Solenidade de Pentecostes
Missa celebrada na basílica de São Pedro

Num mundo dividido por guerras e conflitos o Espírito traz paz e unidade

 Num mundo dividido por guerras  e conflitos o Espírito traz  paz e unidade  POR-022
01 junho 2023

Num mundo dilacerado por guerras e discórdias, o Espírito Santo «opõe-se ao espírito de divisão porque Ele é a harmonia, o Espírito de unidade que traz a paz». Recordou o Papa Francisco na homilia da missa celebrada na basílica de São Pedro na manhã de 28 de maio, domingo de Pentecostes. Concelebraram com o Pontífice 22 cardeais, 44 prelados — entre os quais os arcebispos Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado, e Russo, secretário para as Representações pontifícias — e dezenas de sacerdotes. No momento da consagração, aproximaram-se do altar os cardeais Re, decano do Colégio cardinalício, Sandri, vice-decano, e João Braz de Aviz, prefeito do Dicastério para os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica.

A Palavra de Deus, hoje, apresenta-nos o Espírito Santo em ação. Vemo-lo agir em três momentos: no mundo que criou, na Igreja e nos nossos corações.

1. Em primeiro lugar, no mundo que criou, na criação. Desde o início, temos o Espírito Santo em ação: «Enviais o vosso Espírito — rezamos no Salmo Responsorial — e tudo é criado» (Sl 104, 30). Realmente, Ele é creator Spiritus — Espírito criador (cf. S. Agostinho , In Ps., xxxii , 2, 2): é assim que, há séculos, o invoca a Igreja. Mas, podemos perguntar-nos: que faz o Espírito na criação do mundo? Se tudo tem a sua origem no Pai, se tudo é criado por meio do Filho, qual é o papel específico do Espírito? Um grande Padre da Igreja, São Basílio, escreveu: «Se tentasses subtrair o Espírito à criação, todas as coisas se misturavam, aparecendo a sua existência sem lei nem ordem» (Spir., xvi , 38). Eis o papel do Espírito: é Aquele que, desde o início e em todos os tempos, faz passar as realidades criadas da desordem à ordem, da dispersão à coesão, da confusão à harmonia. Este seu modo de agir, vê-lo-emos sempre na vida da Igreja. Numa palavra, dá harmonia ao mundo; assim «dirige o curso dos tempos e renova a face da terra» (Gaudium et spes, 26; cf. Sl 104, 30). Renova a terra — atenção, porém! — não o faz mudando a realidade, mas harmonizando-a; isto está dentro do seu estilo, porque Ele é, em si mesmo, harmonia: Ipse harmonia est — diz um Padre da Igreja (cf. S. Basílio , In Ps. 29, 1)

Ora hoje, no mundo, há tanta discórdia, tanta divisão! Estamos conectados e, contudo, vivemos desligados uns dos outros, anestesiados pela indiferença e oprimidos pela solidão. Tantas guerras, tantos conflitos! Parece incrível o mal que o homem pode fazer… É que, para alimentar as nossas hostilidades, existe o espírito da divisão, o diabo, cujo nome significa precisamente «divisor». Pensa o espírito maligno, «o sedutor de toda a humanidade» (Ap 12, 9), a sugerir e exacerbar o nosso mal, a nossa desagregação; ele exulta com os antagonismos, as injustiças, as calúnias... isto é a sua alegria. E sabendo o Senhor que, perante o mal da discórdia, os nossos esforços para construir a harmonia não são suficientes, Ele, no momento mais alto da sua Páscoa, no ponto culminante da salvação, derrama sobre o mundo criado o seu Espírito bom, o Espírito Santo, ques se opõe ao espírito divisor, porque é harmonia, Espírito de unidade que traz a paz. Invoquemo-lo todos os dias sobre o nosso mundo, sobre a nossa vida e perante todo o tipo de divisão!

2. Além da criação, vemo-lo agir igualmente na Igreja, a partir do dia de Pentecostes. Notemos, porém, que o Espírito não dá início à Igreja propondo instruções e normas à comunidade, mas descendo sobre cada um dos Apóstolos: cada um deles recebe graças particulares e carismas diversos. Toda esta pluralidade de dons diferentes poderia gerar confusão, mas o Espírito, como sucedeu na criação, gosta de criar harmonia precisamente a partir da pluralidade. A sua harmonia não é uma ordem imposta e aprovada. Não! Na Igreja, há uma ordem «organizada segundo a diversidade dos dons do Espírito» (S. Basílio , Spir., xvi , 39). De facto, no Pentecostes, o Espírito Santo desce em muitas línguas de fogo: dá a cada um a capacidade de falar outras línguas e de ouvir a língua própria falada pelos outros (cf. At 2, 4.6.11). Por outras palavras, não cria uma língua igual para todos, não apaga as diferenças, as culturas, mas harmoniza tudo sem homogeneizar nem uniformizar. E isto deve fazer-nos pensar num momento em que a tentação de retrogradação procura homogeneizar tudo em disciplinas apenas de aparência, sem substância. Detenhamo-nos neste aspeto, isto é, no facto de o Espírito não iniciar de um projeto estruturado, como teríamos feito nós que, muitas vezes, nos perdemos em programas. Não! Ele começa repartindo dons de forma gratuita e superabundante. De facto, como sublinha o texto, no Pentecostes, «todos ficaram cheios do Espírito Santo» (At 2, 4). Todos cheios... Assim começa a vida da Igreja: não de um plano preciso e articulado, mas de experimentarem todos o mesmo amor de Deus. É assim que o Espírito cria harmonia, convidando a maravilhar-nos com o seu amor e os seus dons presentes nos outros. Como nos disse São Paulo, «há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. (...) De facto, num só Espírito, fomos todos batizados para formar um só corpo» (1 Cor 12, 4.13). O olhar harmonioso do Espírito é ver cada irmão e irmã na fé como parte do mesmo corpo a que pertenço eu: este é o caminho que Ele nos indica!

