Criada na ucp por ocasião da jmj a Cátedra “Economia de Francisco e de Clara”

A universidade como projeto de esperança

 A universidade  como projeto de esperança  POR-035
31 agosto 2023

Na quinta-feira, 3 de agosto, Isabel Capeloa Gil Magnífica Reitora da Universidade católica portuguesa, recebeu o Papa Francisco com uma saudação introdutória ao encontro com os jovens universitários, no âmbito da viagem apostólica do Papa a Portugal, por ocasião da Jornada mundial da juventude. A pedido de L’Osservatore Romano, a Reitora desenvolveu os temas contidos nessa saudação no seguinte texto.

Os intensos debates sobre o papel, o lugar e a relevância da universidade ocorrem em geral em momentos de charneira, quando uma perceção de crise inspira à mudança. Estes momentos têm sido abundantes e recorrentes, o que pode indiciar que a crise é a condição natural em que as universidades operam.

Num tempo de crise da possibilidade de conhecer, de paradoxal euforia tecnológica, por um lado, e desconfiança permanente, por outro, o lugar da universidade católica é o de propor esperança e garantir a capacidade de aspirar. A universidade é, por definição, um espaço de busca, de diálogo e de acolhimento. Perante realidades marcadas por exclusão e desigualdade, numa época de incerteza, a universidade ergue-se como guardiã da esperança, o que significa promover a capacidade de sonhar, auxiliar a discernir, escutar as vozes em nosso redor, escutar o tempo e intervir nele, defendendo a dignidade das mulheres e homens e acreditando na sua capacidade de transformação. Na nossa atividade, conjuga-se a busca do conhecimento em prol da melhoria da condição humana, o discernimento ético que orienta a possibilidade de selecionar e agir, o cultivo da beleza e do gesto estético que é também uma busca do sentido no mundo. A universidade é por isso curadora do saber, filósofa da ação e gestora da beleza.

A afirmação de Dostoievski de que a beleza salvará o mundo tem enorme sabedoria e não se esgota num mero gesto contemplativo. A linguagem artística constitui uma forma singular de diagnóstico e atribuição de sentido complementar dos modelos textuais e matemáticos em que a ciência em regra se produz. Existe efetivamente uma dimensão ética no gesto artístico e uma abertura espiritual, que o tornam essencial a um projeto de educação integral, que ultrapasse as monoculturas disciplinares, e de que a nossa realidade complexa tanto necessita. Cultivar o belo, o bem e a verdade, não se faz por isso apenas na biblioteca, na sala de aula e no laboratório, mas também no estúdio do artista e em todos os locais onde se experimentam novas formas de resolver as aporias da extraordinária aventura da vida.

Uma educação integral foca-se na formação de protagonistas capazes de compreender a complexidade, capazes de analisar, compreender e por isso, distinguir e selecionar. Ora uma educação integral exige o cultivo transversal de saberes que, a partir do seu quadro epistemológico, se entretecem com outros distintos. É justamente aqui que a proposta de valor específica de uma educação superior católica se faz sentir, já que ela é integradora de saberes e cosmopolita, eticamente estruturada e inovadora.

A Universidade Católica Portuguesa criou por ocasião da visita do Papa Francisco a Lisboa no âmbito da Jornada mundial da juventude a Cátedra “Economia de Francisco e de Clara”, que congrega todo um programa relativo à universidade como espaço integrador do conhecimento. A Cátedra inspira-se na espiritualidade de São Francisco e Santa Clara para promover seminários transversais e espaços de articulação orientados por problemas, permitindo diálogos inovadores, como estes: como pode a Teologia ajudar a preservar a biodiversidade? Como podem os Estudos literários promover os direitos humanos? Como pode a Ciência de dados combater a pobreza?

Na Encíclica Laudato si’, o Santo Padre convida-nos “a pensar num só mundo com um projeto comum" ( ls , 164) e a acolher o mundo como um «sacramento de comunhão» ( ls , 9). A ciência e a investigação requerem reconhecimento mútuo e capacidade de transformar e transcender, num envolvimento comunitário e colaborativo. A nossa proposta é rica em valores, porque decorre de uma específica visão cristã humanista da existência. Mas, para honrar esta tradição, devemos desafiar-nos constantemente. A universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro. E por isso será sempre esperança em projeto, nunca obra terminada.

Isabel Capeloa Gil*