Uma reflexão a partir das palavras do Papa

«... e veio habitar
no meio de nós»

 «... e veio habitar no meio de nós»  POR-025
22 junho 2023

O nexo sistemático da inteira arquitetura teológica


Publicamos um excerto do volume de Giovanni Cesare Pagazzi “La carne”, que abre a série “I semi teologici di Francesco” (Milão, San Paolo 2018).

Durante a homilia na qual comenta a aparição do Ressuscitado que pede para ser tocado, Francisco usa três vezes a expressão «lógica da carne», enquanto na Evangelii gaudium 117 fala de «lógica da encarnação». As duas expressões são muito apropriadas e eficazes, pois resumem o pensamento do Papa sobre a carne e o papel que ela desempenha no seu magistério.

A carne é a lógica da teologia e do magistério de Francisco, no sentido mais autêntico e exato do termo. “Lógica” deriva de lógos, palavra grega que, por sua vez, deriva do verbo légein que, como se sabe, significa “falar”, “discorrer”, nalguns casos “descrever”, “compreender”, “argumentar”. No entanto, o significado mais antigo de légein é “ligar”, “manter unido”, “reunir”. De facto, como se poderia falar e argumentar sem unir sons, palavras e frases, ou os elementos de um argumento? Por isso, se lógos indica com efeito “palavra”, “discurso”, “argumentação”, designa também corretamente — e até num sentido mais original — “vínculo”, “relação”, “ligação”.

A carne é a lógica da teologia de Francisco, porque é ela que mantém unidos, de forma racional, todos os temas do Credo cristão: a Criação, a Salvação, o mistério de Cristo e a sua história, a Eucaristia, a Igreja, a fé, a esperança, a caridade, o juízo final e o mundo vindouro. Não há traço do Credo cristão que não possa (e não deva) ser dito com a gramática e o vocabulário da carne, pois não há nada de cristão que não tenha em vista a salvação da carne. Em termos “técnicos”, poder-se-ia dizer que a carne representa «o nexo sistemático» da teologia do Papa Francisco, assim como o foi para Inácio de Antioquia, Ireneu de Lião e Tertuliano.

Esta diretriz do pensamento de Francisco subentende uma intuição muito requintada: a carne é a lógica do seu magistério porque é a lógica original, a lógica tout court. De facto, a própria carne é a lógica de tudo, porque representa o vínculo nativo, o vínculo congénito entre corpo e mundo, Adame adamà, inconfundível e inseparável. Sem a lógica original da carne — manifestada também na experiência da necessidade e do contacto entre as mãos e as coisas — não haveria outra lógica, seja ela gramatical, matemática, argumentativa ou outra qualquer. Regressar à carne, pensar na sua grandeza, significa proteger-se de todos os raciocínios ilógicos, abrindo a mente à inteligência, que — para não falar — é a capacidade de intus-legere, isto é, de «captar as ligações entre as coisas», de «captar as ligações dentro das coisas». Pode ser inteligente um pensamento desencarnado e até “desencarnador”?

Além disso, a carne é a lógica da teologia de Francisco, pela boa razão de que «o Lógos se fez carne» (Jo 1, 14). A afirmação joanina indica certamente a incompreensível e admirável condescendência da Palavra, do Filho de Deus para com a humilde condição humana.

Mas ressoa também a honra inédita concedida à carne; pois como poderia o Elo, o Lógos de Deus revelar-se ao mundo senão através do vínculo congénito que Ele estabeleceu definitivamente ao criar o homem da terra? Deus revelou-se como Elo, Filho gerado pelo Pai e sempre grato a ele. E como se podia mostrar a não ser apropriando-se do laço inseparável que faz de todas as criaturas uma só família? Afinal, a salvação é a recomposição desses laços que a mania humana não quer reconhecer como vitais, procurando de todas as formas rompê-los.

Tendo por lógica a carne, o magistério de Francisco tem também um toque de provocação em relação ao crente e ao crente teólogo. O aguilhão pode ser expresso parafraseando as palavras da Primeira Carta de João: «Como podes amar o Filho, o Elo de Deus, que não vês, se não amares os vínculos que vês?» (cf. 1 Jo 4, 20). Como podes pensar no Filho de Deus, no Lógos que não vês, se não queres pensar nos laços de carne que vês?

Giovanni Cesare Pagazzi