E o Sínodo em curso é — e deve ser — um caminho segundo o Espírito: não um parlamento para reclamar direitos e exigências à maneira das agendas de trabalho no mundo, nem ocasião de se deixar levar ao sabor de qualquer vento. Mas o Sínodo é uma oportunidade para ser dóceis ao sopro do Espírito. Com efeito, no mar da história, a Igreja só navega com Ele, que é «a alma da Igreja» (S. Paulo vi , Discurso ao Sacro Colégio agradecendo os bons votos pelo genetlíaco, 21 de junho de 1976), o coração da sinodalidade, o motor da evangelização. Sem Ele, a Igreja fica inerte; a fé não passa de uma doutrina, a moral de um dever, a pastoral de um trabalho. Às vezes ouvimos os chamados pensadores, teólogos, que nos dão doutrinas frias; parecem matemáticas, porque dentro falta-lhes o Espírito. Com Ele, pelo contrário, a fé é vida, o amor do Senhor conquista-nos e a esperança renasce. Coloquemos de novo o Espírito Santo no centro da Igreja; caso contrário, o nosso coração não arderá de amor por Jesus, mas por nós mesmos. Ponhamos o Espírito no início e no coração dos trabalhos sinodais. Pois «é sobretudo d’Ele que a Igreja tem, hoje, necessidade! Por isso, digamos-lhe cada dia: vinde!» ( Idem , Audiência geral, 29 de novembro de 1972). E caminhemos juntos, porque o Espírito, como fez no Pentecostes, gosta de descer enquanto estão todos juntos (cf. At 2, 1). Sim, para se mostrar ao mundo, Ele escolheu o momento e o lugar em que todos estavam juntos. Portanto o Povo de Deus, para estar cheio do Espírito, deve caminhar em conjunto, fazer sínodo. Assim se renova a harmonia na Igreja: caminhar juntos, tendo no centro o Espírito. Irmãos e irmãs, construamos harmonia na Igreja!

3. Por fim, o Espírito faz harmonia nos nossos corações. Vemo-lo no Evangelho, onde se refere que Jesus, na noite de Páscoa, sopra sobre os discípulos e diz: «Recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 22). Dá-o com uma finalidade específica: perdoar os pecados, isto é, reconciliar os ânimos, harmonizar os corações dilacerados pelo mal, quebrantados pelas feridas, divididos pelo sentido de culpa. Só o Espírito repõe a harmonia no coração, porque é Aquele que cria «a intimidade com Deus» (S. Basílio , Spir., xix , 49). Se queremos harmonia, procuremo-lo a Ele, não sucedâneos mundanos. Invoquemo-lo todos os dias, comecemos o dia rezando-lhe, tornemo-nos dóceis ao Espírito Santo!

E hoje, na sua festa, questionemo-nos: sou dócil à harmonia do Espírito? Ou corro atrás dos meus projetos, das minhas ideias sem me deixar moldar, sem me fazer mudar por Ele? O meu modo de viver a fé é dócil ao Espírito, ou teimoso? Teimosamente apegado à letra, às chamadas doutrinas que não passam de frias expressões da vida? Sou precipitado em julgar, acuso e bato a porta na cara aos outros, considerando-me vítima de tudo e de todos? Ou acolho a harmoniosa força criadora do Espírito, acolho a «graça de estar juntos» que Ele inspira, o seu perdão que dá paz? E, por minha vez, perdoo? O perdão é criar espaço para que venha o Espírito. Promovo a reconciliação e crio comunhão, ou estou sempre à espreita, metendo o nariz onde há dificuldades para murmurar, para dividir, para destruir? Perdoo, promovo reconciliação, crio comunhão? Se o mundo está dividido, se a Igreja se polariza, se o coração se fragmenta, não percamos tempo a criticar os outros e a zangar-nos com nós mesmos, mas invoquemos o Espírito: Ele é capaz de resolver estas coisas.

Espírito Santo, Espírito de Jesus e do Pai, fonte inesgotável de harmonia, nós vos confiamos o mundo, consagramo-vos a Igreja e os nossos corações. Vinde, Espírito criador, harmonia da humanidade, renovai a face da terra. Vinde, Dom dos dons, harmonia da Igreja, tornai-nos unidos em Vós. Vinde Espírito do perdão, harmonia do coração, transformai-nos, como Vós sabeis, por meio de Maria.