Durante o voo que do Sudão do Sul trouxe-o de volta a Roma, a 5 de fevereiro o Papa Francisco respondeu — como de costume na conclusão das viagens internacionais — às perguntas que lhe dirigiram os jornalistas acreditados. Introduzindo o colóquio, o diretor da Sala de imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, evidenciou a sua “particularidade”, dado que tendo sido tratado na segunda parte de uma «peregrinação em companhia» estavam também presentes no avião «o moderador-geral da Igreja presbiteriana escocesa e o arcebispo de Canterbury», que participaram no diálogo. A seguir publicamos integralmente as palavras do Pontífice e a tradução do inglês daquelas dos dois líderes cristãos e uma síntese das seis perguntas.
Papa Francisco — bom domingo e obrigado pelo vosso trabalho nestes dias. Foi uma viagem ecuménica com os meus dois irmãos e, por isso, quis que nesta conferência de imprensa estivessem também os dois, especialmente o Arcebispo de Cantuária, que está a par da história ao longo dos anos deste caminho de reconciliação; ele trabalhou muito antes de mim nisto. Por isso quis que ambos estivessem aqui. Obrigado! Depois conversamos...
Justin Welby — boa tarde e muito obrigado, Santidade! Obrigado.
Em janeiro de 2014, a minha esposa e eu visitamos o Sudão do Sul no âmbito de uma série de visitas à Comunhão Anglicana. Quando chegamos, o arcebispo pediu-nos para ir a uma cidade chamada Bor. A guerra civil recrudescia desde há 5 semanas e, naquela ocasião, era verdadeiramente brutal. Fomos para Bor com um avião monomotor tendo aterrado numa área deserta; nos portões do aeroporto estavam já os primeiros cadáveres. Em Bor, naquele momento, havia três mil cadáveres por sepultar; os mortos tinham sido cinco mil. Havia alguns soldados da onu e muitos soldados. Fomos à catedral onde todos os padres anglicanos tinham sido mortos; as suas esposas, primeiro, estupradas e, depois, mortas. Era uma situação horrível. Voltando para casa, tanto eu como a minha esposa sentíamos urgência de compreender o que poderíamos fazer para apoiar o povo do Sudão do Sul. Desde então, num dos encontros regulares que tenho o privilégio de haver com o Papa Francisco, conversamos muito do Sudão do Sul e desenvolveu-se a ideia de um retiro [espiritual] no Vaticano. Desde 2016, a minha equipa em Lambeth e o Vaticano visitaram com muita frequência o Sudão do Sul, passaram algum tempo a desbravar o terreno, trabalharam com os líderes procurando organizar tal visita. Também a minha esposa foi e trabalhou juntamente com as esposas dos bispos e mulheres líderes que estavam sob grande pressão, e visitamos também líderes exilados no Uganda. Em 2018, tornou-se claro que havia a possibilidade de uma visita no início do ano de 2019 e conseguimos… Ter acontecido foi um milagre. Um dos dois vice-presidentes estava em prisão domiciliária em Cartum: ainda me lembro que, na véspera da visita (eu partiria para Roma muito cedo na manhã seguinte), estava no parque de estacionamento de uma escola em Nottingham, na Inglaterra, a falar ao telefone com o Secretário-geral da onu para o convencer a aplanar a estrada — e fê-lo brilhantemente! — para o vice-presidente e conseguir-lhe o visto: conseguiu apanhar o último voo que saía de Cartum, pouco antes que se fechasse o espaço aéreo devido ao golpe do Estado. O ponto alto do encontro de 2019 foi obviamente o gesto inesquecível do Papa que se ajoelhou e beijou os pés dos líderes dizendo «por favor, fazei a paz», enquanto eles procuravam detê-lo. À mente, veio imediatamente o capítulo 13 do Evangelho de João: foi um momento verdadeiramente notável. Tivemos discussões difíceis e, a certa altura, os vice-presidentes retiraram-se para um encontro separado, que foi muito intenso [duro?], mas terminou com o seu compromisso de renovar o Acordo de paz. Creio que aquele episódio