O Papa aos participantes na peregrinação de ação de graças pela beatificação de Armida Barelli

Uma imagem nova de mulher

 Uma imagem nova de mulher  POR-017
27 abril 2023

Formidável precursora do tema da liderança feminina na Igreja e na sociedade


Formidável precursora do tema da liderança feminina, Armida Barelli propôs uma imagem nova de mulher, protagonista na Igreja e na sociedade, disse o Papa Francisco aos participantes na peregrinação, um ano depois da beatificação da militante da Ação católica, cofundadora da Universidade católica do sagrado Coração, recebidos na manhã de 22 de abril, na praça de São Pedro.

Estimados irmãos e irmãs
bom dia!

Estou feliz por terdes vindo tão numerosos para dar graças ao Senhor pela Beatificação de Armida Barelli, ocorrida há um ano em Milão. Agradeço à responsável dos jovens da Ação Católica, que se fez “porta-voz” de todos, ou seja, das três realidades que promoveram a causa de beatificação: a Universidade Católica do Sagrado Coração, a Ação Católica Italiana e as Missionárias da Realeza de Cristo.

Dirijo-me em primeiro lugar a vós, da Universidade Católica. Armida Barelli está entre os fundadores e disto podemos traçar uma primeira caraterística da sua figura: foi uma mulher generativa. Reflitamos por um momento sobre este aspeto.

A mulher é guardiã privilegiada da generatividade — bem o sabemos — que se pode realizar graças ao diálogo de reciprocidade com o homem. Armida Barelli foi tecedora de grandes obras, e fê-lo realizando uma formidável trama de relações, viajando por toda a Itália e entrando em contacto com todos. É quanto documentam as suas numerosas missivas, cheias de paixão. Infelizmente, hoje não faltam impulsos contrários, ou seja, degenerativos. São muito prejudiciais para a vida familiar, mas também se podem observar a nível social, nas polarizações e nos extremismos que não deixam espaço ao diálogo e têm efeito desumanizador. Não deixar espaço ao diálogo: pensemos um pouco sobre isto!

Também a respeito do tema da liderança feminina nos âmbitos eclesial e social — da qual Armida Barelli pode ser considerada uma formidável precursora — precisamos de um modelo integrado, que combine competência e desempenho, muitas vezes associados ao papel masculino, com o cuidado dos vínculos, a escuta, a capacidade de mediar, de trabalhar em rede e de cultivar relações, por muito tempo consideradas como prerrogativa do género feminino e muitas vezes subestimadas no seu valor produtivo. Em síntese, também aqui é a integração, a reciprocidade das diferenças, que garante a generatividade inclusive na sociedade e no trabalho. Trata-se de uma tarefa confiada de modo especial à Universidade Católica do Sagrado Coração, cujo 99º Dia nacional será celebrado amanhã, sobre o tema: “Por amor ao conhecimento. Os desafios do novo humanismo”. Hoje esta grande instituição académica é chamada a ter o mesmo impulso educativo e a mesma engenhosidade formativa que orientaram o Padre Agostino Gemelli e a Beata Armida Barelli.

Em particular, Armida Barelli, através do Ateneu, contribuiu para formar a consciência civil em centenas de milhares de jovens, incluindo muitas mulheres. Um trabalho que se tornará particularmente visível quando, terminada a guerra, chegar a hora de reconstruir o país, iniciando um processo democrático. Ainda hoje precisamos de mulheres que, guiadas pela fé, sejam capazes de deixar um sinal na vida espiritual, na educação e na formação profissional.

Obrigado, amigos da Universidade Católica do Sagrado Coração! Que a Beata Armida continue a inspirar o vosso trabalho!

Dirijo-me agora a vós, irmãos e irmãs da Ação Católica, e gostaria de destacar um segundo traço da Beata: o primeiro traço era a generatividade, o segundo traço da Beata é ser apóstola. É diferente, é algo diverso. Pode-se gerar coisas, sem ser apóstolo; Armida Barelli gerava e foi apóstola.

Sabemos que o Reino de Deus germina, cresce e dá frutos continuamente, em toda a parte: a vida de Armida Barelli expressa esta dinâmica e permite-nos contemplar como o Senhor realiza maravilhas, quando as pessoas se tornam disponíveis e dóceis à sua vontade, comprometendo-se com humildade, criatividade e engenhosidade. A sua biografia narra grande perseverança em procurar permanecer com o Senhor, como um ramo na videira, e mostra o seu desejo de partilhar esta experiência com muitos outros. Permanecer no Senhor, como um ramo na videira!

Armida escreve que, depois de aceitar a proposta do Papa, de fundar a Juventude Feminina na Itália, sente “que já não pertence a si própria”, que deve fazer da sua existência um dom aos outros, deve ser ela própria “uma missão”, para além dos seus limites e imperfeições. Com efeito, «a nossa imperfeição não deve ser uma desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante a não descansar na mediocridade e a continuar a crescer» (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 121). Ressoa assim, ainda hoje, o convite da Beata a não se contentar com viver de modo acomodado, adaptando-se a compromissos e autoabsolvições — “não consigo”, “não estou à altura”, “não tenho tempo” e assim por diante — mas a viver como apóstolo da e na alegria.

