Multiplicar os “focos de misericórdia” para derrotar o ódio e o mal

«No mundo, infelizmente, vemo-lo todos os dias, não faltam focos de ódio e de vingança»: é por isso que os confessores são chamados a «multiplicar os “focos de misericórdia”». Foi a recomendação do Papa Francisco aos participantes no xxxiii curso sobre o Foro íntimo que se realizou em Roma de 20 a 24 de março por iniciativa da Penitenciaria Apostólica. Ao recebê-los em audiência esta manhã, quinta-feira 23, na Sala Paulo vi , o Pontífice proferiu o seguinte discurso.

Caros irmãos,
bom dia e bem-vindos!

Obrigado por terdes vindo por ocasião do Curso anual sobre o Foro Íntimo, organizado pela Penitenciaria Apostólica, agora na sua xxxiii edição. Agradeço ao Cardeal Mauro Piacenza, Penitenciário-Mor, e agradeço-lhe pelas suas palavras de cortesia e pelo que faz; digo o mesmo ao Regente, Mons. Nykiel, que trabalha tão arduamente, aos Prelados, Oficiais e Pessoal da Penitenciaria — obrigado a todos! —, aos Colégios dos Penitenciários das Basílicas papais e a todos vós que estais a participar no curso.

Há mais de três décadas que a Penitenciaria Apostólica oferece este importante e válido momento de formação, a fim de contribuir para a preparação de bons confessores, plenamente conscientes da importância do ministério ao serviço dos penitentes. Renovo à Penitenciaria a minha gratidão e o meu encorajamento para que continue este compromisso de formação, que tanto bem faz à Igreja porque ajuda a fazer circular nas suas veias a seiva da misericórdia. É bom sublinhar isto. O Cardeal repetiu-o muitas vezes: a seiva da misericórdia. Se alguém não tiver vontade de ser dispensador da misericórdia recebida de Jesus, não vá ao confessionário. Numa das Basílicas papais, por exemplo, disse ao Cardeal: “Há alguém que ouve e repreende, repreende e depois dá-lhe uma penitência que não pode cumprir...”. Por favor, não pode ser assim: não. Misericórdia: estás lá para perdoar e para dizer uma palavra para que a pessoa possa seguir em frente renovada pelo perdão. Estás lá para perdoar: põe isso no teu coração.

A Exortação Apostólica Evangelii gaudium diz que a Igreja em saída «vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva» (n. 24). Existe, portanto, uma ligação inseparável entre a vocação missionária da Igreja e a oferta de misericórdia a todos os homens. Ao viver da misericórdia e ao oferecê-la a todos, a Igreja realiza-se e cumpre a sua ação apostólica e missionária. Quase poderíamos dizer que a misericórdia está incluída nas “notas” características da Igreja, em particular faz brilhar a santidade e a apostolicidade.

Desde tempos imemoráveis, a Igreja, com estilos diferentes nas várias épocas, tem expressado esta sua “identidade de misericórdia”, dirigida tanto ao corpo como à alma, desejando, com o seu Senhor, a salvação integral da pessoa. E a obra da misericórdia divina coincide assim com a própria ação missionária da Igreja, com a evangelização, pois nela transparece a face de Deus, tal como Jesus no-la mostrou.

Por esta razão não é possível, especialmente durante este tempo de Quaresma, deixar esmorecer a atenção ao exercício da caridade pastoral, que se exprime de forma concreta e eminente precisamente na plena disponibilidade dos sacerdotes, sem reservas, para o exercício do ministério da reconciliação.

A disponibilidade do confessor manifesta-se em certas atitudes evangélicas. Em primeiro lugar, no acolhimento de todos sem preconceitos, porque só Deus sabe o que a graça pode fazer no coração, em qualquer momento; depois, na escuta dos irmãos com o ouvido do coração, ferido como o coração de Cristo; na absolvição dos penitentes, dispensando generosamente o perdão de Deus; no acompanhamento do percurso penitencial, sem forçar, acompanhando os fiéis, com paciência e oração constante.

Pensemos em Jesus, que diante da mulher adúltera escolhe permanecer em silêncio, para a salvar de ser condenada à morte (cf. Jo 8, 6); assim também o sacerdote no confessionário deve amar o silêncio, ser magnânimo de coração, sabendo que cada penitente o chama à sua condição pessoal: ser pecador e ministro de misericórdia. Esta é a vossa verdade; se alguém não se sentir pecador, por favor não vá ao confessionário: pecador e ministro de misericórdia caminham juntos. Esta consciência assegurará que os confessionários não permaneçam abandonados e que os sacerdotes não careçam de disponibilidade. A missão evangelizadora da Igreja passa em grande parte pela redescoberta do dom da Confissão, também em vista do já próximo Jubileu de 2025.

Penso nos planos pastorais das Igrejas particulares, nos quais o serviço de Reconciliação sacramental nunca deveria faltar. Em particular, estou a pensar no penitenciário de cada catedral, nos penitenciários dos santuários; estou a pensar sobretudo na presença regular de um confessor, que dedique bastante tempo, em cada área pastoral, bem como nas igrejas servidas por comunidades de religiosos, que haja sempre o penitenciário à disposição. Sempre, nunca confessionários vazios! “Mas — poder-se-ia dizer — as pessoas não vêm!”: leia algo, reze; mas espere, alguém virá.