do Papa tenha sido o momento-chave, o ponto de viragem. Mas, como dizia um treinador inglês, és estupendo até ao próximo jogo. A covid desferiu um duro golpe no jogo sucessivo, e fiquei com a sensação de que o resultado foi a perda daquele momento fugaz, no âmbito do processo de paz. Quando retomamos os contactos para esta visita, os grupos de trabalho continuavam em ação, mas estavam menos confiantes [otimistas ?] do que em 2019. Mas saí desta visita com um sentimento profundo de encorajamento, não tanto por ter havido um ponto de viragem real, mas sobretudo porque tive a sensação — para usar uma frase do Papa — de um coração que falava ao coração. O contacto não tinha sido tanto a nível intelectual: como vos destes conta, nos vários encontros em que houve discursos, o coração falou ao coração. Há um ímpeto a nível médio e a partir da base, em geral; aquilo de que agora precisamos é de uma séria mudança do coração por parte da liderança. Devem aceitar um processo que levará a uma transição pacífica. Dissemo-lo publicamente: tem de acabar a corrupção, o contrabando de armas e o amontoar de enormes quantidades de armas. Isto vai exigir mais trabalho em conjunto, com o Vaticano e com Lambeth, mas sobretudo com a troika do Governo, para fazer com que esta porta aberta — não está aberta quanto eu queria, mas em todo o caso está aberta — se escancare e se verifiquem verdadeiros progressos. Faltam pouco menos de dois anos para as eleições, que serão no final de 2024: precisamos de ver progressos sérios até ao fim de 2023.
Passo agora o micro ao Moderador [da Assembleia Geral da Igreja da Escócia] para dizer, também ele, uma palavra.
Iain Greenshields — Obrigado! Obviamente a minha experiência é muito diferente da do Papa e da do arcebispo: esta foi a primeira vez que vim ao Sudão do Sul, mas não é a primeira vez da minha Igreja no Sudão do Sul, porque o Moderador anterior visitou aquela que ele definiu uma situação extremamente vulnerável. A reconciliação e o perdão estiveram no centro das conversações e do diálogo no encontro de 2015. Convidamos as pessoas da circunscrição presbiteriana do Sudão do Sul a voltar à [Igreja da] Escócia, para refletir sobre o Sudão do Sul. Quero repetir o que disseram os meus amigos: foram ditas palavras fortes, foi dita a verdade, ao coração e à mente. Acho que a situação atual é esta: as obras falam mais claramente do que as palavras. Fomos convidados pelo Governo e pelas Igrejas a vir ao Sudão do Sul, como se convida um amigo a entrar em casa e visitar as suas divisões. O convite supunha o pedido de ajudar em todos os modos possíveis a mudar esta situação, a encontrar os nossos parceiros, a falar com quem está no poder. E isto fizemo-lo. Agora cabe, a quem pode fazer a diferença, iniciar o processo, com urgência. Isto foi o que pedimos nesta visita.
Jean-Baptiste Malenge, da Radiotelevisão católica “Elikya” da arquidiocese de Kinshasa, em francês, pediu um comentário sobre o acordo assinado em 2016 entre a Santa Sé e a República Democrática do Congo, sobre assuntos de interesse comum, como a educação e a saúde, e as impressões como Pastor universal que sentiu o cheiro do rebanho congolês e tocou com a mão diversas feridas.
Francisco — Obrigado. Primeiro, quanto ao Acordo... desculpai, mas não conheço o Acordo. Está aqui o Secretário de Estado, pode dar uma opinião. Sei que, nos últimos tempos, estava em preparação um acordo entre a Santa Sé e a República Democrática do Congo, mas não o conheço, não te posso responder sobre isto. Nem conheço a diferença entre este novo que está a caminho e o outro. Estas coisas são feitas pela Secretaria de Estado, pelo Secretário de Estado e mais de perto ainda por D. Gallagher que está aqui, na parte política das relações da Santa Sé com os Estados; eles são bons a fazer Acordos, Acordos para o bem de todos.
