Dom, cuidado e comunidade

 Dom, cuidado e comunidade   POR-012
21 março 2024

«Vidas que ajudam a vida», eis a faixa azul com a qual se deparou Francisco ao entrar na Sala Paulo vi na manhã de 16 de março, para a audiência à comunidade do hospital pediátrico Bambino Gesù. O slogan acompanha as várias iniciativas que distinguem 2024 como o «ano do dom» para celebrar o centenário da doação da família Salviati à Santa Sé daquele que desde então é conhecido como o “hospital do Papa”. Sob a direção do presidente Tiziano Onesti e da herdeira da família fundadora, Maria Grazia Salviati, estiveram presentes mais de três mil médicos, enfermeiros, investigadores, pessoal técnico e administrativo, voluntários e, sobretudo, cerca de duzentas crianças assistidas com as suas famílias. Estavam presentes também hóspedes de países pobres ou devastados pela guerra, que encontraram a possibilidade de assistência e cuidados. Algumas crianças ofereceram ao Pontífice folhas com pensamentos dedicados a ele e desenhos de crianças hospitalizadas nos seis centros do “Bambino Gesù”. A seguir, o texto do discurso preparado por Francisco e lido por um dos seus colaboradores.

Caríssimos irmãos e irmãs
bom dia e sede todos bem-vindos!

Estou muito feliz por me encontrar convosco enquanto recordais o primeiro centenário da fundação do Hospital Pediátrico “Bambino Gesù”. Há um século, foi doado à Santa Sé pela família Salviati: o primeiro verdadeiro hospital dedicado às crianças. A oferta foi aceite por Pio xi , que viu na obra a expressão da caridade do Papa e da Igreja para com as crianças doentes, e desde então é conhecido como “Hospital do Papa”.

Paremos, pois, por um instante para refletir, com gratidão, sobre a riqueza desta instituição, que se desenvolveu ao longo de um século de história, realçando três aspetos: dom, cuidado e comunidade.

Primeiro aspeto: dom. Atualmente, o “Bambino Gesù” é um dos maiores centros de investigação e de cuidados pediátricos da Europa, ponto de referência para famílias do mundo inteiro. No entanto, o elemento do dom continua a ser fundamental na sua história e vocação, com os valores da gratuidade, generosidade, disponibilidade e humildade. É bom recordar, a tal respeito, o gesto dos filhos da duquesa Arabella Salviati que, no início da vossa história, deram à mãe o seu mealheiro para construir um hospital destinado às crianças: diz-nos que esta grande obra também se baseia em dons humildes, como o daquelas crianças, em benefício dos seus coetâneos doentes. E, na mesma ótica, é bom mencionar hoje a generosidade dos numerosos benfeitores, graças aos quais foi possível construir um Centro de cuidados paliativos em Passoscuro para doentes muito jovens que sofrem de enfermidades incuráveis.

Só nesta luz é possível compreender plenamente o valor do que fazeis, desde as coisas mais simples até às maiores, e continuar a sonhar com o futuro. Pensemos, por exemplo, na perspetiva de uma nova sede em Roma, cujas premissas foram recentemente lançadas, com um acordo entre a Santa Sé e o Estado italiano. E ainda o considerável esforço financeiro, ordinário e extraordinário, ligado à tutela e manutenção de estruturas e equipamentos; à garantia da qualidade profissional de médicos e agentes; à investigação científica; ao acolhimento de crianças carentes provenientes de todo o mundo, oferecido sem distinções de condição social, nacionalidade ou religião. Em tudo isto, o dom é um elemento indispensável do vosso ser e agir.

Segundo aspeto: cuidado. A ciência e, consequentemente, a capacidade de curar, pode dizer-se que é a primeira das tarefas que distinguem atualmente o Hospital “Bambino Gesù”. É a resposta concreta que dais aos veementes pedidos de ajuda das famílias que precisam de assistência para os seus filhos e, sempre que possível, da cura. Portanto, a excelência na investigação biomédica é importante. Encorajo-vos a cultivá-la com a vontade de oferecer o melhor de vós mesmos, com uma atenção especial aos mais frágeis, como os enfermos com doenças graves, raras ou ultrarraras. Não só, mas para que a ciência e os conhecimentos especializados não continuem a ser privilégio de poucos, exorto-vos a continuar a pôr os frutos da vossa investigação à disposição de todos, especialmente onde são mais necessários, como fazeis por exemplo contribuindo para a formação de médicos e enfermeiros africanos, asiáticos e do médio-orientais.

A propósito de cuidados, sabemos que a doença de uma criança envolve todos os seus familiares. Por isso, é uma grande consolação saber que há tantas famílias assistidas pelos vossos serviços, acolhidas em instalações ligadas ao hospital e acompanhadas pela vossa gentileza e proximidade. Trata-se de um elemento qualificador, que nunca deve ser descuidado, embora eu saiba que, às vezes, trabalhais em condições difíceis. Eventualmente, sacrifiquemos outra coisa, mas não a gentileza e a ternura. Não há cuidados sem relação, proximidade e ternura, a todos os níveis!

E, concluindo, chegamos ao terceiro ponto: comunidade. Uma das expressões mais belas que descreve a missão do “Bambino Gesù” é “Vidas que ajudam a vida”. É bela, porque fala de uma missão realizada em conjunto, com uma ação comum em que o dom de cada um encontra o seu lugar. Esta é a vossa verdadeira força e a condição para enfrentar até os desafios mais difíceis. Pois o vosso não é um trabalho como tantos outros: é uma missão, que cada um exerce de modo diferente. Para alguns, implica a dedicação de uma vida inteira; para outros, a doação do tempo ao trabalho voluntário; para outros ainda, a doação do sangue, do leite — para as crianças hospitalizadas, cujas mães não o podem oferecer — e até a doação de órgãos, células e tecidos, oferecidos por pessoas vivas ou tirados dos corpos de pessoas falecidas. O amor leva certos pais ao gesto heroico de aceitar a doação de órgãos dos filhos que não sobreviveram. Em tudo isto, o que emerge é um “agir juntos”, onde os diferentes dons contribuem para o bem dos pequenos doentes.

Amados irmãos e irmãs, confesso-vos que quando vou ao “Bambino Gesù” experimento dois sentimentos contraditórios: sinto dor pelo sofrimento das crianças doentes e dos seus pais; mas, ao mesmo tempo, sinto uma grande esperança, vendo tudo o que ali se faz para as curar. Obrigado! Obrigado por tudo isto! Continuai com esta obra abençoada. Abençoo-vos de coração e rezo por vós. E também vós, por favor, rezai por mim. Obrigado!

No final da leitura do discurso, o Pontífice improvisou as seguintes expressões.

Agora vou conceder a bênção a todos: aos doentes, aos médicos, aos enfermeiros e a todas as pessoas que trabalham neste e para este Hospital. Peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a ir em frente. Ave Maria... [Bênção].