Ser apóstola e apóstolo significa ser leiga e leigo com paixão, apaixonado pelo Evangelho e pela vida, cuidando da boa vida de todos e construindo percursos de fraternidade para dar alma a uma sociedade mais justa, inclusiva e solidária. E é importante fazer tudo isto juntos, na beleza de uma experiência associativa que, por um lado, treina para saber ouvir e dialogar com todos e, por outro, exprime aquele “nós maior” que educa para a vida eclesial, a vida de um povo que caminha unido.

Nos âmbitos da economia, da cultura, da política, da escola e do trabalho, na atenção constante aos mais pequeninos, aos frágeis e aos pobres, encorajo-vos a procurar vias para caminhar com todos, em busca da paz e da justiça. Foi o que fez a Beata Armida Barelli no seu tempo, com espírito de total confiança no Senhor e com estilo marcado pela realidade.

No coração da vida associativa deve haver sempre uma formação integral, e no coração da formação, a espiritualidade evangélica. Que o estar enraizados e ser dedicados à vida das vossas Igrejas locais alimente sempre em vós o impulso missionário, para dilatar ainda mais o vosso coração e o vosso olhar contemplativo sobre o mundo. Aceitemos a exortação da Beata Armida, a “irmã mais velha”, a amar, amar, amar sem medida, regenerados pelo amor de Deus, que transforma a vida das pessoas, de modo concreto e credível, e através das pessoas atue processos e caminhos de renovação social. Obrigado, membros da Ação Católica!

E agora dirijo-me às Missionárias da Realeza de Cristo, e assim podemos destacar em Armida o seu ser consagrada no mundo.

A consagração secular é uma vocação, uma vocação exigente. A aprovação dos Institutos seculares por parte de Pio xii , com a Provida Mater Ecclesia, foi uma escolha revolucionária na Igreja, um sinal profético. E desde então é enorme o bem que se faz à Igreja, dando corajosamente o vosso testemunho no mundo.

A consagração secular é paradigma de um novo modo de viver como leigos no mundo: leigos capazes de discernir as sementes do Verbo nos meandros da história, empenhados em animá-la a partir de dentro como fermento, capazes de valorizar os germes do bem presentes nas realidades terrenas como prelúdio do Reino que há de vir, promotores dos valores humanos, tecelões de relações, testemunhas silenciosas e ativas da radicalidade evangélica. São Paulo vi dizia: «Se permanecerem fiéis à vocação que lhes é própria, os Institutos seculares tornar-se-ão como que o “laboratório experimental” em que a Igreja averiguará as modalidades concretas das suas relações com o mundo».1

Queridas irmãs, o vosso é um Instituto secular feminino, e isto põe em causa as mulheres e a sua vocação peculiar na Igreja e no mundo. A Beata Armida, com esta forma de vida, promoveu-as de modo novo, a exemplo de tantas mulheres testemunhas do Evangelho ao longo dos séculos. O modelo que propôs também na vida consagrada é uma nova imagem de mulher, não a “tutelar” e pôr de lado, mas a enviar para construir o Reino, dando-lhe confiança.

Armida soube ler os sinais dos seus tempos e as necessidades mais urgentes: pensemos na necessidade de um renovado cuidado da espiritualidade; pensemos na formação e na chamada ao compromisso a favor das jovens; pensemos no desafio educacional e no sonho de uma universidade católica na Itália; pensemos na paixão pelo mundo, a partir da certeza da universalidade da mensagem de Cristo. Para Armida Barelli estas necessidades foram terreno de compromisso e de missão.

Assim ela antecipou os tempos do Concílio Vaticano ii , pondo em prática um estilo comunitário em que mulheres e homens, jovens e adultos, leigos e sacerdotes, colaboram juntos para a finalidade apostólica da Igreja, todos juntos protagonistas da mesma missão em virtude do Batismo. Muitas vezes temos dificuldade de enveredar por um caminho de compromisso, pois pensamos que nunca estamos à altura, nas escolhas pessoais e de serviço à comunidade. Se Armida falasse aqui hoje, dir-nos-ia que se nos confiarmos ao Senhor nada é impossível. Confiar-se a Ele não é uma delegação, é um ato de fé que dá vigor e ímpeto à esperança e à ação. Por isso, obrigado também a vós, Missionárias da Realeza de Cristo!

Caros irmãos e irmãs, a Beata Armida reuniu-nos e ajudou-nos a reconhecer estes traços essenciais do ser cristão hoje: a generatividade, o ser apóstolo e a consagração no mundo. Generatividade, apostolado e consagração no mundo. Cada um pode seguir o seu exemplo de acordo com a própria vocação: é uma riqueza para todos nós, para toda a Igreja. Por isso, muito obrigado por este encontro! Abençoo todos vós e peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

1 Discurso ao Conselho Executivo da Conferência Mundial dos Institutos Seculares (em francês, 25 de agosto de 1976).