Vi no Congo uma vontade muito grande de avançar, tanta cultura. Antes de chegar aqui, já há alguns meses, tive um encontro online com universitários africanos, e alguns eram do Congo: muito inteligentes. Tendes pessoas de uma inteligência superior, inteligentíssimas. Esta é uma das vossas riquezas: os jovens, jovens inteligentes. E estes jovens devem ser apoiados, para que estudem e sigam em frente; e deve-se dar lugar a eles, não fechar as portas.
Tendes tantas riquezas naturais que atraem pessoas que vêm para — desculpai a palavra — explorar o Congo. Há esta ideia, como já disse, de que a África deve ser explorada. Alguém diz — não sei se é verdade — que os países que tinham colónias deram a independência, mas «do chão para cima»: para baixo, não deram a independência, vêm procurar os minerais. Não sei se é verdade; dizem assim. Mas esta ideia de que a África se deve explorar, temos que acabar com ela. A África tem a sua própria dignidade. E nisto o Congo está num nível altíssimo.
E, por falar em exploração, fere-me e entristece-me o problema do Leste, que é um problema de guerra e exploração. No Congo, pude ter um encontro com vítimas daquela guerra. É terrível: feridos, mutilados... Tanto sofrimento, tanto sofrimento! E tudo para se apoderar das riquezas. Não pode ser, não pode continuar!
Voltando à sua pergunta sobre o Congo, o Congo tem tantas possibilidades.
Welby — Não conheço muito bem a parte ocidental do Congo: a minha esposa esteve lá e trabalhou com mulheres envolvidas no conflito. Eu estive muitas vezes no Leste, a última vez em 2018, pouco antes da Covid. Concordo plenamente com o que disse Sua Santidade: temos que ser claros! O Congo não é terreno de jogo para as grandes potências, nem para o domínio de pequenas companhias minerárias, que agem de forma irresponsável com atividade minerária artesanal, sequestro de pessoas, utilização de crianças-soldado, estupro em larga escala… Estão simplesmente saqueando o país, país que deveria ser um dos mais ricos sobre a face da terra; um dos países mais capazes de ajudar o resto da África. Ao contrário, foi torturado, concederam-lhe a independência política — tecnicamente falando — mas não a independência económica. A experiência que tive no Leste, durante a minha última visita, quando embravecia a epidemia de ébola, precisamente na área onde imperava a milícia, treinamos os pastores para lidar com aquela epidemia em todas as suas formas. As Igrejas estão a fazer um trabalho extraordinário, são a única força que funciona. Mas a Igreja Católica — Santo Padre, deixe-me dizer-lho — faz um trabalho maravilhoso: o projeto para os Grandes Lagos iniciado pela Igreja Católica é maravilhoso. Mas agora as grandes potências devem dizer: é verdade que a África, e o Congo em particular, têm muitos recursos em minerais e metais, mas é o mundo inteiro que precisa deles, se se quer fazer uma transição ecológica e salvar o planeta da instabilidade climática; e a única maneira de o fazer sem mancharmos as mãos de sangue é que as grandes potências busquem verdadeiramente a paz para o Congo e não apenas a sua riqueza.
Greenshields — Não quero acrescentar muito, pois creio que esta resposta é exaustiva. Acho que é uma advertência para todos nós. Mas há uma coisa que o Papa disse a propósito dos jovens: mentes brilhantes e positivas e os jovens têm o direito de uma oportunidade para se desenvolver. Segundo a minha experiência noutras partes do mundo, deve ser reconhecido em particular às mentes brilhantes das jovens o direito de terem exatamente as mesmas oportunidades que os outros jovens, em qualquer país, mas de modo especial nos países em vias de desenvolvimento. Eis a minha súplica: é fundamental o reconhecimento dos direitos das mulheres, especialmente das jovens.
Jean-Luc Mootosamy de capav, em inglês, observou que a violência não cessa não obstante décadas de presença das missões da onu , perguntando que ajuda podem dar os líderes cristãos juntos para promover um novo modelo intervenção face à crescente tentação de muitas nações africanas escolherem outros parceiros para garantir a sua segurança, parceiros que poderiam não respeitar as leis internacionais como algumas empresas privadas na região do Sahel.
