A crueldade desumana e o milagre da reconciliação

02 fevereiro 2023

Desde o seu primeiro discurso em Kinshasa, o Papa Francisco pediu ao mundo para não fechar os olhos, os ouvidos nem a boca perante o que está a acontecer na República Democrática do Congo e em toda a África. Na tarde do segundo dia da viagem, no salão da nunciatura apostólica, fomos postos em frente a uma revisão dramática da crueldade desumana dos conflitos e das violências que se verificam no leste deste país atormentado por lutas étnicas e territoriais, conflitos sobre a propriedade da terra, ódios blasfemos de quem mata em nome de um falso deus. Um país assolado pela guerra «desencadeada por uma insaciável ganância de matérias-primas e dinheiro». Só o silêncio e as lágrimas podiam acompanhar as histórias que foram apresentadas ao Papa, como a do jovem agricultor Ladislas, que viu homens vestidos de soldados matarem e despedaçarem o seu pai e raptarem a sua mãe. Como a de Bijoux que, em 2020, com quinze anos, quando ia buscar água ao rio, foi raptada por um grupo de rebeldes e violada durante 19 meses pelo seu comandante. Conseguiu fugir quando estava grávida e agora encontra-se ali, na frente do Sucessor de Pedro, com as suas filhas gémeas. Como a de Emelda, que acabou como refém nas mãos dos rebeldes numa sexta-feira à noite em 2005, com 16 anos, e foi tida como escrava sexual durante três meses: de cinco a dez homens abusavam dela todos os dias. Para não acabar também em pedaços, era obrigada a comer a carne dos homens assassinados... Apenas silêncio e lágrimas. Francisco ficou impressionado e comovido. Repetiu o nome de Jesus, porque «com Ele o mal já não tem a última palavra sobre a vida... Com Ele, cada túmulo pode ser transformado num berço, cada calvário num jardim pascal». Com Ele, a esperança pode renascer «para quantos sofreram o mal e até para quantos o cometeram». As vítimas, comprometidas num caminho de perdão e reconciliação, depuseram alguns símbolos do seu sofrimento — uma catana, um tapete, pregos — debaixo do grande Crucifixo que estava ao lado do Papa. É difícil até imaginar a possibilidade de perdão, depois de ouvir as suas palavras e o oceano de violência, sofrimento e humilhação que padeceram. Se isso acontecer, é por pura graça. Só um milagre o pode permitir. Assistimos a este milagre, possível para quantos vivem por Aquele que fez do sepulcro o início de uma nova história, enquanto o sol se punha em Kinshasa.

Andrea Tornielli