A presidentes e referentes das Comissões para o laicado das Conferências episcopais

Os leigos não são “hóspedes” na Igreja
mas corresponsáveis
pela sua missão

 Os leigos não são “hóspedes” na Igreja  mas corresponsáveis pela sua missão   POR-008
23 fevereiro 2023

«Os fiéis leigos não são “hóspedes” na Igreja, estão em casa, por isso são chamados» a cuidar dela, disse o Papa aos participantes no Congresso dos presidentes e referentes das Comissões para o laicado das Conferências episcopais, promovido no Vaticano de 16 a 18 de fevereiro pelo Dicastério para os leigos, a família e a vida, sobre o tema: “Pastores e fiéis leigos chamados a caminhar juntos”. O Pontífice encontrou-se com eles no final dos trabalhos, na sala nova do Sínodo, e dirigiu-lhes o seguinte discurso.

Agradeço ao Cardeal Farrell e saúdo todos vós, responsáveis pelas Comissões episcopais para o laicado, com os dirigentes das associações e movimentos eclesiais, os oficiais do Dicastério e todos os presentes.

Viestes dos vossos países para refletir sobre a corresponsabilidade — corresponsabilidade — dos pastores e dos fiéis leigos na Igreja. O título do congresso fala de uma “chamada” a “caminhar juntos”, inserindo o tema no contexto mais amplo da sinodalidade. Com efeito, o caminho que Deus indica à Igreja consiste precisamente em viver mais intensa e concretamente a comunhão e em caminhar juntos. Convida-a a superar as formas autónomas de agir ou os caminhos paralelos que nunca se encontram: o clero separado dos leigos, os consagrados separados do clero e dos fiéis, a fé intelectual de certas elites separada da fé popular, a Cúria romana separada das Igrejas particulares, os bispos separados dos sacerdotes, os jovens separados dos idosos, os cônjuges e as famílias pouco partícipes na vida comunitária, os movimentos carismáticos separados das paróquias, e assim por diante. Esta é a tentação mais grave neste momento. Ainda há um longo caminho a percorrer para que a Igreja viva como corpo, como verdadeiro Povo, unido pela única fé em Cristo Salvador, animado pelo mesmo Espírito santificador e orientado para a mesma missão de anunciar o amor misericordioso de Deus Pai.

Este último aspeto é decisivo: um Povo unido na missão. E esta é a intuição que sempre devemos conservar: a Igreja é o santo Povo fiel de Deus, de acordo com o que a Lumen gentium afirma nos nn. 8 e 12; não se trata de populismo nem de elitismo, mas do santo Povo fiel de Deus. Isto não se aprende teoricamente, só se entende vivendo-o. Depois explica-se, como se consegue, mas se não se for vivido, não o saberemos explicar. Um Povo unido na missão. A sinodalidade encontra a sua fonte e o seu objetivo último na missão: nasce da missão e é orientada para a missão. Pensemos nos primórdios, quando Jesus envia os Apóstolos e todos eles regressam felizes, dado que os demónios “fugiam deles”: era a missão que dava aquele sentido de eclesialidade. Com efeito, partilhar a missão aproxima pastores e leigos, cria comunhão de intenções, manifesta a complementaridade dos diferentes carismas, e por isso desperta em todos o desejo de caminhar juntos. Vemo-lo no próprio Jesus que, desde o início, se circundou de um grupo de discípulos, homens e mulheres, vivendo com eles o seu ministério público. Mas nunca sozinho! E quando enviou os Doze para anunciar o Reino de Deus, mandou-os “dois a dois”. Vemos a mesma coisa em São Paulo, que sempre evangelizou com alguns colaboradores, incluindo leigos e casais. Não sozinho! E assim foi nos momentos de grande renovação e impulso missionário na história da Igreja: pastores e fiéis leigos juntos. Não indivíduos isolados, mas um Povo que evangeliza, o santo Povo fiel de Deus!

Sei que falastes também da formação dos leigos, indispensável para viver a corresponsabilidade. Inclusive sobre este ponto, gostaria de realçar que a formação deve ser orientada para a missão, e não apenas para as teorias, caso contrário cai-se nas ideologias. E é terrível, é uma peste: a ideologia na Igreja é uma peste! Para evitar isto, a formação deve ser orientada para a missão. Não pode ser escolástica, limitada a ideias teóricas, mas também prática. Nasce da escuta do querigma, alimenta-se da Palavra de Deus e dos Sacramentos, faz crescer no discernimento, pessoal e comunitário, empenhando imediatamente no apostolado e em várias formas de testemunho, às vezes simples, que nos levam a aproximar-nos dos outros. O apostolado dos leigos é, acima de tudo, testemunho! Testemunho da própria experiência, da própria história, testemunho da oração, testemunho do serviço aos necessitados, testemunho da proximidade aos pobres, da proximidade às pessoas sozinhas, testemunho do acolhimento, especialmente por parte das famílias. E é assim que nos formamos para a missão: indo ao encontro dos outros. Trata-se de uma formação concreta, e ao mesmo tempo de uma forma eficaz de crescimento espiritual.