Francisco — Obrigado! O tema da violência é de todos os dias. Acabamos de o constatar também aqui no Sudão do Sul. Mas custa ver como se provoca a violência. Um dos pontos é a venda de armas. O arcebispo Welby referiu-se a isto, à venda de armas. Creio que esta seja a peste do mundo, a maior peste: o negócio, a venda de armas. Disse-me alguém — pessoa que sabe disso — que se poderia eliminar a fome no mundo com o que se gasta em armas durante um ano. Não sei se é verdade ou não. Mas hoje, no topo, aparece a venda de armas e não só entre as grandes potências, mas também ao nível desta pobre gente; gente que, para isso, semeia dentro a guerra. Gente cruel que diz: «avança para a guerra», e dão-lhe as armas. Por trás disto há interesses, sobretudo interesses económicos visando explorar a terra, explorar os minerais, explorar as riquezas.
É verdade que o tribalismo, na África, não ajuda. Não sei bem como é no Sudão do Sul, mas acho que existe. É preciso diálogo entre as diversas tribos. Lembro-me de, quando estive naquele estádio cheio do Quénia, todos se porem de pé para dizer: «Não ao tribalismo, não ao tribalismo!» É verdade que cada tribo tem a sua própria história, que regista velhas inimizades ou culturas diferentes. Mas também é verdade que se provoca a luta entre as tribos com a venda de armas para em seguida se explorar a terra de ambas as tribos. Isto é diabólico: não me vem outra palavra! Isto é destruir: destruir a criação, destruir a pessoa, destruir a sociedade.
Não sei se acontece no Sudão do Sul, mas nalguns países raptam-se os adolescentes para os alistarem nas milícias e, ainda adolescentes, têm de lutar. Isto é muito triste!
Resumindo: acho que o problema mais grave é a ambição de se apoderar da riqueza daquele país (coltan, lítio, e coisas do género) através da guerra, para a qual se vendem armas e exploram mesmo as crianças.
Greenshields — Penso que um dos problemas emergentes é o alto nível de analfabetismo que existe nestes países: as pessoas não possuem uma compreensão clara de quem são, onde estão e como realizar escolhas bem informadas. Isto é uma coisa… Seguramente devemos enfrentar o fenómeno da corrida armamentista: há pessoas que ganham muito dinheiro nisso, mais do que em qualquer outra coisa no mundo. Como fazer? Com a persuasão. E como superamos as divisões? Através do diálogo. Quero dar-vos um exemplo tomado da Escócia, o meu país nativo, que foi um país profundamente dividido pela religião e onde aconteceram coisas terríveis: violências terríveis, terríveis divisões dentro da nossa nação. Iniciámos um processo de diálogo entre nós — Igreja da Escócia — e a Igreja Católica que está na Escócia, o qual havia de levar, no ano passado, à assinatura de uma Declaração de Amizade segundo a qual queremos caminhar juntos, com as nossas diferenças mas concordes nas coisas sobre as quais estamos de acordo. E só quando se consegue chegar a este nível de diálogo e de encontro com o outro é que os muros começam a desabar. Foi o que aconteceu na Escócia que, na minha juventude, ainda era um país profundamente dividido. E isto está a mudar. A própria instrução contribui para este processo.
Welby — Por minha vez, quero responder partindo de um ponto de vista diferente, porque a sua pergunta é muito útil. Não se trata da onu «ou» doutro, mas é onu «com»: sempre «com», em vez de «ou». Que oferecem as Igrejas? Não só redes funcionais praticamente incorruptíveis, pelo que, quando envias uma ajuda, esta chega às pessoas do lugar; redes que conseguem até cruzar as linhas de fogo, e tudo o mais. No sábado passado, o nosso arcebispo celebrou o funeral de 20 pessoas em Kajo Keji: partiu logo que recebeu a notícia do atentado e regressou no sábado à noite. Esta sua visita e intervenção fizeram a diferença: é a mudança do coração, que constituiu o ponto decisivo daquela visita. Há 100 anos, os povos Nuere e Dinka viviam perenemente em guerra: era uma cultura da vingança; os Nuere em particular estavam sempre em luta inclusive entre os próprios clãs, devido à apreensão do gado. A diferença, não a fez o Governo colonial, mas fizeram-na as Igrejas e a mudança do coração quando as pessoas receberam a fé em Cristo e adotaram uma nova maneira de viver. Por isso, a minha oração no final desta visita não é apenas por um enorme ativismo, mas sobretudo para que o Espírito de Deus traga um novo espírito de reconciliação e cura ao povo do Sudão do Sul.
