José Mourinho na Gregoriana em diálogo com o cardeal José Tolentino de Mendonça

«O Papa? Um de nós!
Eu treinador “extraordinário” com as crianças Down»

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06 abril 2023

«O Papa Francisco? Um de nós! Quando fui um treinador “extraordinário”? Com as crianças com síndrome de Down, o que eu tinha para oferecer era amor e ofereci-o». O treinador da Roma, José Mourinho, falou de si no diálogo com o cardeal José Tolentino de Mendonça na tarde de 31 de março, na Pontifícia Universidade Gregoriana, por iniciativa do centro “Alberto Hurtado” e da embaixada de Portugal junto da Santa Sé, em vista da Jornada mundial da juventude em Lisboa. Relançando o encontro promovido há um ano por «L’Osservatore Romano», quem moderou o diálogo foi o diretor Andrea Monda. Entre os presentes encontrava-se o ministro italiano do Desporto, Andrea Abodi.

“Deu início” o cardeal prefeito do Dicastério para cultura e a educação — protagonista dos “diálogos desportivos”, promovidos com Athletica Vaticana e o Dicastério para a comunicação, que começou a 15 de março com Filippo Tortu — com uma reflexão sobre o «desporto como escola para construir a vida», inspirando-se precisamente no contexto da Gregoriana.

«O segredo da educação é amar, e educar é um exercício de esperança», disse o purpurado, suscitando uma recordação em Mourinho: «Depois da universidade fui ensinar numa escola para crianças com síndrome de Down e não tinha qualquer experiência nem formação. Tive medo. Senti a responsabilidade de ser um jovem de 23 anos sem as devidas aptidões. No final daqueles dois anos, quando parti, as crianças, os colegas e os pais ficaram muito tristes: disseram-me que eu tinha sido um professor “extraordinário”. Pois a única coisa que eu tinha para oferecer era amor e ofereci-o. Foi o amor que me tornou “extraordinário” e que me levou a fazer algo fantástico pela sua formação. Estabeleci uma relação com aquelas crianças que ainda hoje vejo em Portugal».

O diálogo sobre o Papa Francisco foi particularmente intenso. O cardeal confidenciou que se sente impressionado com o «modo de pensar, por imagens» do Pontífice, com a sua «capacidade de proximidade» e com o seu convite para ir «em frente!». Por sua vez, Mourinho recorreu à gíria do futebol: «O Papa Francisco? Um de nós! Fala de modo que todos compreendam, e a mensagem chega sempre».

Solicitado pelas reflexões do cardeal sobre o valor da experiência desportiva — para a Santa Sé, proposta por Athletica Vaticana — Mourinho falou de uma «indústria» que já não deixa qualquer escapatória ao «futebol de base»: «Infelizmente, o meu desporto é um mundo diferente do desporto que queremos para os nossos filhos. O desporto de alto rendimento é cruel. Não há espaço para os mais fracos. O objetivo é muito claro para nós, profissionais: vencer! Os objetivos são muito claros também para os proprietários e para as pessoas que controlam o aspeto financeiro».

Para Mourinho, «o desporto de que as crianças precisam é outro, mas já não existe. Acima de tudo, os pais devem compreendê-lo, pois muitas vezes são precisamente eles, com as suas ambições e frustrações, que levam os jovens à crueldade. Há pais que dizem aos jovens para não passar a bola a um companheiro porque, caso contrário, marcará mais golos do que ele. É crueldade!». Com nostalgia, o treinador recordou a amizade com os jovens que treinava há mais de 40 anos e que ainda hoje estão próximos e se ajudam uns aos outros: um deles é o seu assistente. Com esse modelo de futebol «aprendia-se mais do que em casa: empatia, solidariedade, busca da alegria de vencer, saber que a derrota não é o início, mas o fim de um período difícil».

O cardeal e o treinador, ambos portugueses, fizeram referência ao pensamento do filósofo Manuel Sérgio, seu compatriota. «Ensina-nos a encontrar o sentido no desporto», reconheceu o purpurado. «Disse-me: “Não és um treinador de futebolistas, mas um treinador de jovens que jogam futebol”», completou Mourinho.

Os temas abordados na segunda parte do diálogo foram a realidade dos jovens — o cardeal apresentou a essência da Jmj de Lisboa — na relação intergeracional, o «sentido do fracasso» e a «fragilidade», com ênfase a um «novo humanismo pelo desporto». «Mas o que é o fracasso?», concluiu Mourinho. «No meu caso, é perder um jogo? O verdadeiro fracasso é ter capacidades inatas e não conseguir desenvolvê-las, e depois chegar a dizer “eu podia, mas não consegui”. Quem tem a coragem de fazer, de desafiar, nunca experimenta o fracasso».