Carta dos cardeais Grech e Hollerich aos bispos do mundo

Ouvir o outro para uma sinodalidade plena

Bischöfe nehmen teil an der 15. ordentlichen Generalversammlung der Bischofssynode unter dem Motto: ...
02 fevereiro 2023

Nas Igrejas continentais «a voz das Igrejas particulares ressoará novamente e com ainda maior força», a fim de crescer mais num estilo sinodal de Igreja, povo de Deus e pastores, «em fidelidade à Palavra e à Tradição». Os cardeais Mario Grech e Jean-Claude Hollerich pedem-no numa carta sobre o papel do bispo no processo sinodal datada de 26 de janeiro e divulgada no dia 30. Publicamos o texto do documento enviado aos prelados do mundo inteiro pelo secretário-geral da Sínodo e pelo arcebispo do Luxemburgo que é relator-geral da assembleia sinodal.

Caros Irmãos!

Como sabem, na conclusão da fase de consulta «nas Igrejas particulares», o processo do Sínodo 2021-2024 prevê a celebração das Assembleias continentais. É em vista desta etapa que nos dirigimos a todos vós, que nas vossas Igrejas particulares sois o princípio e o fundamento da unidade do Povo santo de Deus (cfr. lg 23). Fazemo-lo em nome da responsabilidade comum pelo processo sinodal em andamento como Bispos da Igreja de Cristo: não é possível o exercício da sinodalidade eclesial sem o exercício da colegialidade episcopal.

A constituição apostólica Episcopalis communio lembra-nos que «cada um dos Bispos possui, simultânea e inseparavelmente, a responsabilidade pela Igreja particular confiada aos seus cuidados pastorais e a solicitude pela Igreja universal» ( ec , n. 2). Tornar possível o exercício desta última é a razão de ser do Sínodo dos Bispos desde o seu início. Com grande previsão, no seu próprio documento fundador, a Apostolica sollicitudo, São Paulo vi afirma que o Sínodo, «como qualquer instituição humana, com o passar do tempo pode ser aperfeiçoado ainda mais». É isto que estamos vivenciando agora: a Episcopalis communio, longe de enfraquecer uma instituição episcopal, no momento em que realça o carácter processual do Sínodo, torna ainda mais crucial o papel dos Pastores e a sua participação nas várias fases. Obrigado, portanto, pelo que cada um de vós tem feito até agora ao serviço do Sínodo 2021-2024, tornando possível a consulta do Povo de Deus nas Igrejas particulares e o discernimento nos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e nas Conferências episcopais.

Na véspera das Assembleias continentais, sentimos a urgência de compartilhar algumas considerações para uma compreensão comum do processo sinodal, do seu andamento e do sentido da etapa que estamos vivendo. De facto, há alguns que presumem já saber quais serão as conclusões da Assembleia Sinodal. Outros gostariam de impor uma agenda ao Sínodo, com a intenção de dirigir a discussão e condicionar os seus resultados. Contudo, o tema que o Papa atribuiu à xvi Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos é claro: «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão». Este é, portanto, o único tema que somos chamados a aprofundar em cada uma das fases do processo. As expectativas em relação ao Sínodo 2021-2024 são muitas e variadas, mas não é tarefa da Assembleia abordar todas as questões em torno das quais se debate na Igreja.

Aqueles que pretendem impor algum tema ao Sínodo esquecem a lógica que rege o processo sinodal: somos chamados a traçar uma “rota comum”, a partir da contribuição de todos. É até supérfluo recordar que a constituição apostólica Episcopalis communio transformou o Sínodo de um evento em um processo, articulado em etapas. Isto significa que é desde a sua abertura solene, no dia 10 de Outubro de 2021 em São Pedro, que o Sínodo tem abordado e desenvolvido o tema atribuído, primeiro na fase de consulta do Povo de Deus, depois no discernimento dos Pastores nos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e nas Conferências episcopais, e agora nas Assembleias continentais. É precisamente devido ao vínculo entre as diferentes fases que outros temas não podem ser introduzidos sub-repticiamente, instrumentalizando a Assembleia e descurando a consulta do Povo de Deus.

Que na primeira fase de escuta os confins do tema não estavam tão definidos pode ser entendido, também devido à novidade do método e à dificuldade em compreender e reconhecer que todo o «Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo» ( lg , n. 12). Mas esta incerteza diminuiu nas etapas sucessivas. Isto é demonstrado no teor das sínteses enviadas pelos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e pelas Conferências episcopais à Secretaria do Sínodo, que são o fruto do discernimento dos pastores sobre as contribuições da consulta do Povo de Deus. A partir destas sínteses, foi elaborado o Documento de trabalho para a etapa continental ( dtc ), no qual ressoa claramente a voz das Igrejas particulares.