Cláudio Lavanga, de nbc news, recordou o gesto do Papa em 2019, quando ajoelhou-se diante dos líderes do Sudão do Sul para pedir a paz, e perguntou, em vista do primeiro aniversário do conflito na Ucrânia, se estaria pronto a realizar o mesmo gesto em relação a Vladimir Putin, e aos três se gostariam de fazer um apelo conjunto pela paz naquela nação europeia.
Francisco — Estou disponível para encontrar os Presidentes: o da Ucrânia e o da Rússia. Estou disponível para o encontro. Se não fui a Kiev, é porque então não era possível ir a Moscovo. Mas eu estava disponível para o diálogo; de facto, no segundo dia da guerra, fui à Embaixada da Rússia dizer que queria ir a Moscovo falar com Putin, desde que houvesse uma abertura mínima para negociar. Depois o ministro Lavrov respondeu-me: «Está bem», ou seja, disse que sim, mas devia-se avaliar bem as coisas, «veremos mais adiante». Tratou-se de um gesto pensado, dizendo «faço-o por ele».
Mas aquele gesto do encontro de 2019, não sei como aconteceu, não tinha sido pensado; e as coisas que não foram pensadas, tu não as podes repetir. É o Espírito que te leva a isso, não se pode explicar... e basta! Eu próprio o esqueci. Foi um serviço; fui instrumento de algum impulso interior, não uma coisa planificada.
Hoje estamos na guerra. Mas não é a única guerra: é justo que o diga! Há doze, treze anos, a Síria está em guerra; o Iémen está em guerra há mais de dez anos; pensa no Mianmar, no pobre povo rohingya que vagueia pelo mundo… e vagueia pelo mundo porque foi expulso da própria pátria. Por todo o lado... na América Latina, quantos focos de guerra existem! Sim, há guerras mais importantes pelo rumor que fazem, mas — sei lá! — todo o mundo está em guerra, está autodestruindo-se. Pensemos seriamente... está-se autodestruindo. Paremos a tempo! É que uma bomba pede outra maior, e outra ainda maior... sempre maior. E esta escalada, tu não sabes onde terminará… É preciso manter a cabeça fria.
Mudando de tema, Sua Excelência falou das mulheres: as mulheres, vi-as no Sudão do Sul, crescem os filhos; às vezes ficam sozinhas, mas têm a força de criar um país. As mulheres são estupendas; elas é que o estão a levar para a frente... Porque os homens vão lutar, vão para a guerra e estas senhoras com dois, três, quatro, cinco crianças continuam para diante... Vi-as agora no Sudão do Sul. E, falando de mulheres, quero dizer uma palavra sobre as religiosas, as religiosas que se envolvem — vi algumas delas aqui no Sudão do Sul e, sucessivamente, na Missa de hoje: ouvistes o nome de muitas religiosas que foram mortas, degoladas nesta guerra... Mas voltemos à força da mulher, devemos tomá-la a sério, não a usando apenas como publicidade de maquilhagem! Por favor, isto é um insulto à mulher; a mulher é para coisas maiores!
Sobre o outro ponto já falei, mas é preciso olhar para as guerras que existem no mundo.