Desde o início, eu disse que “sonho com uma Igreja missionária” (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 27; 32). “Sonho com uma Igreja missionária!”. E vem-me à mente uma imagem do Apocalipse, quando Jesus diz: «Estou à porta e bato. Se alguém [...] me abrir a porta, irei ter com ele e cearei com ele» (Ap 3, 20). Mas hoje o drama da Igreja é que Jesus continua a bater à porta, mas de dentro, para que o deixemos sair! Muitas vezes acabamos por ser uma Igreja “prisioneira”, que não deixa sair o Senhor, que o mantém como “algo próprio”, mas o Senhor veio para a missão e quer-nos missionários.

Este horizonte dá-nos a chave de leitura certa para o tema da corresponsabilidade dos leigos na Igreja. Com efeito, a exigência de valorizar os leigos não depende de qualquer novidade teológica, nem sequer de requisitos funcionais devido à diminuição do número de sacerdotes; muito menos nasce de reivindicações de categoria, para conceder uma “desforra” a quantos foram postos de lado no passado. Pelo contrário, baseia-se numa visão correta da Igreja: Igreja como Povo de Deus, da qual os leigos fazem plenamente parte com os ministros ordenados. Portanto, os ministros ordenados não são os senhores, são os servos: os pastores, não os senhores.

Trata-se de recuperar uma “eclesiologia integral”, como era nos primeiros séculos, em que tudo é unificado pela pertença a Cristo e pela comunhão sobrenatural com Ele e com os irmãos, superando uma visão sociológica que distingue classes e categorias sociais, e que no fundo se baseia no “poder” atribuído a cada categoria. A ênfase deve ser posta na unidade e não na separação, na distinção. O leigo, mais do que “não-clérigo” ou “não-religioso”, deve ser considerado um batizado, membro do povo santo de Deus, que é o sacramento que abre todas as portas. A palavra “leigo” não consta no Novo Testamento, que fala de “crentes”, de “discípulos”, de “irmãos”, de “santos”, termos aplicados a todos: fiéis leigos e ministros ordenados, o Povo de Deus a caminho!

Neste único Povo de Deus, que é a Igreja, o elemento fundamental é a pertença a Cristo. Nas narrações comovedoras dos Atos dos mártires dos primeiros séculos, encontramos frequentemente uma simples profissão de fé: “Sou cristão”, diziam, “e por isso não posso sacrificar-me aos ídolos”. Di-lo, por exemplo, Policarpo, bispo de Esmirna;1 dizem-no Justino e seus outros companheiros leigos.2 Estes mártires não dizem “sou bispo” nem “sou leigo” — “sou da Ação católica, sou dessa Congregação mariana, sou dos Focolares”. Não, só dizem “sou cristão”. Até hoje, num mundo cada vez mais secularizado, o que nos distingue verdadeiramente como Povo de Deus é a nossa fé em Cristo, não o estado de vida considerado em si. Somos batizados, cristãos, discípulos de Jesus. Todo o resto é secundário. “Mas Padre, até um sacerdote?” — “Sim, é secundário” — “Até um bispo?” — “Sim, é secundário” — “Até um cardeal?” — “É secundário!”.

A nossa pertença comum a Cristo torna-nos todos irmãos. O Concílio Vaticano ii afirma: «Os leigos, assim como pela benevolência divina têm Cristo como irmão [...] também têm como irmãos aqueles que, inseridos no sagrado ministério [...] desempenham na família de Deus o ofício de pastores» (Const. Lumen gentium, 32). Irmãos com Cristo e irmãos com os sacerdotes, irmãos com todos!

