O arcebispo Gallagher falou sobre a ação diplomática da Santa Sé um ano após a invasão russa

Pôr fim ao terrível flagelo
no coração da Europa

A Ukrainian serviceman walks an empty street as he patrols area, as Russia's attack on Ukraine ...
23 fevereiro 2023

Um ano após a invasão russa da Ucrânia, o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, falou aos meios de comunicação social do Vaticano sobre a ação diplomática da Santa Sé para ajudar a pôr fim a esta terrível guerra. Animar esta ação, afirmou, é «a iniciativa do Santo Padre» com os seus constantes «apelos a favor da paz na Ucrânia». Procura-se sempre não deixar esquecer «a atrocidade, a ferocidade desta guerra», disse o prelado, abertos à esperança de «uma eventual negociação» que conduza à paz. Recordou a sua visita à Ucrânia em maio passado, afirmando que ela o «mudou profundamente», e explicou que a permanência do núncio apostólico em Kyiv não obstante a guerra significa querer partilhar os sofrimentos do povo ucraniano: uma decisão que faz parte da própria natureza da diplomacia da Santa Sé.

Excelência, a 24 de fevereiro de há um ano, começou com a invasão da Ucrânia em grande escala por parte da Federação Russa. A guerra não parece ter fim. Quais são os âmbitos nos quais se move a diplomacia da Santa Sé a fim de contribuir para pôr fim a esta guerra e estabelecer a paz?

A diplomacia da Santa Sé é guiada e animada sobretudo pela iniciativa do Santo Padre: ele que continua a insistir nas suas orações e nos seus discursos — quer nas audiências gerais quer na oração mariana do Angelus todos os domingos — nos apelos a favor da paz na Ucrânia. E nós seguimo-lo. Procuramos sempre ter em mente, como o fazem muitos outros, a atrocidade, a ferocidade desta guerra que continua à custa de tantas vítimas, tantos mortos, tantas pessoas feridas, famílias desaparecidas. É isto que procuramos fazer, mantendo sempre uma certa disponibilidade em relação aos atores para uma possível negociação que deveria pôr fim a esta terrível guerra. Acredito que este é o nosso papel. Embora seja difícil para a própria Ucrânia e para muitos outros falar de diálogo e paz, de reconciliação, isto é algo que a Igreja, a Santa Sé e o Santo Padre, podem e devem fazer, e isto é fundamental: manter presente o sonho da paz. Compreendemos a dificuldade que muitos têm, neste momento de sofrimento, de considerar a paz nestes termos, mas alguém tem de o fazer porque, eventualmente, haverá a conclusão desta terrível guerra e esperamos que o fim chegue imediatamente.

Do ponto de vista da ação diplomática da Santa Sé, quais são os aspetos que tornam esta guerra na Ucrânia particular em comparação com outras guerras?

Antes de mais, devemos dizer que esta é uma guerra na Europa. Nós, europeus, após a experiência da Segunda Guerra Mundial, pensámos que a guerra nunca mais voltaria a acontecer e agora vemos a realidade. Isto é importante. Depois é uma guerra entre dois países que partilham uma longa história, muitos aspetos culturais e, não menos importante, a dimensão religiosa. Por isso, esta guerra é particularmente problemática. Todas as guerras são terríveis, mas esta guerra confronta-nos com uma situação muito difícil para todos, porque embora reconheçamos a gravidade das ações da Rússia, vemos que a Rússia é um país muito importante, um país com uma longa história, e temos de reconstruir, em última análise, uma paz, uma relação futura com esta Rússia. E isto também torna a condução da guerra particularmente difícil.

Em maio do ano passado, que significado teve para Vossa Excelência esta visita na Ucrânia?

Para mim teve um impacto muito profundo. Quando se vai e se toca o sofrimento de um povo, quando se veem, como eu vi em Bucha e noutras cidades, os factos, a verdade da guerra, o sofrimento do povo, isto não pode deixar de ter um impacto muito profundo. Quando se tocam as feridas deste povo, isto muda-nos para sempre, não é algo teórico, uma notícia do telejornal: é uma verdade, o sofrimento de um povo. Foi o que aconteceu comigo. A experiência de ter estado lá, mudou-me profundamente, ver o sofrimento, mas também a coragem do povo e a complexidade da situação.

Excelência, desde o primeiro dia da guerra, o núncio apostólico na Ucrânia, arcebispo Visvaldas Kulbokas, foi um dos três diplomatas que ficaram a trabalhar em Kyiv. Como foi tomada esta decisão e que significado teve para a Santa Sé o facto do núncio ter permanecido lá?

Na verdade, nunca foi tomada uma decisão, foi uma coisa espontânea. Estamos todos muito orgulhosos com D. Visvaldas, que está a cumprir esta missão com grande coragem, com grande determinação, juntamente com os seus colaboradores. Isto faz parte da tradição da nossa diplomacia. Pensai também no cardeal Zenari em Damasco, na Síria: ele permaneceu lá durante mais de dez anos, penso que quase 12 anos, apesar da guerra na Síria. Faz parte da nossa tradição, porque o nosso compromisso não é — digamos — político, no sentido puramente diplomático, é um compromisso com um povo, com uma Igreja. E se por vezes, do ponto de vista histórico, os núncios foram expulsos, por exemplo durante a Segunda Guerra Mundial e também mais recentemente, mas não fazemos estas coisas voluntariamente, é algo que acontece. Podemos dizer que a ideia de permanecer, partilhando o sofrimento de um povo, faz parte da nossa diplomacia. O Papa não quer impor sacrifícios nem sofrimento às pessoas, mas quer que este espírito de solidariedade, esta sua proximidade, se manifeste através dos seus representantes.

De que modo, na sua opinião, o povo ucraniano pode aspirar à paz face a uma agressão contínua, uma paz que o Papa Francisco nunca cessa de invocar?

Não duvido que todos os ucranianos sonhem com a paz, isso é normal. Quando os pais e as mães olham para os seus filhos, esperam que eles possam crescer num país em paz. Devem manter este sonho, apesar do sofrimento, apesar das dificuldades, apesar das relações obviamente muito dolorosas, neste momento, com a Rússia e com os russos. No entanto, também eles devem preservar — talvez até recordando os anos de liberdade, os anos de paz que aquele país viveu após a sua independência — devem olhar para o futuro com um certo otimismo, procurando pensar já na reconstrução deste país. Haverá muito para reconstruir e reconciliar no país.

Obrigada, Excelência.

Obrigado a vós.

Svitlana Dukhovych