A decisão de devolver o dtc às Igrejas particulares, pedindo a cada uma que escute a voz das outras, que ressoa através desse documento, relendo assim as etapas do processo sinodal a um nível de maior consciência, mostra o quanto a única regra que realmente nos demos a nós próprios é a de permanecer na escuta do Espírito: «Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar “é mais do que ouvir”. É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo» (Discurso em comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos bispos, 2015).

Os temas que o dtc propõe não constituem a agenda da próxima Assembleia do Sínodo dos Bispos, mas devolvem fielmente o que emerge das sínteses enviadas pelos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e pelas Conferências episcopais, possibilitando um vislumbre do rosto de uma Igreja que está aprendendo a ouvir o Espírito através da escuta de uns aos outros. Caberá às Assembleias continentais, com base nas ressonâncias que a leitura do dtc terá suscitado em cada Igreja particular, identificar «quais são as prioridades, os temas recorrentes e os apelos à ação que podem ser partilhados com outras Igrejas locais no mundo e discutidos durante a Primeira Sessão da Assembleia sinodal em outubro de 2023?» ( dtc , n. 106).

É por isso que confiamos que nas Assembleias continentais a voz das Igrejas particulares ressoará novamente e com ainda maior força, através da síntese realizada pelos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e pelas Conferências episcopais nacionais. Quanto mais crescermos num estilo sinodal de Igreja, mais todos nós membros do Povo de Deus — fiéis e Pastores — aprenderemos a sentire cum Ecclesia, em fidelidade à Palavra de Deus e à Tradição. Por outro lado, como poderíamos lidar com questões pontuais, muitas vezes divisionistas, sem antes ter respondido à grande questão que tem questionado a Igreja desde o Concílio Vaticano ii : «Igreja, que dizes de ti mesma?». A longa viagem de recepção do Concílio leva-nos a dizer que a resposta está na Igreja «constitutivamente sinodal», onde todos são chamados a exercer o seu próprio carisma eclesial em vista do cumprimento da missão comum de evangelização.

O processo sinodal em curso está a mostrar-nos como isto é possível. Em virtude da sua participação na função profética de Cristo, o Povo Santo de Deus é o sujeito do processo sinodal através da consulta que cada bispo realiza na sua Igreja: desta forma, de facto, pode-se realmente ouvir «a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cfr. Jo 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé» ( lg , n. 12). O Colégio episcopal, que é, «juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja» ( lg , n. 22), participa no processo sinodal seja quando cada Bispo inicia, orienta e conclui a consulta do Povo de Deus que lhe foi confiado, seja nas etapas sucessivas, quando os Bispos exercem conjuntamente o seu carisma de discernimento, nos Sínodos/Conselhos das Igrejas sui iuris e nas Conferências episcopais, nas Assembleias continentais e, de forma particular, na Assembleia do Sínodo. Em analogia ao que se afirma do concílio ecuménico, é prerrogativa do Bispo de Roma, «perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis» ( lg , n. 23), convocar, presidir e confirmar as Assembleias Sinodais.

Já nesta primeira fase do processo sinodal pudemos ver como cada um desempenhou o seu papel, no respeito do papel e da contribuição dos outros. Trata-se de continuar por este caminho, não confundindo sinodalidade com um método apenas, mas assumindo-a como uma forma da Igreja e um estilo de realização da missão comum de evangelização. O ministério dos pastores torna-se assim ainda mais determinante para o caminho do Povo santo de Deus. Estamos convencidos de que, ao longo desta via, o Espírito, que guia o caminho da Igreja, nos permitirá experimentar como «aqui o Sínodo dos Bispos, representando o episcopado católico, torna-se expressão da colegialidade episcopal dentro duma Igreja toda sinodal» (Discurso em Comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos bispos, 2015).

A etapa continental poderá ajudar-nos a compreender esta visão se, como Colégio episcopal, estivermos unidos na procura das vias que ajudam a Igreja a ser «“sacramento de unidade”, isto é, Povo santo reunido e ordenado sob a direcção dos Bispos» ( sc , n. 26). Além disso, a participação no processo sinodal nos permitirá reforçar essa união colegial que «aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal» ( lg , n. 23). Se é verdade que todos os Bispos, «governando bem a própria igreja, como porção da Igreja universal, concorrem eficazmente para o bem de todo o Corpo místico, que é também o corpo das igrejas» ( lg , n. 23), também é verdade que somos chamados, todos juntos cum et sub Petro, a representar «toda a Igreja no vínculo da paz, do amor e da unidade» ( lg , n. 23). Que melhor maneira do que «caminhar juntos», na certeza de que «o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio» (Discurso em comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos bispos, 2015)?