paz. A Igreja está convosco, aliada dos povos indígenas e dos seus conhecimentos, e aliada da ciência para fazer crescer no mundo a fraternidade e a amizade social.
Acompanho-vos com a minha oração e, no respeito das convicções de cada um, invoco sobre vós a bênção de Deus. E vós também, à vossa maneira, rezai por mim.
Obrigado!