Se a misericórdia é a missão da Igreja, e é a missão da Igreja, devemos facilitar ao máximo o acesso dos fiéis a este “encontro de amor”, cuidando dele desde a primeira confissão das crianças e alargando esta atenção aos lugares de cuidado e de sofrimento. Quando já não se pode fazer muito para curar o corpo, pode e deve ser feito sempre muito pela saúde da alma! Neste sentido, a Confissão individual é o caminho privilegiado a seguir, porque favorece um encontro pessoal com a Misericórdia Divina, que todo o coração arrependido espera. Cada coração arrependido aguarda a Misericórdia. Na Confissão individual, Deus quer acariciar pessoalmente cada pecador com a Sua misericórdia: o Pastor, só Ele, conhece e ama as ovelhas uma a uma, especialmente as mais frágeis e feridas. E as celebrações comunitárias devem ser valorizadas em certas ocasiões, sem renunciar às Confissões individuais como uma forma ordinária de celebrar o sacramento.

No mundo, infelizmente, vemo-lo todos os dias, não faltam focos de ódio e vingança. Nós, confessores, devemos então multiplicar os “focos de misericórdia”. Não esqueçamos que estamos numa luta sobrenatural, uma luta que parece particularmente virulenta no nosso tempo, apesar de já conhecermos o resultado final da vitória de Cristo sobre o poder do mal. A luta, porém, ainda existe e esta vitória realiza-se verdadeiramente cada vez que um penitente é absolvido. Nada afasta nem derrota o mal mais do que a misericórdia divina. E sobre isto gostaria de vos dizer uma coisa: Jesus ensinou-nos que nunca se deve conversar com o diabo, nunca! À tentação no deserto Ele respondeu com a Palavra de Deus, mas Ele não entrou em diálogo. No confessionário tomai cuidado: nunca dialogueis com o “mal”, nunca; oferecei o que é justo para o perdão e abri algumas portas para o ajudar a seguir em frente, mas nunca vos façais psiquiatras ou psicanalistas; por favor, não entreis nestas coisas! Se algum de vós tem esta vocação, exerça-a noutro lugar, mas não no tribunal da penitência. Este é um diálogo que não é conveniente ter no momento da misericórdia. Aí basta pensar em perdoar e em como se “desenrascar” para fazer entrar no perdão: “Estás arrependido? — “Não” — “Mas será que isso não te pesa?” — “Não” — “Mas será que te queres arrepender?” — “Talvez”. Há uma porta, deve ser procurada sempre a porta para entrar com o perdão. E quando não se pode entrar pela porta, entra-se pela janela: mas deve-se sempre procurar entrar com o perdão. Com um perdão magnânimo; “que seja a última vez, na próxima não te perdoarei”: não, isto não serve. Hoje é a minha vez, às três horas o confessor vem ter comigo! E outra coisa: pensar que Deus perdoa em abundância. Disse isto no ano passado, mas quero repeti—lo: houve um espetáculo há alguns anos sobre o filho pródigo, ambientado na cultura de hoje, onde o jovem conta as suas aventuras e como deixou a sua casa. E no final ele fala com um amigo, a quem diz sentir saudades do pai e quer voltar para casa. E o amigo aconselha-o a escrever ao pai, perguntando-lhe se o quer receber novamente e, em caso afirmativo, pedindo-lhe que ponha um lenço branco numa janela da casa: esse será o sinal de que será recebido. O espetáculo continua e, quando o jovem se aproxima da casa, vê-a cheia de lenços brancos. A mensagem é a seguinte: abundância. Deus não diz: “Só isto...”; ele diz: “Tudo”! Será Deus ingénuo? Não sei se ele é ingénuo, mas é abundante: ele perdoa sempre mais, sempre! Conheci bons confessores e o bom confessor sabe sempre como lá chegar.

Estimados irmãos, sei que amanhã, no final do Curso, tereis uma celebração penitencial. Isto é bom e significativo: acolher pessoalmente e celebrar o dom que somos chamados a levar aos nossos irmãos e irmãs; experimentar a ternura do amor misericordioso de Deus. Ele nunca se cansa de nos mostrar o Seu coração misericordioso. Ele nunca se cansa de perdoar. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão, mas Ele nunca se cansa.

Acompanho-vos com a oração e agradeço à Penitenciaria o trabalho que incansavelmente faz pelo Sacramento do Perdão. E convido-vos a redescobrir, aprofundar teologicamente e difundir pastoralmente — também em vista do Jubileu — aquela extensão natural da misericórdia que são as indulgências, de acordo com a vontade do Pai celeste de nos ter sempre e só com Ele, tanto nesta vida como na vida eterna.

Obrigado pelo vosso compromisso diário e pelos rios de misericórdia que, como humildes canais, derramais e derramareis no mundo, para extinguir os fogos do mal e acender o fogo do Espírito Santo. Abençoo-vos a todos de coração. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!