Welby — Falei da Rússia, do presidente Putin e da Ucrânia quando lá estive nos finais de novembro e princípio de dezembro, e verdadeiramente não tenho nada a acrescentar, exceto que o fim desta guerra está nas mãos do presidente Putin. Poderia pará-la com uma retirada e um cessar-fogo e, depois, com negociações para acordos a longo prazo. Mas não posso calar! É uma guerra espaventosa e terrível; e quero dizer também que estou de acordo com o Papa Francisco: há muitas outras guerras. Falo quase semanalmente com o responsável da nossa Igreja no Mianmar, falei com os líderes da nossa Igreja na Nigéria, onde ainda ontem foram mortas 40 pessoas em Katsina num conflito armado, falei com muita gente no mundo: estou plenamente de acordo com o Santo Padre. Nenhuma guerra poderá terminar, se não se envolverem as mulheres e os jovens, justamente pelas razões que ele enumerou.
Bruce De Galzain, de Rádio França, referiu-se à homossexualidade que no Sudão do Sul e no Congo não é aceite.
Francisco — Já falei sobre este problema por ocasião de duas viagens. A primeira, ao regressar do Brasil: se uma pessoa com tendência homossexual é crente e procura Deus, quem sou eu para a julgar? Isto foi o que eu disse naquela viagem. A segunda vez, ao voltar da Irlanda — uma viagem um pouco contrastada, porque naquele dia tinha vindo a público a carta daquele rapaz — e então eu disse claramente aos pais: os filhos com esta orientação têm direito de ficar em casa, não podeis expulsá-los de casa, têm direito a isso. Depois, recentemente, disse qualquer coisa (não me lembro bem o que disse) na entrevista à Associated Press. A criminalização da homossexualidade é um problema que não se deve ignorar. O cálculo é de cinquenta países, mais ou menos, que de uma forma ou doutra chegam a esta criminalização. Alguns falam de um número maior… Bem, pelo menos cinquenta. E alguns deles — creio que serão dez — têm também a pena de morte, às claras ou escondida, mas pena de morte. Isto não é justo, as pessoas com tendência homossexual são filhos de Deus, Deus ama-as, Deus acompanha-as. É verdade que alguns estão neste estado devido a várias situações descontroladas, mas condenar uma tal pessoa é pecado, criminalizar as pessoas com tendência homossexual é uma injustiça. Não estou a falar dos grupos; não, refiro-me à pessoa. Pode-se dizer: «Formam grupos que fazem barulho…». As pessoas; as lóbis são coisa diversa. Estou a falar das pessoas. E creio que, no Catecismo da Igreja Católica, há a frase: «não devem ser marginalizadas». Creio que sobre isto as coisas estão claras.
Welby — Talvez não vos tenha escapado completamente que, na Igreja da Inglaterra, se falou disto «só um pouco», recentemente… incluindo debates no Parlamento, etc.. Gostaria de ter falado com a mesma eloquência e clareza com que falou o Papa. Concordo plenamente com cada palavra que ele disse. A criminalização… a Igreja da Inglaterra, a Comunhão Anglicana aprovou resoluções em duas Conferências de Lambeth contra a criminalização, mas isso não mudou realmente a mentalidade da maioria das pessoas. Nos próximos quatro dias, este será o tema principal em discussão no Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, e citarei seguramente o Santo Padre. Disse-o lindamente e com precisão.
Greenshields — Apenas uma observação muito breve. Em nenhum lugar dos quatro Evangelhos, vejo Jesus rejeitar alguém. Em nenhum lugar dos quatro Evangelhos, vejo Jesus fazer outra coisa senão expressar amor a todos os que encontra. E, como cristãos, esta é a única expressão que podemos dirigir a qualquer ser humano em toda e qualquer circunstância.
Alexander Hecht, de orf tv , perguntou ao Papa se sente que depois da morte de Bento xvi se tornou mais difícil o seu trabalho, por se terem acesas as tensões entre as diferentes alas da Igreja Católica.
Francisco — Sobre este ponto, quero dizer que pude falar de tudo com o Papa Bento, trocar opiniões, e ele sempre esteve ao meu lado, apoiando; e, se ele tinha alguma dificuldade, dizia-ma e conversávamos. Não havia problemas.
