Mensagem para a festa do Vesak 2023

Budistas e cristãos unidos para curar as feridas da humanidade e da Terra com “Karuna” e “Ágape”

 Budistas e cristãos unidos para curar as feridas da humanidade  e da Terra com “Karuna” e “Ágape”  ...
27 abril 2023

«Budistas e cristãos: curar as feridas da humanidade e da Terra com “Karuna” e “Ágape”»: eis o tema da mensagem — datada de 16 de abril e divulgada no dia 21 — do Dicastério para o diálogo inter-religioso aos budistas do mundo inteira por ocasião da festa anual do Vesak, que comemora os principais acontecimentos da vida de Buda. Publicamos a seguir a mensagem, assinada pelo prefeito, cardeal Miguel Ángel Ayuso Guixot, e pelo secretário, monsenhor Indunil Janakaratne Kodithuwakku Kankanamalage.

Prezados amigos budistas!

Este Dicastério, antes conhecido como Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, transmite-vos as suas cordiais saudações por ocasião do Vesak, um momento de festa em que se celebra o nascimento, a iluminação e a morte de Buda. Possa esta festa inspirar-vos mais uma vez a continuar a vossa busca de compreensão da natureza do duhkha, das condições que o causam e do modo como poder superá-lo.

A vida tem a sua porção de sofrimentos e de feridas, e as ocasiões de festa podem proporcionar a distância necessária da nossa rotina diária para os enfrentar com renovada consciência. A maior capacidade de comunicação do mundo globalizado de hoje tornou-nos conscientes de que os problemas que enfrentamos não são isolados, mas constituem o resultado de tensões e males que atingem a humanidade inteira. As feridas que afligem o mundo são numerosas: a pobreza, a discriminação e a violência; a indiferença em relação aos pobres; a escravidão derivante de modelos de desenvolvimento que não respeitam a pessoa humana e a natureza; o ódio motivado e alimentado por extremismos religiosos e nacionalistas; e, acima de tudo, uma atitude de desespero em relação à vida, que se manifesta através de vários tipos de ansiedade e dependência. Todas estas realidades revelam dolorosamente a nossa comum vulnerabilidade.

A clara consciência desta vulnerabilidade compartilhada exige novas formas de solidariedade, plasmadas pelas nossas respetivas tradições religiosas, nas quais procuramos «respostas aos enigmas não resolvidos da condição humana, que agitam profundamente o coração dos homens» (cf. Nostra aetate, 1). Dado que somos uma única família humana, todos estamos ligados uns aos outros como irmãos e irmãs, coabitantes interdependentes da Terra. Navegamos no mesmo barco, «onde os problemas de uma pessoa são os problemas de todos. Mais uma vez, compreendemos que ninguém se salva sozinho; só podemos salvar-nos juntos» (Papa Francisco, Fratelli tutti, 32). Por este motivo, consideramos oportuno recordar a potencialidade das nossas respetivas tradições religiosas, para oferecer remédios capazes de curar as nossas graves feridas e as das nossas famílias, das nossas nações e do nosso planeta.

Caros amigos budistas, ofereceis a cura encarnando Karuna — a compaixão para com todos os seres, ensinada por Buda (Sutta Nipata 1.8; Sutta Nipata 2.4), ou agindo abnegadamente como Bodissatva, que renunciou a entrar no Nirvana e permaneceu no mundo a fim de trabalhar para aliviar o sofrimento de todos os seres, até à sua libertação. Buda descreve assim a pessoa totalmente informada por Karuna: «Habita com a mente acompanhada de compaixão, fundindo uma direção. Também uma segunda direção. Também uma terceira direção. Também uma quarta direção. Assim acima, abaixo, ao redor, em toda a parte, identificando-se com todos, habita fundindo o mundo de todos (os seres) com a mente acompanhada de compaixão, prolongada, sublime, ilimitada, sem inimizade, sem má vontade» (Abhidhamma Pitakaya Vibhanga b). Aqueles que habitam com a mente acompanhada de compaixão oferecem um antídoto contra as crises globais que mencionamos, oferecendo uma compaixão completa em resposta a males generalizados e interligados.

Do mesmo modo, para os cristãos não há remédio mais eficaz do que a prática do Ágape (amor abnegado), a grande herança que Jesus deixou aos seus seguidores. Jesus oferece aos seus discípulos o dom do amor divino — o Ágape — e ensina-os a amar-se uns aos outros (cf. João 15, 13). Ele cita o exemplo de um homem que se esforçou para curar um forasteiro, inimigo do seu povo, que fora vítima de salteadores: «Um samaritano caminhava e chegou ao lugar onde estava aquele homem; quando o viu, encheu-se de compaixão por ele; aproximando-se ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; depois, colocou-o sobre a própria cavalgadura, conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele» (Lucas 10, 33-34). O samaritano demonstra uma proximidade concreta em relação à pessoa necessitada.

Gostaria de reiterar o apelo do Papa Francisco a servir o próximo com compaixão, a amar concreta, não abstratamente, com um amor que «é graça, generosidade, desejo de proximidade e não hesita em oferecer-se e sacrificar-se pelas criaturas amadas. A caridade, o amor é partilhar em tudo o destino da pessoa amada. O amor torna semelhantes, cria igualdade, derruba muros e distâncias» (Mensagem para a Quaresma 2014). Do mesmo modo, a ênfase dada por Buda ao treino do coração é particularmente preciosa quando avançamos juntos nos nossos esforços para favorecer a cura: «Desenvolvei a meditação sobre a compaixão, pois quando desenvolverdes a meditação sobre a compaixão, toda a crueldade será abandonada» (Maharahulovada Suttamn 62).

Esforcemo-nos por viver com mais amor e compaixão e trabalhemos juntos para construir um mundo mais justo, pacífico e unido. Que possais «irradiar amor ilimitado pelo mundo inteiro — acima, abaixo e através — sem obstáculos, sem má vontade, sem inimizade» (Karaniya Metta Sutta, Sn. 1.8). E que possais beneficiar, caros irmãos e irmãs budistas, de abundantes bênçãos e da alegria de contribuir para a cura das feridas da sociedade e da Terra, a nossa casa comum.