Entrevista ao arcebispo Scicluna secretário adjunto do Dicastério para a doutrina da fé

Lei universal da Igreja

 Lei universal da Igreja  POR-013
30 março 2023

Não só o “direito-dever” do cuidado das pessoas vítimas de abusos, mas também o “direito-dever” de denunciar e assinalar estes crimes, a partir de agora também quando cometidos por leigos inseridos na liderança de associações internacionais reconhecidas pela Santa Sé. D. Charles Scicluna, arcebispo de La Valletta, desde 2018 secretário adjunto do Dicastério para a doutrina da fé, mas desde sempre comprometido no contraste ao fenómeno dos abusos por parte do clero, ilustra a importância das novidades introduzidas a 25 de março pelo Papa com uma atualização do Vos estis lux mundi, o motu proprio promulgado em 2019 com o qual Francisco introduziu novas normas processuais para combater os abusos sexuais e garantir que bispos e superiores religiosos sejam considerados responsáveis pelas suas ações.

Excelência, qual é a principal novidade acrescentada ao Vos estis lux mundi a fim de promover a sua melhor aplicação quase quatro anos após a entrada em vigor?

O primeiro ponto fundamental é o próprio facto de o Papa confirmar a lei promulgada em 2019 e de a confirmar como uma lei universal da Igreja, já não ad experimentum. É uma lei muito importante porque, entre outras coisas, alguns elementos novos são introduzidos na história do direito canónico, como a relevância penal do abuso de um adulto vulnerável.

As normas aplicam-se agora não só a clérigos e religiosos, mas também a leigos que, lê-se, são ou foram moderadores de associações internacionais reconhecidas pela Sé Apostólica. Será que isto também se refere a movimentos e realidades eclesiásticas?

Sem dúvida. Este acréscimo é uma das mais fortes novidades desta versão do Vos estis lux mundi. Estamos na segunda parte que dá à Igreja um procedimento detalhado sobre a denúncia e investigação de acusações contra pessoas na liderança da Igreja. Liderança que no documento de 2019 incluía cardeais, patriarcas, bispos, clérigos prepostos como pastores nas Igrejas particulares, enquanto que no texto de hoje, o Papa introduz duas novas categorias: clérigos que estiveram à frente de uma associação pública, clerical, com faculdade de incardinar, e depois fiéis leigos que foram moderadores de associações internacionais reconhecidas pela Santa Sé.

No documento especifica-se que as dioceses e eparquias devem ser dotadas de organismos e gabinetes — anteriormente referidos genericamente como “sistemas estáveis” — os quais devem ser facilmente acessíveis ao público para a denúncia dos casos de abusos. Também este é um passo adicional. A que se deve isto?

É o pedido de uma presença generalizada como sinal da atenção da Igreja particular, mas também da Igreja universal, que pretende facilitar a denúncia e viabilizar o que está indicado no artigo 5 sobre o cuidado das pessoas. De facto, o artigo em questão estabelece que as autoridades eclesiásticas devem empenhar-se para que aqueles que afirmam ter sido ofendidos, juntamente com as suas famílias, sejam tratados com dignidade e respeito e sejam acolhidos, ouvidos e acompanhados através de serviços específicos de assistência espiritual, médica, terapêutica e psicológica, de acordo com o caso específico. Por conseguinte, não só centros de escuta para apresentar uma denúncia, mas também lugares onde facilitar os cuidados das pessoas.

Salvatore Cernuzio