A história, o céu e a tenda

07 setembro 2023

Rezando pela paz, o momento central do primeiro discurso, às autoridades, o Papa Francisco descreveu a Mongólia como um país «rico de história e de céu». E depois falou do olhar: «Ao entrar numa ger tradicional, o olhar eleva-se para o ponto central mais alto, onde há uma janela para o céu. Gostaria de realçar esta atitude fundamental que a vossa tradição nos ajuda a redescobrir: saber manter o olhar voltado para o alto. Levantar o olhar para o céu — o eterno céu azul por vós sempre venerado — significa permanecer em atitude de abertura dócil aos ensinamentos religiosos». A ger é a tenda onde vive a maior parte do povo da Mongólia, um povo ainda em grande parte itinerante. Esta viagem, já nas primeiras etapas, parece assumir a forma não só de uma deslocação no espaço, mas também no tempo. Passamos para “outro lugar” que não está apenas a milhares de km de distância, mas que se torna uma oportunidade para viver uma experiência verdadeira, profunda e regeneradora. Nas palavras que proferiu no avião, no voo de ida, o Papa convidou todos a aproveitar esta oportunidade, “entrando” na dimensão do silêncio que é a peculiaridade de um «povo pequeno numa terra grande [...] Creio que nos fará bem compreender este silêncio, tão longo, tão profundo. Ajudar-nos-á a entender o que significa, mas não intelectualmente: compreendê-lo com os sentidos. A Mongólia compreende-se com os sentidos», e para ajudar os sentidos, o Papa sugeriu que se ouça a música de Aleksandr Borodin, o génio multiforme da Rússia do século xix , químico e compositor, também famoso pelos seus esboços sinfónicos: Nas estepes da Ásia central. Uma música que permite “sentir” o silêncio a que os povos do Ocidente já não estão habituados, fechados nas suas casas e palácios. Na Mongólia, pelo contrário, há a tenda, que não está fechada, mas aberta, porque a janela se encontra no alto, no teto, e o teto torna-se o céu, o eterno céu azul.

O homem é o único ser vivo que olha para o céu, é a sua conformação anatómica que lhe permite isso. Para dormir, o homo erectus deita-se de costas, enquanto que os outros animais se agacham, e de costas pode contemplar a abóbada estrelada e viver a experiência primordial do enlevo. É o tema da filosofia e da poesia, como demonstra de modo claro e fúlgido o Canto noturno do pastor errante da Ásia, de Giacomo Leopardi. No seu primeiro discurso, o Papa recordou este sentimento de admiração que «sugere humildade e frugalidade, escolha do essencial e capacidade de se desapegar de tudo o que não o é». Tudo isto se torna um antídoto contra o «espírito consumista» que cria «tantas injustiças, leva a um individualismo que se esquece dos outros e das boas tradições recebidas», contendo em si o «perigoso caruncho da corrupção».

Portanto, já há uma “lição” que brota destas primeiras passagens do Papa em terra mongol: o convite a uma conversão do olhar para o alto, para o céu límpido e “incorruptível” e para o essencial. Olhar maravilhado e grato, e estilo de vida frugal que visa o essencial constituem desde o início dois elementos constantes de todo o pontificado de Francisco. Ambos encontram uma figura emblemática na tenda. Entre outras coisas, o Levítico contém as instruções para a Festa das Tendas: «Habitareis sete dias em tendas [...] para que de geração em geração os vossos descendentes saibam que fiz os filhos de Israel habitar em tendas, quando os tirei do Egito» (Lv 23, 42-43) e o jesuíta Jean Pierre Sonnet, no ensaio O canto da viagem, comenta: «Sete dias para abandonar a segurança das casas de tijolo e pedra, e voltar a sentir a mão poderosa de Deus, sobretudo à noite, quando as estrelas brilham entre os ramos do teto. Sete dias para experimentar, na precariedade da condição humana e da tenda, Deus como refúgio. Sete dias para descobrir de novo que o caminho no deserto — assim é cada vida — é recolocado nas mãos de um guia seguro».

À “segurança” das casas e dos palácios (e, se quisermos, também do Templo), corresponde outro tipo de “segurança”, que se refere à dimensão da tenda: o abandono filial nas mãos de um Pai que não permaneceu impassível no alto dos céus, mas desceu e entrou na história dos homens, para “habitar entre nós” (onde este habitar, eschènosen, em grego, significa exatamente “armou a sua tenda”).

Andrea Monda