Viagem do Pontífice à Hungria

Capazes de falar com a vida
a linguagem da caridade

 Capazes de falar com a  vida  a linguagem da caridade   POR-018
04 maio 2023

Com os pobres e os refugiados o Papa recordou que a fé faz ir ao encontro dos outros


Depois da visita ao instituto Beato László Batthyány-Strattmann, na manhã de 29 de abril, o Papa foi à igreja de Santa Isabel da Hungria, em Budapeste, onde teve lugar o encontro com os pobres e os refugiados. Eis o texto do discurso pronunciado pelo Pontífice.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Estou feliz por me encontrar aqui no vosso meio. Obrigado, D. Antal, pelas suas palavras de boas-vindas e por ter recordado o generoso serviço que a Igreja húngara realiza pelos pobres e com os pobres. Os pobres e os necessitados — nunca o esqueçamos — estão no coração do Evangelho: de facto, Jesus veio «anunciar a Boa Nova aos pobres» (Lc 4, 18). Assim eles indicam-nos um desafio apaixonante, para que a fé que professamos não fique prisioneira de um culto distante da vida, nem se torne presa de uma espécie de «egoísmo espiritual», isto é, de uma espiritualidade que eu mesmo construo à medida da minha tranquilidade interior e da minha satisfação. A verdadeira fé, pelo contrário, é aquela que desinquieta, que arrisca, que faz sair ao encontro dos pobres e nos torna capazes de falar com a vida a linguagem da caridade. Como afirma São Paulo, podemos falar muitas línguas, possuir ciência e riquezas, mas se não tivermos caridade nada temos e nada somos (cf. 1 Cor 13, 1-13).

A linguagem da caridade. Foi a língua falada por Santa Isabel, por quem este povo tem grande devoção e estima. Ao chegar a esta manhã, vi na praça a sua estátua, com o pedestal que a representa enquanto recebe o cordão da ordem franciscana e, contemporaneamente, oferece água a um pobre para lhe matar a sede. É uma imagem estupenda da fé: quem «se une a Deus», como fez São Francisco de Assis a quem se inspirou Isabel, abre-se à caridade para com o pobre, porque, «se alguém disser “Eu amo a Deus” mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4, 20). Santa Isabel, filha de um rei, crescera no conforto da vida de corte, num ambiente luxuoso e privilegiado; e contudo, tocada e transformada pelo encontro com Cristo, bem depressa sentiu que devia rejeitar as riquezas e vaidades do mundo, advertindo o desejo de se despojar delas e cuidar dos necessitados. Assim, não só gastou os seus bens, mas também a sua vida a favor dos últimos, dos leprosos, dos doentes até ao ponto de tratar deles pessoalmente e carregá-los às costas. Esta é a linguagem da caridade.

Disto mesmo nos falou Brigitta, a quem agradeço pelo seu testemunho. Tantas privações, tanto sofrimento, tanto trabalho duro para procurar seguir em frente e não deixar faltar o pão aos filhos e, no momento mais dramático, o Senhor veio ao seu encontro para a ajudar. Mas — ouvimo-lo da sua própria boca — como interveio o Senhor? Ele, que escuta o clamor de quem é pobre, «salva os oprimidos, dá pão aos que têm fome, (...) levanta os abatidos» (Sl 146, 7.8), quase nunca resolve os nossos problemas lá do alto, mas aproxima-se com o abraço da sua ternura inspirando a compaixão de irmãos que se apercebem e não ficam indiferentes. Foi o que nos disse Brigitta: pôde experimentar a proximidade do Senhor graças à Igreja greco-católica, a tantas pessoas que se prodigalizaram para a ajudar, encorajar, encontrar um emprego e sustentá-la nas necessidades materiais e no caminho da fé. Eis o testemunho que nos é pedido: a compaixão para com todos, especialmente por quantos estão marcados pela pobreza, a doença e o sofrimento. Compaixão significa «padecer com». Precisamos de uma Igreja que fale fluentemente a linguagem da caridade, idioma universal que todos escutam e compreendem, mesmo os mais afastados, mesmo aqueles que não acreditam.

