Saudação do Papa Francisco na abertura do dia de estudos sobre os siblings

O amor não produz descartes

 O amor não produz descartes  POR-008
23 fevereiro 2023

Publicamos a seguir saudação enviada pelo Papa Francisco aos participantes no dia de estudos sobre “Siblings: irmãs e irmãos na deficiência e na doença mental”.

É com grande prazer que saúdo esta bonita iniciativa: um dia de estudos dedicado ao tema dos “siblings”; confesso que não conhecia esta palavra, mas estou bem consciente do fenómeno que ela representa. Uma realidade que nos lembra que, no bem e no mal, nenhum homem está sozinho, mas vive sempre dentro de uma rede de relações. No bem, beneficiando da proximidade, ajuda e conforto da parte dos outros; no mal, porque o problema de um se reverbera sobre os outros, tornando-se um motivo de preocupação e aflição. A deficiência desenvolve os seus efeitos em primeiro lugar e sobretudo na esfera doméstica, na família. O irmão ou irmã saudável de um irmão ou irmã deficiente encontra-se a ser como aquele Simão que vinha de Cirene e foi forçado pelos guardas a carregar a cruz de Jesus durante um longo trecho da via dolorosa. Sibling é uma pessoa que a vida forçou a ser um Cireneu. O trecho de estrada percorrido por este “irmão Cireneu” pode ser mais ou menos longo, mas no início o esquema já está definido: terá de partilhar e carregar a cruz do outro, do próprio irmão/irmã em quem Jesus está escondido.

Vi no programa que haverá um relatório que, já no título, cita a passagem da Carta aos Hebreus (2, 11) referindo-se precisamente a Jesus que «não se envergonha de nos chamar irmãos»; estou feliz com esta referência porque é exatamente assim: Jesus não se envergonha, não tem problemas, os nossos problemas tornam-se seus; Jesus ama-nos como somos, com os nossos talentos e com as nossas fragilidades e deficiências. Jesus fica feliz porque somos, não porque somos de um modo e não de outro, em plena ou péssima forma. Nós também, quando amamos, não o fazemos por causa do que o outro tem ou sabe ou pode fazer, mas por causa do que o outro é. O amor é isto: querer que o outro seja; seja como é, não como pensamos que deveria ser, de acordo com padrões demasiado determinados. O amor não produz descartes.

É uma situação generalizada e difícil, dramática que vive sob esta palavra, siblings, a deficiência doméstica, familiar, e é correto e urgente que seja o foco de dias de estudo como os de hoje, que vê várias pessoas com culturas e abordagens diferentes a confrontarem-se, bem como a participação ativa de alguns siblings que levarão a sua experiência direta e concreta sob forma de testemunho.

Portanto, felicitando-me com os criadores e organizadores, apresento os meus melhores votos de um trabalho bom e frutuoso, esperando que o evento de hoje seja uma semente capaz de produzir muito fruto.


Um dia de estudos

O sentido de uma condição perturbadora


«Sou porventura guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Está tudo aqui, nas palavras de Caim, o grito de dor de um sibling. Um grito que não pode ser compreendido se não for posto em contacto com a questão inicial colocada por Deus: «Onde está o teu irmão?». Uma pergunta concreta que exige um compromisso concreto. O sibling é alguém que a vida colocou numa situação em que deve ajudar o próximo, ou melhor, o seu próximo “por excelência”, ou seja, o irmão ou a irmã. No mundo da deficiência intelectual, o termo sibling conota as irmãs ou os irmãos de pessoas com distúrbios de desenvolvimento neurológico. Estas pessoas não raro vivem parábolas biográficas muito complexas, dolorosas e não reconhecidas; não só são privadas dos cuidados e atenção dos pais, como, após a morte destes últimos, também têm de os substituir.

Ao tema dos siblings a 18 de fevereiro, em Roma, na Sala Troisi em Trastevere, foi dedicado um dia de estudo. Um encontro organizado pela Associazione Arca Comunità “Il Chicco”, que se ocupa de pessoas com distúrbios do desenvolvimento neurológico. O objetivo foi explorar os muitos problemas relacionados com esta condição, a partir dos testemunhos dos siblings presentes. Os oradores no evento incluíram monsenhor Giovanni Cesare Pagazzi, secretário do Dicastério para a cultura e a educação; Stefano Oliva, professor de filosofia na Universidade “Niccolò Cusano”; e Federico Russo, psiquiatra e membro do Laboratório italiano de psicanálise multifamiliar. 

Dos pronunciamentos feitos durante o congresso, emergiu que o núcleo da condição de sibling é estar unido por «uma mesma cura recebida que atribui aos irmãos uma tarefa: o meu irmão é aquele a quem eu talvez tenha de prestar cuidados».  Portanto, o sibling representa a não-reciprocidade de uma relação recíproca por definição. É uma condição complexa que exige compaixão: o irmão, próximo e ao mesmo tempo ameaçador, mostra-se “inquietante” — “perturbadora” diria Freud — não obstante, mas precisamente porque é familiar.