Carta dos bispos sobre o decénio jubilar da Igreja em Cabo Verde

Ocasião de louvor a Deus pela obra evangelizadora

 Ocasião de louvor a Deus pela obra evangelizadora  POR-007
16 fevereiro 2023

«Alegrai-vos! O Senhor fez maravilhas em favor do seu Seu povo»: eis o título da Carta pastoral com que os bispos de Cabo Verde convidam para o Decénio jubilar pelos 500 anos da criação da diocese de Santiago que se abriu a 29 de janeiro e tem por lema “Ide e ensinai, Eu estarei sempre convosco”. Um Jubileu mediante o qual a Igreja local de Cabo Verde quer olhar para o seu passado com gratidão, viver os desafios presentes com paixão e olhar para o futuro com esperança.

«Nós, os Bispos de Cabo Verde, juntos convocamos todos os católicos das nossas dioceses e toda a nação cabo-verdiana, no território nacional e nos países de emigração, para as celebrações jubilares dos 500 anos da Diocese de Santiago».

Esses bispos são o cardeal dom Arlindo Furtado, bispo da Diocese de Santiago e dom Ildo Fortes, bispo da Diocese de Mindelo que, a par desta convocatória, convidam para a missa de abertura das celebrações dos 500 anos a ter lugar na Cidade Velha, ilha de Santiago, no dia 29 de janeiro de 2023. Um convite e uma convocatória expressos tanto no início como no final da ampla Carta pastoral divulgada pelos dois bispos, com vista na abertura do decénio jubilar, carta que tem por título: «Alegrai-vos! O Senhor fez maravilhas em favor do Seu povo».

Nas 28 páginas da Carta, articulada em dois capítulos, uma introdução e uma conclusão, os dois bispos evocam a data da criação da Diocese de Santiago, justificam as razões do jubileu e ilustram o projeto de celebração, para depois concluírem com o convite a todas as pessoas de boa-vontade a participarem ativa e criticamente nesta caminhada, expressão de um património imaterial de todos os cabo-verdianos: os valores evangélicos. A fechar a Carta, uma oração para o jubileu.

Foi a 31 de janeiro de 1533 que, com a bula Pro excellenti praeeminentia, o Papa Clemente vii criava, com território desmembrado da Arquidiocese de Funchal (na Madeira), a Diocese de Santiago. Para além das ilhas de Cabo Verde, essa Diocese abrangia um vasto território que hoje corresponde total ou parcialmente ao Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné Conacri, Serra Leoa, Libéria, Mali e Burkina Faso.

A criação dessa Diocese, era a confirmação na fé em Jesus Cristo das primeiras comunidades cristãs do arquipélago, formadas, no essencial, de europeus livres e de africanos escravizados. Isto, 71 anos após o anúncio do Evangelho, iniciado com o povoamento das ilhas em 1462. Hoje — escrevem os bispos — «com a determinação que nos é pedida pelo tema das celebrações jubilares — “Diocese de Santiago de Cabo Verde, 500 anos de uma Igreja consciente e missionária” — as nossas Dioceses ouvem de novo o apelo que Cristo ressuscitado dirigiu aos seus apóstolos antes de subir aos céus: “Ide pois, fazei discípulos de todos os povos, Eu estarei sempre convosco”». 

A esperança dos bispos é, portanto, que a celebração destes 500 anos favoreça nas suas dioceses uma resposta generosa a este apelo de Jesus que é o lema do Jubileu: «Ide e ensinai, Eu estarei sempre convosco». E isto não só no território nacional, mas também nas comunidades emigradas e onde Deus achar por bem.

No primeiro capítulo, que ocupa grande parte da Carta, os bispos desenvolvem, recorrendo também a vários documentos da Igreja, o tema «Jubileu é alegria» em seis alíneas: os motivos da nossa alegria; alegria pela Boa Nova da Libertação; alegria pelo dom da fé; alegria por ser Igreja; a graça do perdão jubilar; a semente que cai em boa terra dá muito fruto.