E a propósito exprimo a minha gratidão à Igreja húngara pelo empenho posto na caridade, um empenho capilar: criastes uma rede que liga muitos agentes pastorais, muitos voluntários, as cáritas paroquiais e diocesanas, mas também grupos de oração, comunidades de crentes, organizações pertencentes a outras Confissões, mas unidas na comunhão ecuménica que brota precisamente da caridade. E obrigado pela forma como acolhestes — não só com generosidade, mas até com entusiasmo — tantos refugiados da Ucrânia. Escutei emocionado o testemunho de Oleg e sua família; a vossa «viagem rumo ao futuro» — um futuro diferente, longe dos horrores da guerra — na verdade começou com uma «viagem na memória», porque Oleg recordou o caloroso acolhimento recebido na Hungria há alguns anos, quando veio trabalhar como cozinheiro. A recordação daquela experiência encorajou-o a partir com a sua família vindo para Budapeste, onde encontrou generosa hospitalidade. A lembrança do amor recebido reacende a esperança, encoraja a empreender novos caminhos de vida. Com efeito, mesmo na tribulação e no sofrimento, encontra-se coragem para continuar quando se recebeu o bálsamo do amor: e esta é a força que ajuda a acreditar que nem tudo está perdido e que é possível um futuro diferente. O amor que Jesus nos dá e nos manda viver ajuda assim a erradicar, da sociedade, das cidades e lugares onde vivemos, os males da indiferença (a indiferença é como uma peste!) e do egoísmo, e reacende a esperança de uma humanidade nova, mais justa e fraterna, onde todos possam sentir-se em casa.

Infelizmente, também aqui muitas pessoas estão literalmente privadas de um teto: muitas irmãs e irmãos marcados pela fragilidade — sozinhos, com várias limitações físicas e mentais, destruídos pelo veneno das drogas, saídos da prisão ou abandonados porque idosos — são afetados por formas graves de pobreza material, cultural e espiritual, e não têm um teto e uma casa para morar. Zoltàn e sua esposa Anna ofereceram-nos o seu testemunho acerca desta grande chaga: obrigado pelas vossas palavras. E obrigado por terem acolhido aquela moção do Espírito Santo que vos levou, com coragem e generosidade, a construir um centro para acolher pessoas sem teto. Impressionou-me ouvir que, juntamente com as necessidades materiais, prestais atenção à história e à dignidade ferida das pessoas, ocupando-vos da sua solidão, da sua dificuldade em sentir-se amadas e acolhidas no mundo. Anna disse-nos que «é Jesus, a Palavra viva, que cura os seus corações e as suas relações, porque a pessoa reconstrói-se a partir de dentro»; isto é, renasce quando experimenta que, aos olhos de Deus, é amada e abençoada. Isto vale para toda a Igreja: não basta dar o pão que alimenta o estômago, é preciso nutrir o coração das pessoas! A caridade não é mera assistência material e social, mas preocupa-se com a pessoa inteira e deseja reerguê-la com o amor de Jesus: um amor que ajuda a readquirir beleza e dignidade.

Praticar a caridade significa ter a coragem de fixar nos olhos. Não podes ajudar o outro, voltando a cara para o lado oposto. Para praticar a caridade, é preciso ter a coragem de tocar: não podes deitar a esmola de longe, sem tocar. Tocar e fixar nos olhos. E assim, tocando e olhando, começas um caminho, um caminho com aquela pessoa necessitada, que te fará compreender quão necessitado, quão necessitada és tu próprio do olhar e da mão do Senhor.

Irmãos e irmãs, encorajo-vos a falar sempre a linguagem da caridade. A estátua, nesta praça, representa o milagre mais famoso de Santa Isabel: conta-se que o Senhor uma vez transformou em rosas o pão que ela levava aos necessitados. O mesmo se dá convosco, quando vos empenhais em levar o pão aos famintos, o Senhor faz florescer a alegria e perfuma a vossa existência com o amor que dais. Irmãos e irmãs, faço votos de que possais levar sempre o perfume da caridade à Igreja e ao vosso país. E peço-vos, por favor, que continueis a rezar por mim.