Uma vez falei do matrimónio das pessoas homossexuais, do facto de o matrimónio ser um sacramento e não podemos realizar o sacramento, mas há a possibilidade de assegurar os bens com a lei civil (começou na França. Não me lembro como se chama!): qualquer pessoa pode fazer uma união civil, não necessariamente como casal; as idosas aposentadas fazem uma união civil... e assim por diante. Então uma pessoa que se considera um grande teólogo, através de um amigo do Papa Bento, foi ter com ele e fez queixa contra mim. Bento não se assustou, chamou quatro cardeais teólogos de primária grandeza e disse: «Explicai-me este facto»... e eles explicaram-no. E assim terminou a história.
É um exemplo para mostrar como Bento se movia quando havia uma denúncia. Algumas histórias, que se contam, de que Bento vivia amargurado por isto ou por aquilo que fez o novo Papa… são «histórias da carochinha». Ao contrário, a Bento, consultei-o para algumas decisões a tomar e ele estava de acordo.
Penso que a morte de Bento foi instrumentalizada por pessoas que querem levar a água ao seu moinho. E gente que, de uma forma ou doutra, instrumentaliza uma pessoa tão boa, tão de Deus, quase diria um santo padre da Igreja, tal gente não tem ética, é gente de partido, não de Igreja. Por toda a parte se vê a tendência a fazer das posições teológicas partidos e depois chegar a isso. Esquecei! Estas coisas cairão por si mesmas, ou então algumas não cairão e vão continuar, como aconteceu na história da Igreja. Mas tinha a peito dizer-vos claramente que o Papa Bento não era alguém amargurado.
Por fim Jorge Barcia Antelo, de rne, perguntou ao Papa em italiano quais serão as suas próximas viagens e em inglês ao moderador e ao arcebispo se se unirão ao Santo Padre noutras iniciativas como esta.
Francisco — Depende da ementa...!
Falo agora da globalização da indiferença, pois havia algo importante no centro da tua pergunta... Ah sim! É verdade; vemos a globalização da indiferença por toda a parte, talvez mesmo dentro do país... Várias pessoas esquecem-se de olhar para os seus compatriotas, os seus concidadãos, e passam ao largo para não pensar nisso. Dá que pensar que as maiores fortunas do mundo estejam nas mãos de uma minoria; e estas pessoas não olham para a miséria, o seu coração não se abre aos miseráveis prestando ajuda nestas situações.
Quanto às viagens. Penso que a Índia será no próximo ano… penso! No dia 23 de setembro, vou a Marselha; e existe a possibilidade que de Marselha voe até à Mongólia, mas isto não está definido, é possível. E, depois, mais uma neste ano: Lisboa. Mas o critério é este: escolhi visitar os países mais pequenos da Europa. Direis: «Mas foi à França?!» Não! Fui a Estrasburgo, irei a Marselha; não à França. Os mais pequenos, os menores, para conhecer um pouco a Europa escondida, a Europa que tem tanta cultura mas que não é conhecida por todos, para acompanhar países como, por exemplo a Albânia (foi a primeira) que é o país que sofreu a ditadura mais cruel da história. A minha seleção é feita mais ou menos assim: procurar não cair, eu próprio, na globalização da indiferença.
[Perguntam-lhe pela saúde] Tu sabes que a erva daninha nunca morre! Não, não estou como no princípio do pontificado. Verdadeiramente este joelho é fastidioso, mas melhora lentamente; depois veremos. Obrigado!
Welby— Esta é seguramente a melhor das companhias aéreas em que já viajei! Brincadeiras à parte! Se o Santo Padre tiver a impressão de que fui uma mais-valia, ou que, no futuro, o arcebispo [de Cantuária] possa ser uma mais-valia, será sempre um grande privilégio. Depende do destino e do facto de servir de obstáculo ou de ajuda.
Greenshields —Seguramente era o nosso desejo, ficaríamos felizes em voltar a fazer algo parecido. A única limitação é que o meu mandato termina em 20 de maio e o próximo Moderador [da Assembleia Geral] da Igreja da Escócia será uma mulher, muito capaz [inteligente?], e tenho a certeza de que ela ficaria feliz em fazer o mesmo.