Mensagem do Pontífice ao congresso internacional sobre a “revolução Billings”

Não à supressão de embriões criados em laboratório nem à prática da barriga de aluguer

 Não à supressão de embriões criados em laboratório  nem à prática da barriga de aluguer  POR-019
11 maio 2023

Se é bom «ajudar e apoiar o legítimo desejo de gerar» um filho, recorrendo «aos mais avançados conhecimentos científicos e às tecnologias que curam e potenciam a fertilidade», não é bom, ao contrário, «criar embriões em laboratório e depois suprimi-los, comercializar os gâmetas e recorrer à prática da barriga de aluguer», escreveu o Papa Francisco numa mensagem enviada aos participantes no Congresso internacional woomb sobre «A “revolução Billings” 70 anos depois: do conhecimento da fertilidade à medicina personalizada», que teve lugar de 28 a 29 de abril na Universidade católica do Sagrado Coração, em Roma.

Estimados irmãos e irmãs!

Tenho o prazer de enviar as minhas saudações aos organizadores e a todos os participantes no Congresso Internacional woomb sobre A “Revolução Billings” 70 anos depois: do conhecimento da fertilidade à medicina personalizada. Congratulo-me vivamente por esta iniciativa que chama a atenção para a beleza e o valor da sexualidade humana.

Enquanto na segunda metade do século passado se desenvolvia a investigação farmacológica para o controle da fertilidade e se difundia a cultura contracetiva, os cônjuges John e Evelyn Billings desenvolveram uma cuidadosa pesquisa científica, divulgando um método simples, ao alcance das mulheres e dos casais, para o conhecimento natural da própria fertilidade, oferecendo um valioso instrumento para a gestão responsável das escolhas procriadoras. Naqueles anos, a sua proposta parecia pouco moderna e menos fiável do que a presumível rapidez e segurança dos instrumentos farmacológicos. Na realidade, ela oferecia e ainda oferece provocações e pontos de reflexão atuais e fundamentais, a retomar e aprofundar: por exemplo, a educação para o valor da corporeidade, uma visão integrada e integral da sexualidade humana, o cuidado da fecundidade do amor, inclusive quando não é fértil, a cultura do acolhimento da vida e o problema da diminuição demográfica. Nestes aspetos, aquela que foi definida a “revolução Billings” não esgotou o seu impulso original, mas continua a ser um recurso para a compreensão da sexualidade humana e para a plena valorização da dimensão relacional e generativa do casal.

Hoje parece necessária uma educação séria neste sentido, num mundo dominado por uma visão relativista e banal da sexualidade humana. Esta educação deve ser considerada numa perspetiva antropológica e ética, onde as questões doutrinais sejam aprofundadas sem simplificações indevidas nem fechamentos rígidos. Em particular, é preciso ter sempre presente a ligação inseparável entre os sentidos unitivo e procriador do ato conjugal (cf. São Paulo vi , Enc. Humanae vitae, 12). O primeiro exprime o desejo dos esposos de ser um só, uma só vida; o outro exprime a vontade comum de gerar vida, que permanece até nos períodos de infertilidade e na velhice. Quando estes dois significados são conscientemente afirmados, a generosidade do amor nasce e reforça-se no coração dos cônjuges, dispondo-os a acolher uma nova vida. Quando isto falta, a experiência da sexualidade empobrece-se, reduz-se a sensações, que depressa se tornam autorreferenciais, perdendo a sua dimensão humana e de responsabilidade. A tragédia da violência entre parceiros sexuais — penso no flagelo do feminicídio — encontra aqui uma das suas causas principais.

Com efeito, perde-se de vista a ligação entre a sexualidade e a vocação fundamental de cada pessoa ao dom de si, que encontra uma realização peculiar no amor conjugal e familiar. Embora esteja inscrita no coração do ser humano, esta verdade exige um caminho educativo para se expressar plenamente. É uma urgência que interpela a Igreja e quantos têm a peito o bem da pessoa e da sociedade, e que espera respostas concretas, criativas e corajosas, como ressalta a Amoris laetitia, a propósito da educação sexual: «A linguagem do corpo requer uma aprendizagem paciente que permita interpretar e educar os próprios desejos, em ordem a uma entrega de verdade. Quando se pretende oferecer tudo de uma vez, é possível que não se entregue nada. Uma coisa é compreender as fragilidades da idade ou as suas confusões, outra é encorajar os adolescentes a prolongar a imaturidade da sua forma de amar. Mas, quem fala hoje destas coisas? Quem é capaz de tomar os jovens a sério? Quem os ajuda a preparar-se seriamente para um amor grande e generoso?» (n. 284). Depois da chamada revolução sexual que derrubou alguns tabus, é necessária uma nova revolução na mentalidade: descobrir a beleza da sexualidade humana, folheando o grande livro da natureza; aprender a respeitar o valor do corpo e da geração da vida, em vista de experiências autênticas de amor familiar.

