«Por que não podemos viver em paz? É tão simples...». Na sua ingenuidade, é uma pergunta dilacerante que, com voz emocionada, uma menina ucraniana dirige ao Papa, à Igreja e ao mundo no documentário «Freedom on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom». A obra, promovida pelo cineasta Evgeny Afineevsky, foi transmitida na tarde de 24 de fevereiro no Vaticano, na sala nova do Sínodo, no dramático primeiro aniversário daquela que Francisco definiu como uma guerra «absurda».
O próprio Papa, sentado na última fila, participou no evento, encontrando-se no final da projeção com alguns dos protagonistas do filme. Entre eles, Anya Zaitseva, esposa de um soldado capturado, à direita do Pontífice, tendo ao colo o pequeno Sviatoslav, de um ano e quatro meses, que brincava e mordiscava o bastão do Papa durante a projeção do documentário. De vez em quando, Francisco virava-se para sorrir ou para lhe fazer uma carícia.
O Santo Padre também quis saudar alguns dos cerca de 240 participantes: pessoas necessitadas, refugiados e membros da comunidade ucraniana em Roma, convidados pelo cineasta. Estavam acompanhados — informou a sala de Imprensa da Santa Sé — por representantes de associações que lhes prestam assistência e pelo cardeal esmoler Konrad Krajewski.
O Papa concedeu a bênção a todos eles e pediu-lhes que rezassem juntos no final do documentário. «Let us pray!», disse em inglês, visivelmente emocionado por este filme tão cru e realista, nalgumas passagens quase didascálico. Porque diante de uma realidade como a do conflito há poucas narrações a fazer, só subsiste o horror da realidade. E há o medo de um povo inteiro, do qual uma artista de teatro se fez porta-voz quando, numa cena, lançou um apelo geral a pôr fim à guerra o mais depressa possível: «Assim destruímo-nos todos!».
Francisco falou também de destruição na prece recitada com os presentes, pedindo ao Senhor que cure a humanidade do rio de ódio que alimenta a guerra: «Quando Deus criou o homem, disse para dominar a terra, para a fazer crescer e para a tornar bela. O espírito da guerra é o contrário: destruir, destruir... Não deixar crescer, destruir todos. Homens, mulheres, crianças, idosos, todos», disse. «Hoje, acrescentou, é um ano desta guerra. Olhemos para a Ucrânia, rezemos pelos ucranianos e abramos o nosso coração à dor. Não tenhamos vergonha de sofrer e de chorar, pois a guerra é destruição. A guerra diminui-nos sempre. Que Deus nos faça compreender isto!».
E dirigiu uma oração ao «Pai Santo que estais no céu»: «Olhai para as nossas misérias, olhai para as nossas feridas, olhai para a nossa dor, olhai também para o nosso egoísmo, para os nossos interesses vis e para a capacidade que temos de nos destruirmos a nós próprios. Curai — eis o apelo do Papa — curai o nosso coração, curai a nossa mente, curai o nosso olhar, para que possa ver a beleza que Vós fizestes e para não a destruirmos no egoísmo. Lançai em nós a semente da paz».
Antes de regressar à Casa Santa Marta, Francisco encontrou-se com uma mulher, mãe de um dos soldados barricados na siderurgia Azovstal em Mariupol, capturado pelos soldados russos e atualmente ainda prisioneiro. Com a ajuda de um sacerdote intérprete, a mulher contou ao Papa que o filho perdeu nos últimos meses 40 quilos, partilhando o desejo de que ele e os outros soldados que lutaram «em defesa da liberdade» possam ser libertados em breve. Depois, ofereceu ao Pontífice três presentes: uma flor, símbolo — explicou — da resistência até alcançar a liberdade; uma bandeira amarela e azul da Ucrânia, que Francisco beijou e benzeu; e um saquinho de sal, dom típico do seu povo. «É o sal da terra», disse, é símbolo de “força”: aquela que é necessária nesta «batalha tão forte, deveras trágica!».
Depois interveio Natalia Nagornaya, correspondente de Television Service of News ( tsn ): «O compromisso de todos durante a guerra é praticar o bem», assegurou. «Compreendo que para Vossa Santidade não é fácil viajar nestas condições», mas se fosse possível uma viagem do Papa àquela terra martirizada, a jovem disse que estará «pronta a servir-lhe de guia em todas as cidades destruídas, arruinadas, sobreviventes». Todos pedimos ao Senhor que acabe com esta guerra», acrescentou a jornalista. E ao Papa pediu o apoio para que «os prisioneiros sejam libertados». Os votos são de que se «faça uma paz verdadeira, porque vieram para destruir o nosso país»; a esperança é de que «embora não se tenha podido pôr fim à guerra, se possa impedir a terceira guerra mundial».
O Papa saudou também a proprietária de Azovstal, de quem recebeu inclusive um dom simbólico: uma pulseira feita com o metal da siderurgia. Francisco colocou-a no pulso e depois, como sempre, pediu orações para si, assegurando as suas próprias por este povo martirizado.
Salvatore Cernuzio