E nesta visão unitária da Igreja, onde somos em primeiro lugar cristãos batizados, os leigos vivem no mundo e ao mesmo tempo fazem parte do Povo fiel de Deus. O Documento de Puebla utilizou uma feliz expressão para manifestar isto: os leigos são homens e mulheres «de Igreja, no coração do mundo» e homens e mulheres «do mundo, no coração da Igreja».3 É verdade que os leigos são chamados principalmente a viver a sua missão nas realidades seculares em que estão imersos todos os dias, mas isto não exclui que também tenham as capacidades, os carismas e as competências para contribuir para a vida da Igreja: na animação litúrgica, na catequese, na formação, nas estruturas de governo, na administração dos bens, na organização e atuação dos programas pastorais, e assim por diante. Por isso, os pastores devem ser formados, desde os tempos do seminário, para uma colaboração diária e comum com os leigos, para que a comunhão viva se torne para eles uma forma natural de agir, e não um dado extraordinário e esporádico. Uma das piores coisas que acontecem com um pastor é esquecer o Povo de onde ele veio, a falta de memória. Pode-se dirigir-lhe aquela palavra repetida tantas vezes na Bíblia: “Recorda-te”; “lembra-te de onde foste tirado, do rebanho do qual foste tirado para voltares a servi-lo, lembra-te das tuas raízes” (cf. 2 Tm, 1).

Esta corresponsabilidade vivida entre leigos e pastores permitirá superar dicotomias, receios e desconfianças recíprocas. É hora que pastores e leigos caminhem juntos, em todos os âmbitos da vida da Igreja, em todas as partes do mundo! Os fiéis leigos não são “hóspedes” na Igreja, estão em casa, por isso são chamados a cuidar da própria casa. Os leigos, e especialmente as mulheres, devem ser mais valorizados nas suas capacidades e nos seus dons humanos e espirituais para a vida das paróquias e dioceses. Podem levar o anúncio do Evangelho com a sua linguagem “quotidiana”, comprometendo-se em várias formas de pregação. Podem colaborar com os sacerdotes para formar as crianças e os jovens, para ajudar os noivos na preparação para o matrimónio e para acompanhar os esposos na vida conjugal e familiar. Devem ser sempre consultados quando se preparam novas iniciativas pastorais a todos os níveis, local, nacional e universal. Devem ter sempre voz nos conselhos pastorais das Igrejas particulares. Devem estar presentes nos escritórios das dioceses. Podem ajudar no acompanhamento espiritual de outros leigos e também contribuir para a formação dos seminaristas e religiosos. Uma vez ouvi uma pergunta: “Padre, pode um leigo ser um diretor espiritual?”. É um carisma laical! Pode ser um sacerdote, mas o carisma não é presbiteral; o acompanhamento espiritual, se o Senhor te der a capacidade espiritual para o fazer, é um carisma laical. E, com os pastores, devem dar testemunho cristão nos ambientes seculares: o mundo do trabalho, da cultura, da política, da arte, da comunicação social.

Poderíamos dizer: leigos e pastores juntos na Igreja, leigos e pastores juntos no mundo!

Vêm-me à mente as últimas páginas do livro do Cardeal de Lubac, Méditation sur l’Église onde, para dizer o pior que pode acontecer à Igreja, diz que a mundanidade espiritual, que se traduz em clericalismo, «seria infinitamente mais desastrosa do que qualquer mundanidade simplesmente moral». Se tiverdes tempo, lede as últimas três ou quatro páginas de Méditation sur l’Église, do Cardeal de Lubac. Explica, inclusive citando alguns autores, que o clericalismo é a pior coisa que pode acontecer à Igreja, ainda pior do que nos tempos dos Papas concubinários. O clericalismo deve ser “expulso”. Um sacerdote ou bispo que cai nesta atitude faz um grande mal à Igreja. Mas é uma doença que contagia: pior ainda que um sacerdote ou bispo que cai no clericalismo são os leigos clericalizados: por favor, são uma peste na Igreja. Que o leigo seja leigo!

Caríssimos, com estas poucas indicações eu quis sugerir um ideal, uma inspiração que nos pode ajudar ao longo do caminho. Gostaria que todos nós tivéssemos no coração e na mente esta bonita visão da Igreja: uma Igreja orientada para a missão e na qual se unificam as forças e todos caminham juntos para evangelizar; uma Igreja na qual o que nos une é o nosso ser cristãos batizados, a nossa pertença a Jesus; uma Igreja onde leigos e pastores vivem uma verdadeira fraternidade, trabalhando lado a lado todos os dias, em todos os âmbitos da pastoral, porque todos são batizados.

Exorto-vos a ser promotores nas vossas Igrejas do que recebestes nestes dias, para continuar juntos a renovação da Igreja e a sua conversão missionária. Abençoo todos vós de coração, bem como os vossos entes queridos, e peço-vos por favor que oreis por mim. Obrigado!

 

1 Cf. Eusébio de Cesareia, História eclesiástica, iv , 15, 1-43.

2 Cf. Atos do martírio dos Santos Justino e companheiros, capp. 1-5; pg 6, 1366-1371.

3 iii Conferência geral do Episcopado latino-americano, Documento final, Puebla 1979, n. 786.