Outra dimensão da sexualidade, não menos rica em desafios para o nosso tempo, é precisamente a sua relação com a geração da vida. Com efeito, o conhecimento da fertilidade, se tem um valor educativo geral, tem ainda mais relevância quando o casal decide abrir-se ao acolhimento de filhos. O Método Billings, além de outros semelhantes, representa uma das formas mais adequadas de concretizar responsavelmente o desejo de ser pais. Atualmente, a separação ideológica e prática da relação sexual da sua potencialidade geradora determinou a busca de maneiras alternativas de ter um filho, que já não passam pela relação conjugal, mas recorrem a processos artificiais. No entanto, se é bom ajudar e apoiar um desejo legítimo de gerar, com os conhecimentos científicos mais avançados e com tecnologias que curam e potenciam a fertilidade, não é bom criar embriões em laboratório e depois suprimi-los, comercializar os gâmetas e recorrer à prática da barriga de aluguer. Na origem da atual crise demográfica, além dos vários fatores sociais e culturais, há um desequilíbrio na visão da sexualidade, e não é por acaso que o Método Billings é também um recurso para tratar naturalmente os problemas de infertilidade e ajudar os cônjuges a ser pais, identificando os períodos mais férteis. Neste campo, um maior conhecimento dos processos de geração da vida, recorrendo às modernas aquisições científicas, poderia ajudar muitos casais a fazer escolhas mais conscientes e eticamente mais respeitadoras da pessoa e do seu valor.

Esta é uma tarefa que as Universidades católicas e, em particular, as Faculdades de medicina e cirurgia devem assumir com renovado empenho. Por isso, assim como foi fundamental para o casal Billings trabalhar na Escola de Medicina da Universidade de Melbourne, também é importante que o Centro de estudos e investigação para a regulação natural da fertilidade, que funciona desde 1976 na Universidade Católica do Sagrado Coração, faça parte de um dos mais prestigiosos centros académicos italianos e possa beneficiar dos conhecimentos científicos mais avançados para levar a cabo a sua missão de investigação e formação.

Além disso, a perspetiva científica deste congresso internacional mostra como é fundamental prestar atenção às peculiaridades de cada casal e de cada pessoa, especialmente no que diz respeito à mulher. O horizonte da medicina personalizada recorda-nos precisamente que cada pessoa é única e irrepetível e que, antes de ser objeto de tratamento de disfunções e doenças, deve ser ajudada a exprimir as suas potencialidades do melhor modo possível, tendo em vista aquele bem-estar que é sobretudo fruto de uma harmonia de vida.

Por fim, promover o conhecimento da fertilidade e dos métodos naturais tem também um grande valor pastoral, pois ajuda os casais a ser mais conscientes da sua vocação conjugal e a testemunhar os valores evangélicos da sexualidade humana. Prova desta relevância é também o grande número de participantes neste congresso, com pessoas de muitos países e de todos os continentes reunidas em Roma (ou ligadas por vídeo). As reações positivas que emergem das suas experiências, às vezes amadurecidas em contextos sociais e culturais muito difíceis, confirmam a importância de trabalhar assídua e energicamente neste campo, também para promover a dignidade da mulher e uma cultura baseada na aceitação da vida, valores partilhados também por outras religiões.

Por conseguinte, trata-se de um aspeto não secundário da pastoral familiar, como ensinaram os meus predecessores e como também eu recordei na Amoris laetitia: «Neste sentido, é preciso redescobrir a Encíclica Humanae vitae (cf. nn. 10-14) e a Exortação Apostólica Familiaris consortio (cf. nn. 14; 28-35)» (n. 222). O recurso a métodos baseados nos ritmos naturais da fertilidade deve ser encorajado, salientando que «respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura entre eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica» (Catecismo da Igreja Católica, 2370).

Caríssimos, desejo-vos um trabalho fecundo e agradeço-vos o que fazeis. Continuai com paixão e generosidade a oferecer este precioso serviço à comunidade eclesial e a quantos desejam cultivar os valores humanos da sexualidade. Devemos estar sempre conscientes de que a bênção original de Deus se reflete com particular esplendor neste âmbito da vida (cf. Gn 1, 26-30) e de que também nós somos chamados a honrá-lo neste âmbito, como exorta São Paulo: «Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo!» (1 Cor 6, 20). Abençoo-vos de coração e peço-vos, por favor, que rezeis por mim.

Roma, São João de Latrão 24 de abril de 2023.

Francisco