Jubileu — escrevem — significa contentamento, alegria. E sublinham que as difíceis e singulares condições histórico-geográficas em que se deram o povoamento, a subsistência da população, a evangelização, a criação da Diocese de Santiago, o crescimento da Igreja local, justificam as celebrações do jubileu. Essas condições prendem-se com a escravatura, as secas, fomes devastadoras, vacâncias frequentes da sede episcopal, confronto da Igreja com regimes políticos adversos, carência de pessoal missionário, etc. Como o Evangelho pode ser boa nova em tal contexto, «Do que se alegrar nesses quinhentos anos da Diocese?» — perguntam-se, contudo, os prelados cabo-verdianos.

E em resposta, recordam que a condenação da escravidão tem profundas raízes na religião e na cultura. O Evangelho ensina, de facto, que todos somos irmãos em Cristo, de cuja cruz redentora nos vem a liberdade plena e a força libertadora. A livre procura da união com Deus é o motor da história. Qualquer outro modelo baseado no ateísmo, como a luta de classes, é incapaz de libertar integralmente o homem. A escravatura é fruto do pecado pois, em Cristo, diz o Evangelho, «não há escravo nem livre, todos os homens são irmãos». Isto não significou, contudo, por parte do Novo Testamento, condenação formal da escravatura, mas — notam os bispos — a Igreja sempre criticou a assunção antropológica que justifica a escravidão e em muitas ocasiões contribuiu para o alívio e desaparecimento da sua prática. O Jubileu dos 500 anos é, portanto, ocasião para se dar graças a Deus pela Boa Nova da salvação que oferece uma visão integral da liberdade e se torna guia dos processos de libertação que têm acompanhado a caminhada dos cabo-verdianos; constitui igualmente uma oportunidade para render homenagem aos missionários.

O Jubileu é também alegria pelo dom da fé, e o desejo dos bispos é que as celebrações sejam um tempo de graças que ajude a sentir a alegria de crer, a reavivá-la, a ter presente que sem a luz da fé, os cabo-verdianos não compreenderiam o sentido da sua história, das suas origens, dos seus sofrimentos, da sua própria existência. As celebrações jubilares deverão «confirmar nos cristãos de hoje a no Deus que se revelou em Cristo, sustentar a sua  esperança, prospetada na expectativa da vida eterna, reavivar a sua caridade, operosamente empenhada no serviço aos irmãos».

Celebrar o jubileu — continuam — é «alegrar-se por sermos Igreja, Igreja local». E a Diocese de Santiago tem a graça de ser a primeira Igreja local da África Ocidental a sul do Sahara, a primeira a que pertenceram ao mesmo tempo brancos e negros, escravocratas e escravos, missionários, todos tendo um só Deus. Uma Igreja que para além do anúncio da Palavra ocupou-se também da promoção da educação e da saúde.

«O crescimento da Igreja em Cabo Verde é motivo de júbilo» — frisam os bispos, detendo-se sobre o número de paróquias (43) e outras infraestruturas, o empenho dos cristãos, o intenso serviço da palavra também junto das comunidades emigradas em África, Europa, América, tudo no espírito de que «o homem é a via da Igreja. Ela deve velar para que a vida do homem se torne mais humana (...)». «Ao longo dos 500 anos, vivendo em situações muito diversas, a Igreja fez ouvir a sua voz profética, por vezes com grande eco, pelos seus bispos e padres, condenando o tráfico de escravos e defendendo a libertação dos batizados, dando força à luta de camponeses desfavorecidos, defendendo a vida no ventre materno, reivindicando liberdade religiosa e outras liberdades para os cabo-verdianos». «Que o nosso Jubileu seja um grande louvor a Deus pela Igreja que acompanha os cabo-verdianos desde o início da sua história» — escrevem — mencionando também o primeiro bispo cabo-verdiano, dom Paulino do Livramento Évora.

