O Pontífice à Plenária da Pontifícia Comissão para a tutela dos menores

Acolher e ouvir as vítimas de abusos

 Acolher e ouvir as vítimas de abusos  POR-011
14 março 2024

«Não deve acontecer» que as vítimas de abusos não sejam acolhidas e escutadas, «porque isto pode agravar muito o seu sofrimento». Esta é uma das passagens mais significativas do discurso de Francisco aos participantes na assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a tutela dos menores, recebidos em audiência na manhã de 7 de março, na Sala dos Papas. Publicamos o texto preparado pelo Pontífice e lido por um dos seus colaboradores.

Queridos irmãos e irmãs!

É com alegria que vos dou as boas-vindas por ocasião da vossa Assembleia Plenária. Agradeço-vos de coração pelo vosso trabalho, que é muito importante, e também pelo vosso testemunho pessoal e coletivo.

Com efeito, muitos de vós dedicaram a sua vida a cuidar das vítimas de abusos: é uma vocação corajosa, que vem do coração da Igreja e a ajuda a purificar-se e a crescer. Nos últimos dez anos, a vossa tarefa de oferecer «conselho e assistência e também de propor iniciativas mais adequadas para a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis» (Praedicate Evangelium, art. 78) expandiu-se consideravelmente. Tornou-se mais definida, uma vez que vos pedi para vos concentrardes em ajudar a tornar a Igreja um lugar cada vez mais seguro para os menores e os adultos mais vulneráveis. Sinto-me feliz por ver que hoje estais aqui em tão grande número, bem como por ouvir as atualizações das vossas atividades. Exorto-vos a continuar neste serviço, com espírito de equipa: construindo pontes e colaborações que possam tornar mais eficaz o vosso cuidado pelos outros.

Dedicastes tempo e esforço à elaboração do Relatório anual sobre as Políticas e Procedimentos de tutela na Igreja, que vos pedi que preparásseis. Não deve ser apenas mais um documento, mas ajudar-nos a compreender melhor o trabalho que ainda temos pela frente.

Perante o escândalo dos abusos e o sofrimento das vítimas, poderíamos desanimar, pois o desafio de reconstruir o tecido de vidas destroçadas e curar a dor é grande e complexo. Mas o nosso empenho não pode falhar; na verdade, encorajo-vos a ir em frente, para que a Igreja seja sempre e em toda a parte um lugar onde todos se sintam em casa e onde cada pessoa seja considerada sagrada.

Para viver bem este serviço, temos de fazer nossos os sentimentos de Cristo: a sua compaixão, o seu modo de tocar as feridas da humanidade, o seu Coração trespassado de amor por nós. Jesus é Aquele que se fez próximo; na sua carne, Deus Pai aproximou-se de nós para além de todos os limites e, assim, mostra-nos que não está distante das nossas necessidades e preocupações. Em Jesus, Ele carrega sobre si os nossos sofrimentos e as nossas feridas, como diz o quarto poema do Servo sofredor no Livro do Profeta Isaías (cf. 53, 4). E também nós aprendamos isto: não podemos ajudar o outro a carregar os seus fardos sem os colocarmos sobre os nossos ombros, sem praticarmos a proximidade e a compaixão.

No nosso ministério eclesial de tutela, a proximidade às vítimas de abusos não é um conceito abstrato: é uma realidade muito concreta, feita de escuta, de intervenção, de prevenção, de ajuda. Todos nós somos chamados — especialmente as autoridades eclesiásticas — a conhecer diretamente o impacto do abuso e a deixar-nos comover pelo sofrimento das vítimas, ouvindo diretamente a sua voz e praticando aquela proximidade que, através de escolhas concretas, as levante, ajude e prepare um futuro diferente para todos.

A resposta àqueles que sofreram abusos vem deste olhar do coração, desta proximidade. Não pode acontecer que estes irmãos e irmãs não sejam acolhidos e escutados, porque isso pode agravar muito o seu sofrimento. É preciso cuidar deles com um empenho pessoal, assim como é necessário que isso seja feito com a ajuda de colaboradores competentes.

Agradeço-vos por tudo o que fazeis para acompanhar as vítimas e os sobreviventes. Grande parte deste serviço é feito de forma confidencial, como deve ser, por respeito às pessoas. Mas, ao mesmo tempo, os seus frutos devem tornar-se visíveis: as pessoas devem conhecer e ver o trabalho que fazeis acompanhando o ministério de tutela das Igrejas locais. A vossa proximidade às autoridades das Igrejas locais irá fortalecê-las na partilha de boas práticas e na verificação da adequação das medidas que foram postas em prática. Já vos pedi que assegureis a conformidade com Vos estis lux mundi, para que existam meios fiáveis para acolher e cuidar das vítimas e dos sobreviventes, bem como para garantir que a experiência e o testemunho destas comunidades apoiem o trabalho de proteção e prevenção.

Sei que o vosso serviço às Igrejas locais já dá frutos abundantes, e sinto-me encorajado por ver ganhar forma a iniciativa Memorare, em colaboração com Igrejas de tantos países do mundo. Este é um modo muito concreto de a Comissão mostrar a sua proximidade às autoridades destas Igrejas, reforçando simultaneamente os esforços de tutela existentes. Com o tempo, isto criará uma rede de solidariedade com as vítimas e com aqueles que promovem os seus direitos, especialmente onde os recursos e a experiência são escassos.

Caros irmãos e irmãs, obrigado pelo vosso serviço sensível e importante. As vossas observações manter-nos-ão na direção certa, para que a Igreja continue a empenhar-se com toda a sua força na prevenção dos abusos, na sua firme condenação, no cuidado compassivo das vítimas e no compromisso contínuo de ser um lugar hospitaleiro e seguro. Obrigado pela vossa perseverança e pelo testemunho de esperança que ofereceis. Abençoo-vos de coração, rezo por vós e peço-vos que rezeis por mim.