Profecia e oração

 Profecia e oração  POR-018
04 maio 2023

No segundo discurso da sua viagem apostólica à Hungria, o Papa Francisco exortou a um acolhimento profético. Aliás, «aberto à profecia», porque, explicou, acrescentando palavras improvisadas, «não gosto de usar o adjetivo “profético”, embora seja muito usado. Prefiro o substantivo: profecia. Vivemos uma crise de substantivos, optando muito frequentemente pelos adjetivos. Não profético, mas profecia. Espírito, atitude acolhedora, aberta e com profecia no coração».

O Pontífice dirigiu-se sobretudo aos bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais, mas o seu discurso é importante e precioso para todo o povo fiel de Deus. E especificou também o que entende por acolhimento aberto à profecia: «Trata-se de aprender a reconhecer os sinais da presença de Deus na realidade, mesmo onde esta não nos pareça marcada explicitamente pelo espírito cristão e venha ao nosso encontro sob a forma de desafio ou de interpelação. E simultaneamente trata-se de interpretar tudo à luz do Evangelho, mas sem se mundanizar, como arautos e testemunhas da profecia cristã».

O Papa convida-nos, novamente, a ler e reler a realidade que nos rodeia e, com ela, a nossa vida. Nesta tarefa, que é essencial para captar os sinais da presença de Deus («procurar e encontrar Deus em todas as coisas», segundo o ensinamento de Santo Inácio de Loyola), há dois riscos a evitar: a leitura catastrófica e a ingénua, a primeira doente de derrotismo, a segunda contagiada por um conformismo que nos faz «crer que no fundo está tudo bem, que o mundo mudou e é preciso adequar-se. Ora, contra o derrotismo catastrófico e o conformismo mundano, o Evangelho dá-nos olhos novos, dá-nos a graça do discernimento para nos embrenharmos no nosso tempo com uma atitude acolhedora, mas também com um espírito de profecia». Graças a esta atitude «podemos ver as tempestades que às vezes se abatem sobre o nosso mundo, as rápidas e contínuas mudanças da sociedade e a própria crise de fé do Ocidente com um olhar que não cede à resignação nem perde de vista a centralidade da Páscoa: isto é, Cristo ressuscitado, centro da história, é o futuro.

Apesar de permeada pela fragilidade, a nossa vida está firmemente colocada nas mãos d’Ele». Esta certeza é a base sobre a qual se constrói a comunhão eclesial, que é o «primeiro trabalho pastoral», continuou o Papa, convidando bispos, sacerdotes e religiosos a viverem numa dimensão sinodal, um objetivo elevado mas possível se dermos espaço à «caridade fraterna». E exclamou: «Superemos as divisões humanas, para trabalhar juntos na vinha do Senhor! Mergulhemos no espírito do Evangelho, enraizemo-nos na oração, especialmente na adoração e na escuta da Palavra de Deus».

Mais uma vez o Papa Francisco expressou o seu sonho de Igreja: «Esta é a Igreja que devemos sonhar: uma Igreja capaz de mútua escuta, de diálogo, de atenção aos mais frágeis; uma Igreja acolhedora de todos, uma Igreja corajosa em levar a cada um a profecia do Evangelho».

É a descrição do que é e deveria ser o processo sinodal que o Papa Francisco iniciou e está a acompanhar com mão firme e paciente. Por conseguinte, o Sínodo é, antes de mais, profecia. Mas é também oração. Talvez isto possa parecer estranho, mas não certamente para os católicos, para quem toda a vida é, de facto, oração, essa força capaz de transformar o mundo, segundo a expressão de Kierkegaard, para o qual um monge orante na sua cela é a alavanca que levanta o mundo.

Há apenas três dias, falando aos jornalistas durante o encontro sobre as novidades na composição da assembleia sinodal, o cardeal Mario Grech pediu para «não ir atrás dos votos» porque «o Sínodo é um discernimento, uma oração».

Recordando o cardeal Mindszenty, o Papa citou um ditado popular: «Se houver um milhão de húngaros em oração, não terei medo do futuro». E concluiu sublinhando o essencial: «Sede acolhedores, sede testemunhas da profecia do Evangelho, mas sobretudo sede mulheres e homens de oração, porque a história e o futuro dependem disto».

Andrea Monda