Para a França, o verdadeiro desafio é reduzir o número de abortos

Uma triste primazia

A general view shows MPs and Senators during the convocation of a congress of both houses of ...
07 março 2024

Oque se passa em França? Um grande silêncio entre aqueles que, como Simone Veil, pensam que o aborto é sempre um “drama”, e que são surdos ao sofrimento que ele gera. Silêncio atónito, estupefacto, perante o clamor que proclama em voz alta a necessidade imperiosa de inscrever na Constituição a liberdade das mulheres de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez (Ivg). Profunda perplexidade dos humildes que amam a vida e que, sem terem sido consultados, sentem que há algo de anormal nesta inscrição. Tristeza face ao que parece ser uma cegueira coletiva, como se tomar tempo para refletir e avaliar os desafios fosse uma perda de tempo. Embaraço perante aqueles que se vangloriam de sermos a primeira nação a inscrever esta liberdade na Constituição.

Mas quem é contra a liberdade das mulheres? Que sejamos todos verdadeiramente livres! Quanto ao aborto, as sondagens confirmam-no: a pobreza material e a solidão afetiva são fatores que favorecem o recurso à Ivg. Assim, não há liberdade, porque apenas uma solução é imposta. E o que é a liberdade quando as pressões — por vezes de um homem — pesam sobre uma mulher vulnerável e angustiada perante a escolha entre manter o seu bebé ou “evacuá-lo”?

Longe de se gabar orgulhosamente de ser a primeira nação, a França deveria refletir humildemente sobre o seu fracasso: lidera a Europa no número de abortos: 234.300 em 2022. Este número aumentou 13,7% desde 2001, enquanto diminuiu para metade em Itália, com 63.653 casos, e para mais de um terço na Alemanha, com 94.596. Se por cada 1.000 nascimentos há 119 abortos na Alemanha e 159 em Itália, restam 300 em França!

Os senadores e deputados optaram por aprovar que «a lei determina as condições em que é exercida a liberdade garantida à mulher de recorrer a uma Ivg». Será que a lei vai estabelecer condições que, garantindo a liberdade da mulher, permitam reduzir o número de Ivg em França? É esta a verdadeira questão que está em jogo, infinitamente mais urgente do que a votação do Congresso em Versalhes.

Terão os parlamentares a vontade de agir neste sentido? Várias medidas merecem ser consideradas para evitar pressões sobre a mulher grávida, para fornecer informações objetivas e completas às mulheres que desejam abortar, para desenvolver uma verdadeira educação dos jovens sobre a relação sexual e afetiva que os leve a considerar a beleza do amor entre um homem e uma mulher, para apresentar a verdade sobre a Ivg e as alternativas possíveis, para informar sobre o maravilhoso processo de fecundação humana e o desenvolvimento do feto humano, para proibir o incitamento ao aborto e, finalmente, para lutar contra a pobreza e a solidão emocional que levam as pessoas a abortar.

Os franceses esperam que os parlamentares se empenhem neste sentido. De acordo com uma sondagem do Ifop de 2020, 88% são favoráveis a que «os poderes públicos lancem uma verdadeira prevenção do aborto e efetuem um estudo para analisar as suas causas, condições e consequências». Setenta e três por cento «pensam que a sociedade deveria ajudar mais as mulheres a evitar o recurso à Ivg», uma vez que 92% consideram que um aborto «deixa marcas psicológicas difíceis de suportar pelas mulheres».

Portanto, temos um trabalho sério pela frente. Para o bem das mulheres! Será que esta inscrição na Constituição, destinada à causa das mulheres, não se vai virar contra elas? Uma vez que o recurso à Ivg é uma liberdade constitucional, dir-lhes-ão que é normal abortar? Ouvirão conselhos, informações, que lhes permitirão escolher com verdadeira liberdade? Esta normalidade do aborto é tal que uma estação de rádio ouviu as parteiras chamarem-lhe “cura”.

Seja como for, a Igreja permanece atenta às pessoas. Acompanha-as sem as julgar. Sabe que a verdadeira liberdade só se exerce com base numa informação clara, objetiva e completa. Para acompanhar, a Igreja serve-se desta informação, o que não é de modo algum um incitamento, mas um sinal de respeito pela mulher que tem o direito de saber.

É urgente que a Igreja amplie a sua ação social junto das mulheres em dificuldade. Que os católicos sejam corajosamente criativos para acompanhar com delicadeza e esperança! A fé em Deus convida ao máximo respeito pela liberdade do outro (da mulher e do seu cônjuge), ajudando a libertar-se das suas cadeias, consolando, abrindo os corações à beleza da vida, iluminando o discernimento, suscitando o apoio fraterno. Esta ação social contribuirá para reduzir o número de Ivg, que continua a ser um atentado à vida desde o início, como realçaram os bispos em França.

A Igreja promove a liberdade de consciência, que é essencial para a dignidade humana. Nada mais normal do que preservá-la para o pessoal de saúde! O mesmo se aplica à liberdade de expressão. Esta inclusão na Constituição não a pode restringir. Os parlamentares têm a missão de preservar estas duas liberdades fundamentais, tanto mais quando se trata do aborto, que é um assunto sério que merece um debate sereno, humilde e responsável.

*Arcebispo de Rennes
e chefe do Grupo de Trabalho de Bioética
da Conferência Episcopal Francesa

Pierre d’Ornellas*