O trabalho dos missionários scalabrinianos dedicado ao apoio psicológico dos migrantes no Brasil

Assistência integral para curar a “síndrome de Ulisses”

 Assistência integral para curar a “síndrome de Ulisses”  POR-047
23 novembro 2023

Amaior dor de Martha María Gavilán, quando emigrou de Cuba em 2018, não foi a de deixar a sua terra natal e a sua família. Nem sequer a interminável viagem de avião e por terra que a levou a São Paulo, no Brasil, a 6.500 km de Havana. O maior sofrimento para essa professora foi encontrar-se aos 47 anos de idade sem futuro, após ter chegado à megalópole com o seu filho. Ela gostaria de se ter estabelecido na Argentina ou no Uruguai, mas as suas poucas economias desapareceram tão rapidamente que — algo inimaginável para ela — foi obrigada a procurar abrigo. Foi assim que, numa noite, ela se viu na porta da Casa do Migrante Missão Paz, uma instituição administrada pelos missionários scalabrinianos.

«Passei três dias no meu quarto chorando e chorando, porque era o fim do mundo para mim», conta ela. Mas logo em seguida a sua tristeza se transformou em esperança. Na Missão Paz, deram aulas de português, ajudaram com a documentação para obter residência no Brasil e conseguiram um primeiro emprego como empregada num hotel internacional. Mais tarde, ela teve vários empregos: gerente de limpeza num centro de eventos, instaladora de linhas elétricas e hoje é vendedora numa conhecida rede de roupas. Mas foi o apoio psicológico que recebeu que marcou para ela um antes e um depois, porque lhe deu as ferramentas para superar todos os obstáculos do difícil processo de adaptação que os migrantes geralmente enfrentam e que dura, em média, dois anos.

De acordo com a psicóloga da Missão Paz, Berenice Young, a chegada ao destino escolhido é o momento mais crítico para os migrantes, porque os obriga a fazer uma série de perguntas que não têm resposta imediata. «Eles têm que aprender uma nova língua, orientar-se na cidade, saber como funciona o Estado brasileiro, quais são as exigências e os documentos, têm que entender como sobreviver nesses primeiros dias, se vão conseguir trabalhar», diz a profissional que coordena um programa de apoio psicológico aos recém-chegados.

É uma terapia de curta duração, de cerca de doze sessões em três meses, tempo suficiente para entender a si mesmo e para compreender a dinâmica de adaptação a uma nova sociedade. Isso evita que a instabilidade inicial os leve ao desespero e ao desejo de retornar ao país de origem quando sentirem que não podem ser independentes. Berenice Young garante que intervenções desse tipo são muito eficazes, embora haja uma pequena percentagem que entra em depressão ou manifesta problemas psicossomáticos. Essas pessoas são enviadas a centros de saúde especializados em migrantes, onde recebem um tratamento mais prolongado.

Uma visão muito semelhante é a do diretor audiovisual e cantor de rap Narrador Kanhanga, que em Porto Alegre lidera uma associação de mais de 1.500 famílias angolanas que vivem no estado do Rio Grande do Sul. Ele estabeleceu-se lá em 2005 e, como muitos de seus compatriotas, também enfrentou o desgaste psicológico da integração. Por isso, hoje colabora para facilitar a inserção no mercado de trabalho dos que chegam e para reduzir os problemas de obtenção de documentos.

«O migrante, quando decide deixar o seu país, já sabe mais ou menos o que terá de enfrentar antes de chegar a um novo país. Mas o que não sabe é o que o espera quando chega, quem estará lá esperando por ele, quem serão as pessoas que poderão ajudá-lo, e isso cria um trauma, um conflito muito grande na saúde mental», explica o angolano.

O psicólogo Rodrigo Lages e Silva, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reconhece nesses sintomas a chamada síndrome de Ulisses, um quadro de mal-estar emocional produzido por um forte sentimento de desenraizamento, de não pertença ao local onde se estabeleceu. «Vemos pessoas que, depois de enfrentar tantas dificuldades durante a viagem, chegam procurando reconstruir a sua vida e esperando encontrar mais facilidades, mas o que encontram são novas dificuldades», observa o pesquisador.

De acordo com o especialista, isso se deve principalmente às limitações que os migrantes têm para se mudar para uma nova cidade, obter moradia, adaptar-se aos sistemas de educação e saúde. Ele reconhece com tristeza que atitudes de racismo e xenofobia infelizmente também persistem no Brasil.

Kanhanga e Rodrigo Lages e Silva fazem parte da vasta rede de instituições que colaboram com o Cibai, Centro ítalo-brasileiro de assistência e instrução de migrações. Essa instituição dos religiosos scalabrinianos foi fundada em Porto Alegre em 1958 para acolher os imigrantes italianos que chegavam à região sul do Brasil. Mas, no decorrer da história, os locais de partida das ondas migratórias mudaram e, com efeito, pessoas de até 52 nacionalidades foram atendidas no Cibai. Hoje, a maioria vem da Venezuela, Haiti, Senegal e Angola.

O diretor do Cibai, padre Adelmar Barilli, lidera um modelo de resposta integral aos migrantes, concentrando-se especialmente naqueles que acabaram de chegar, para que nenhuma das suas necessidades mais urgentes seja ignorada: roupas, comida, abrigo, idioma, trabalho, apoio psicológico, etc. «Não faria sentido fornecer só abrigo, só comida ou só documentos. Procuramos oferecer uma assistência completa ao migrante», ressalta. O sacerdote observa que a demora para se estabelecer no novo país pode levar a um aumento dos problemas de saúde mental, como acontece no norte do Brasil, na região de Boa Vista. Lá, os venezuelanos, depois de cruzarem a fronteira, às vezes ficam até dois anos antes de se mudarem para outra região para começar uma vida mais estável.

Também em Porto Alegre, as irmãs scalabrinianas se dedicam totalmente à causa dos migrantes. Com efeito, há 23 anos elas têm um escritório na estação rodoviária que atende linhas interestatais e internacionais, para entrar em contacto com as pessoas desde o primeiro momento em que chegam àquela nova terra. Elas também administram quatro centros de saúde em diferentes pontos da cidade de um milhão e meio de habitantes. A partir dali, implementam o programa Legame, um sistema eficaz de “teleassistência”, gratuito e confidencial para aqueles que precisam de apoio psicológico, voltado mais para lidar com o sofrimento da migração do que com problemas mentais.

«Fornecemos-lhes uma linha de telefone para que possam ligar para profissionais de saúde mental, tanto psicólogos quanto psiquiatras, dos quais recebem apoio semanal, quinzenal ou mensal, de acordo com as necessidades de cada um», explica a irmã Jakeline Danetti. Se esse apoio telemático não for suficiente, são encaminhados para tratamento terapêutico presencial.

A grande família de irmãs e padres scalabrinianos também trabalha em estreito contacto com órgãos públicos e organizações civis no Brasil, criando redes de cooperação multidisciplinares que garantem que os migrantes sejam cada vez mais acolhidos, protegidos, promovidos e integrados na sociedade.

#VoicesofMigrants

Felipe Herrera-Espaliat