Chamados a caminhar juntos na Igreja

 Chamados a caminhar juntos na Igreja  POR-006
08 fevereiro 2024

Onde encontrar luz, neste momento da história humana e da vida da Igreja, para experimentar a alegria própria da vida consagrada e ser testemunha transparente da ternura de Deus?

Como todos os discípulos de Jesus, temos um único caminho, que nasce da sabedoria do Evangelho, do ensinamento da Igreja e da luz dos carismas que as santas fundadoras e os santos fundadores concederam à Igreja como dádiva recebida com humildade de Deus e assim foram reconhecidos ao longo dos séculos até hoje.

O Ano da vida consagrada (2015) introduziu-nos neste novo momento, sob a grande luz do Concílio Vaticano ii para entrarmos, também nós, mais profundamente na reforma da Igreja, atuada com decisão e determinação pelo Papa Francisco.

Com o Sínodo que teve início no ano de 2021 e que nos levará até ao final deste ano, a vida consagrada recebe um eco qualificado do que o povo de Deus sente e deseja dos consagrados e consagradas para caminhar juntos.

«Ao longo dos séculos, a Igreja sempre experimentou o dom dos carismas graças aos quais o Espírito Santo a faz rejuvenescer e renovar, desde os mais extraordinários até aos mais simples e generalizados. Com alegria e gratidão, o Santo Povo de Deus reconhece neles a ajuda providencial com que o próprio Deus sustenta, orienta e ilumina a sua missão» (Relatório de síntese da xvi Assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos, 10 a).

Este amadurecimento da consciência da Igreja, expresso nos documentos atuais e afirmado pelo Povo de Deus durante o Sínodo, ilumina a dimensão carismática, assim descrita: «A dimensão carismática da Igreja manifesta-se de modo particular na vida consagrada, com a riqueza e variedade das suas formas. O seu testemunho contribuiu sempre para renovar a vida da comunidade eclesial, revelando-se um antídoto contra a tentação recorrente da mundanidade. As várias famílias religiosas mostram a beleza do seguimento do Senhor, na montanha da oração e nos caminhos do mundo, nas formas de vida comunitária, na solidão do deserto e na fronteira dos desafios culturais. A vida consagrada foi mais de uma vez a primeira a intuir a mudança da história e a sentir os apelos do Espírito: ainda hoje a Igreja precisa da sua profecia. A comunidade cristã olha também com atenção e gratidão para as práticas comprovadas de vida sinodal e de discernimento em comum que as comunidades de vida consagrada amadureceram ao longo dos séculos. Também delas sabemos que podemos aprender a sabedoria de caminhar juntos. Muitas congregações e institutos praticam o diálogo no Espírito ou formas análogas de discernimento no decurso dos capítulos provinciais e gerais, para renovar as estruturas, repensar os estilos de vida, ativar novas formas de serviço e de proximidade com os mais pobres. Noutros casos, porém, verifica-se a persistência de um estilo autoritário, que não dá espaço ao diálogo fraterno» (Relatório de síntese, 10 b).

A nova secretária irmã Simona Brambilla e o prefeito do Dicastério para os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica participaram também na primeira parte do Sínodo, que teve lugar em outubro de 2023. O método muito concreto, inserido no caminho sinodal do Povo de Deus, fez-nos escutar atentamente a Palavra de Deus, ajudados por pessoas preparadas, mas também nos levou a ouvir profundamente as pessoas de diferentes vocações sentadas ao nosso lado à mesma mesa. O diálogo no Espírito que se seguiu fez-nos reunir com o mesmo cuidado os pontos convergentes do colóquio, as questões a tratar e as propostas que queríamos manifestar. Durante um mês, aprendemos a ouvir e a falar iluminados pela Palavra de Deus, mas também atentos ao que o Povo de Deus do mundo inteiro nos apresentava. Interessou-nos particularmente o que o Relatório de síntese reuniu sobre a vida consagrada, porque derivava do sentir do Povo de Deus em todo o mundo, mostrando-nos como poderíamos encarnar a nossa contribuição na Igreja do nosso tempo.

Quando regressamos ao Dicastério, pudemos aprofundar o clima de diálogo entre as 40 pessoas que dedicam o seu trabalho a seguir a vida consagrada em todo o mundo, atentas às orientações sábias e indispensáveis de Pedro na palavra do Santo Padre, Papa Francisco.

À luz do Sínodo, sentimos que era necessário que os superiores dessem mais um passo para que a experiência do diálogo no Espírito se tornasse mais clara também entre nós. E assim, a partir de dezembro de 2023, das 8h30 às 9h30 de todas as terças-feiras os três superiores sentam-se à volta da mesma mesa, leem o Evangelho do dia, fazem uma pausa de alguns minutos em silêncio e depois analisam juntos as questões mais importantes a enfrentar ao serviço do Dicastério.

A escuta mútua vivida como acolhimento do trabalho e das propostas dos outros ajuda-nos a esclarecer as várias situações analisadas e a tomar decisões mais adequadas e sábias em benefício da vida consagrada, em comunhão com as orientações do Papa Francisco. Uma vez por mês, fazemos o mesmo com os cinco chefes de departamento que estudam os numerosos dossiers e documentos que chegam diariamente. Pelo menos uma vez por semestre, gostaríamos também dialogar com todas as pessoas que trabalham no Dicastério. Ainda não chegamos a este ponto, mas já está na ordem do dia.

O Dicastério é certamente um observatório privilegiado para acompanhar a vida consagrada no mundo inteiro. Temos motivos abundantes para dar graças ao Senhor pelo caminho de reforma e de conversão que se delineia, ainda que para vários institutos, congregações, ordens e novas formas de vida consagrada o momento atual da história humana e da vida da Igreja exija mudanças corajosas.

No entanto, sabemos que o retorno ao Evangelho vivido, às orientações da Igreja e à fidelidade ao coração do carisma doado pelas fundadoras e fundadores nos fará beneficiar da alegria dos frutos que a misericórdia do Senhor já nos prepara.

Neste momento, inserimo-nos com toda a Igreja no processo sinodal em curso, rumo ao Jubileu de 2025.

Dirijamo-nos a Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, consagrada como nós, com as palavras de confiança do Papa Francisco: «O povo fiel chama-te a aurora da salvação: Mãe, abre clarões de luz na noite dos conflitos. Tu, morada do Espírito Santo, inspira caminhos de paz aos responsáveis das nações. Tu, Senhora de todos os povos, reconcilia os teus filhos, seduzidos pelo mal, obcecados pelo poder e pelo ódio. Tu, que estás próxima de cada um, abrevia as nossas distâncias. Tu, que tens compaixão de todos, ensina-nos a cuidar do próximo. Tu, que revelas a ternura do Senhor, torna-nos testemunhas da sua consolação. Mãe, Tu, Rainha da paz, derrama nos corações a harmonia de Deus. Amém!» (Basílica do Vaticano, 27 de outubro de 2023).

*Cardeal prefeito do Dicastério para os institutos
de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica

João Braz de Aviz*