Repetidores do Evangelho

 Ripetitori del Vangelo  QUO-084
13 abril 2023

Há uma palavra que o Papa Francisco usa com moderação, pois conhece o seu valor e preserva-o no mundo contemporâneo, que muitas vezes consome palavras abusando delas e, portanto, esvaziando-as do significado; uma palavra que, embora seja raramente pronunciada, esconde de modo discreto dentro e por baixo como que uma fonte subterrânea de muitos gestos e discursos papais, e esta palavra é humildade. Uma virtude que, à sua maneira, é “fugaz” a ponto de não ser contemplada nos elencos clássicos, uma virtude ambígua que é difícil de compreender e fácil de interpretar mal, um pouco fugidia e paradoxal, pois quando pensamos que a temos, é precisamente o momento em que a perdemos. Há que concordar com o jesuíta François Varillon que, no início do seu ensaio A humildade de Deus, afirma que «só Deus é humilde. O homem não o é, exceto na medida em que reconhece a própria impotência de o ser», o “sucesso” da humildade coincide com o seu fracasso.

Nos dias da Semana Santa a virtude da humildade sobressaiu porque este é por excelência “o tempo do paradoxo”. No domingo passado pudemos recordar a entrada de Jesus em Jerusalém, uma entrada “triunfal” e ao mesmo tempo montado numa jumenta. Na manhã de Quinta-Feira Santa, na sua longa homilia dirigida aos sacerdotes durante a missa crismal, o Papa Francisco salientou que o presbítero deve ter um perfume que não é seu, mas do Espírito, motivo pelo qual devemos acolhê-lo «não sobre o entusiasmo dos nossos sonhos, mas sobre a fragilidade da nossa realidade. É uma unção que faz a verdade nas profundezas, que permite ao Espírito ungir as nossas fraquezas, os nossos cansaços, as nossas pobrezas interiores. Então, a unção volta a perfumar: d’Ele, não de nós. O caminho para isto é admitir a verdade da própria debilidade».

São Paulo vi deu uma definição eficaz: humildade é verdade, ou seja, passa pelo reconhecimento dos próprios limites, pois o homem é feito de barro, de terra (em latim humus, do qual derivam humanitas e humilitas). Ainda na homilia de Quinta-Feira Santa, o Papa falou precisamente do «Espírito da verdade» de que fala o Evangelho de João, que «nos impele a olhar para dentro de nós mesmos até ao fundo, a perguntar-nos: a minha realização depende da minha bondade, do papel que desempenho, dos elogios que recebo, da carreira que faço, dos superiores ou dos colaboradores que tenho, dos confortos que me posso garantir, ou da unção que perfuma a minha vida?».

A 10 de janeiro de 1942, numa carta à sua amiga escritora Gabriella Neri, o padre Primo Mazzolari declara-se tranquilo e explica: «Eis o motivo da minha tranquilidade: não fui eu que escrevi o Evangelho. Sou um seu repetidor». Repetidores do Evangelho, eis a missão e o sentido da existência dos sacerdotes e dos cristãos em geral. A alternativa não é servir o Evangelho, mas usá-lo para os próprios fins, para exercer o poder, e esta opção faz esvaecer todo o alcance inovador que consiste precisamente em ser repetidor. Um ano mais tarde, exatamente em abril de há 80 anos, noutra missiva dirigida a um amigo franciscano, Mazzolari afirma que «o santo é sempre um fermento de ações maravilhosas e pode ser transplantado — ele, não a sua obra — em qualquer época, com iguais frutos de salvação. Não sei se o mesmo se pode dizer das maneiras que usamos para o imitar ou continuar, pois pode acontecer que, em vez de nos comprometermos com Cristo, seguindo o seu exemplo, procuremos derivar normas das suas obras, caindo inevitavelmente no esquema espiritual que, se nos pode dar a ilusão de ter, muito raramente é a novidade e nos torna novidade».

O cristão é um homem novo, ele próprio é aquela novidade que, como “fermento”, uma enzima, estimula e impele o mundo, agita-o e dá-lhe sabor, como o sal; se, no entanto, reduz tal novidade a uma doutrina, a uma lei ou aos resultados das próprias obras, tudo se perde, a fé torna-se um “esquema espiritual” a possuir e aplicar rigidamente em vez de encarnar e viver. Doutrina, lei, glória pelas próprias ações são coisas que nós, homens, fazemos descer soberbamente do alto; portanto, mais uma vez, a humildade é o antídoto certo para todas estas degenerações.

E é também o caminho para a fraternidade e assim para a paz. O mundo está “em pedaços”, estilhaçado, e parece incapaz de encontrar outras respostas que não sejam as das armas, da força. A crise que a dimensão política do Ocidente atravessa é cada vez mais evidente e grave, pelo que um regresso à política com o “p” maiúsculo é tão necessário quão urgente; mas, pode parecer singular, para o conseguir existe a necessidade de humildade, para esta minúscula virtude. Algumas pessoas pensam que a política e a humildade não se conciliam, mas é verdade precisamente o contrário, só as pessoas humildes têm essa liberdade e coragem para ousar percorrer caminhos inexplorados com criatividade. Mais uma vez, a sabedoria de São Paulo vi e as suas palavras dirigidas aos membros da Assembleia geral da onu , a 4 de outubro de 1965, são preciosas: «Não sois iguais, mas aqui fazeis-vos iguais. Pode ser para muitos de vós um ato de grande virtude; permiti que vos diga isto aquele que vos fala, o representante de uma Religião, que atua a salvação através da humildade do seu divino Fundador. Não se pode ser irmão sem ser humilde. E é o orgulho, inevitável como possa parecer, que provoca as tensões e lutas de prestígio, de predominância, do colonialismo do egoísmo; isto é, fragmenta a fraternidade».

Eis, pois, o dom pelo qual rezar nesta Páscoa, a fim de que seja verdadeiramente santa e geradora de paz: que seja uma Páscoa no sinal da humildade!

Andrea Monda