O cardeal dom Arlindo e dom Ildo regozijam-se com o seu povo pela «encarnação de Cristo e pela nossa redenção» e salientam que não é a ciência que redime o homem, não é o homem o redentor do homem, redimir é resgatar, ser redimido é viver em Cristo. A história de Santa Josefina Bakhita evocada pelo Papa Bento xvi na Spe salvi é exemplo disso — citam os bispos, para os quais «A redenção é o maior motivo do nosso jubileu». E convidam a pôr diante de Deus «os pecados da Igreja em Cabo Verde e dos seus filhos para que Deus, na sua misericórdia, conceda o Espírito que impele a amar e a colaborar na construção do seu reino».

A semente que cai em boa terra dá muito fruto. Então ao convidar a não resignar a uma vida medíocre, superficial e indecisa os bispos de Cabo Verde sublinham que «ao longo de mais de 500 anos de evangelização, pela misericórdia de Deus, alguns pecadores perdoados de Cabo Verde devem ter entrado no céu como santos e estão na presença de Deus». E se até hoje nenhum cabo-verdiano foi proclamado santo, não faltam, todavia, sinais de santidade relacionadas com o país. Recordam, antes de mais, que João Paulo ii , santo muito amado mundialmente, pisou as terras de Cabo Verde; São Pedro Claver, conhecido como servo dos negros, foi servido por empregadas cabo-verdianas; na Argentina é grande a fama de santidade do escravo Manuel que foi de Cabo Verde e se dedicou ao serviço de Nossa Senhora de Luján; e há informações de que em 1462 o missionário franciscano frei Rogério, foi morto por causa da sua pregação, por Bartolomeu da Noli.

O Jubileu dos 500 anos é, portanto, ocasião de louvor a Deus pelo trabalho evangelizador dos santos pastores, religiosos e leigos, discípulos-missionários que mostraram aos seus irmãos o rosto de Cristo.

No breve capítulo sobre o projeto das celebrações são recordados o tema, o lema e os objetivos. O que se pretende, de forma geral, é «contribuir para o fortalecimento de uma Igreja de discípulos missionários que conhece, assume e vive com gratidão e paixão a sua história, projetando um futuro de esperança».

Seis os objetivos específicos, entre os quais dar a conhecer o percurso histórico da Igreja em Cabo Verde, impulsionar a formação de uma Igreja viva, consciente, missionária no testemunho alegra da fé; promover a Escola universitária católica...

Revela-se que as celebrações terão lugar em três fases. Na primeira (2023-2025) pretende-se debruçar, com gratidão, sobre o percurso da Diocese, das origens até ao presente, sendo as celebrações centrais, ao longo deste ano, em Ribeira Grande de Santiago (Cidade Velha); em 2024 serão nas Américas e em 2025 na Europa;

Já a segunda fase (2026-2028) será sobre os desafios da Igreja de hoje; a terceira (209-2031) sobre o futuro da Igreja no terceiro milénio.

2032 será de intensa preparação para o grande jubileu de 2033. Entretanto, o primeiro ano do decénio é dedicado à família que é convidada a acolher o Evangelho, a cultivar a espiritualidade e a praticar o diálogo e o perdão, pois que, historicamente, Jubileu está ligado a perdão — faz-se notar na Carta.

Em todas essas fases marcadas, respetivamente, pela Gratidão, Paixão e Esperança, «vamos dar graças a Deus por ter feito de Ribeira Grande de Santiago e, a partir dali, as ilhas de Cabo Verde, o cadinho de uma nação jovem, levada pelo fermento redentor e aglutinador do Evangelho, semente de liberdade, fraternidade, concórdia, esperança e amor» — rematam os bispos antes de concluírem com o convite a todos para esta caminhada jubilar. Um Jubileu a que a Diocese de Mindelo é associada por completar nessa data (2033) 30 anos da sua criação e pelo facto de 470 dos 500 da Diocese de Santiago terem sido para todo o arquipélago, até então com uma única Diocese. Trata-se, portanto, de duas Dioceses irmãs ligadas pela história e pela comunhão.

Dulce Araújo