Da inquietude à adoração:
Jesus é «a estrela radiante da manhã», disse o Papa Francisco ao presidir à Eucaristia na basílica do Vaticano na manhã de 6 de janeiro, solenidade da Epifania do Senhor. Tudo fala de alegria e luz no dia em que a adoração dos Magos é recordada e se anuncia a data da Páscoa, que este ano será 9 de abril. Todos os dias santos nascem da Páscoa: Cinzas, o início da Quaresma, a 22 de fevereiro; a Ascensão do Senhor, a 18 de maio (na Itália celebra-se a 21 de maio); Pentecostes, a 28 de maio; o primeiro domingo de Advento, a 3 de dezembro. A primeira leitura foi proclamada em inglês, o salmo em italiano por um cantor da Capela Sistina, a segunda leitura em espanhol. A passagem do Evangelho foi também lida em italiano. A oração dos fiéis foi seguida de intenções, em suaíli, pela Igreja; em francês, por todos os povos da terra; em árabe, pelo sofrimento; em alemão, pelos que procuram a verdade; em chinês, por todos os presentes e as suas comunidades. Durante a comunhão, foi cantada a tradicional canção de Natal “Astro del ciel”. No final, após a bênção, foi cantada a antífona “Alma Redemptoris Mater”. Vinte e seis cardeais concelebraram com o Pontífice: no momento da oração eucarística, o celebrante Luis Antonio Tagle aproximou-se do altar, com Giovanni Battista Re, Decano do Colégio cardinalício, e Francis Arinze. Também concelebraram vinte prelados — incluindo o arcebispo Edgar Peña Parra, substituto da Secretaria de Estado, e Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados e Organizações internacionais — e cerca de duzentos e cinquenta sacerdotes. O serviço dos ministérios foi prestado pelo Pontifício Colégio Urbano De Propaganda Fide. Os hinos foram executados pelo Coro da Capela Sistina dirigido pelo maestro Marcos Pavan, acompanhado pelo coro principal e pelo coro da Madeleine Cathedral Salt Lake City, dos Estados Unidos da América.
Como uma estrela que se levanta (cf. Nm 24, 17), Jesus vem iluminar todos os povos e clarear as noites da humanidade. Com os Magos, erguendo o olhar para o céu, hoje também nós nos perguntamos: «Onde está aquele que acaba de nascer?» (Mt 2, 2). Por outras palavras, qual é o lugar onde podemos procurar e encontrar o Senhor de todos nós?
Pela experiência dos Magos, compreendemos que o primeiro “lugar” onde Ele gosta de ser procurado é a inquietação que se interroga. A aventura fascinante destes sábios do Oriente ensina-nos que a fé não nasce dos nossos méritos nem de raciocínios teóricos, mas é dom de Deus. A sua graça ajuda-nos a despertar da apatia e a dar espaço às perguntas importantes da vida, perguntas que nos fazem sair da presunção de ter tudo em ordem, abrindo-nos para aquilo que nos supera. A primeira coisa que vemos nos Magos é esta: a inquietação de quem se interroga. Habitados por uma profunda nostalgia do infinito, perscrutam o céu e deixam-se maravilhar pelo fulgor de uma estrela, representando assim a tensão para o transcendente que anima o caminho das civilizações e a busca incessante do nosso coração. De facto, aquela estrela deixa no coração deles precisamente uma pergunta: Onde está aquele que acaba de nascer?
Irmãos e irmãs, o caminho da fé tem início quando damos espaço, com a graça de Deus, à inquietude que nos mantém acordados; quando nos deixamos interrogar, quando não nos contentamos com a tranquilidade dos nossos hábitos, mas envolvemo-nos nos desafios de cada dia; quando deixamos de nos manter num espaço neutral e decidimos habitar os espaços incómodos da vida, feitos de relações com os outros, surpresas, imprevistos, projetos a levar por diante, sonhos a realizar, medos a enfrentar, sofrimentos que escavam na carne. Nesses momentos, levantam-se do nosso coração as perguntas irreprimíveis que nos abrem à busca de Deus: Para mim, onde está a felicidade? Onde está a vida plena a que aspiro? Onde está aquele amor que não passa, não conhece ocaso, não se rompe nem mesmo diante de fragilidades, fracassos e traições? Quais são as oportunidades escondidas dentro das minhas crises e tribulações?
Sucede, porém, que o clima que respiramos diariamente oferece “tranquilizantes da alma”, paliativos para a insensibilizar, para insensibilizar a nossa inquietude e apagar tais perguntas. Desde os produtos do consumismo até às seduções do prazer, desde os debates elevados a espetáculo até à idolatria do bem-estar... tudo parece dizer-nos: não penses demais, deixa correr, goza a vida! Muitas vezes procuramos sistematizar o coração no cofre da comodidade — sim, sistematizar o coração no cofre da comodidade — mas, se os Magos tivessem feito assim, nunca teriam encontrado o Senhor. Insensibilizar o coração, insensibilizar a alma para pôr termo à inquietação: este é o perigo. Com efeito, Deus habita nas nossas perguntas inquietas; com elas, «procuramo-lo como a noite procura a aurora (...). Ele está no silêncio que nos turba diante da morte e do fim de todas as grandezas humanas; está na necessidade de justiça e amor que trazemos dentro de nós. Ele é o Mistério santo que vem ao encontro da nostalgia do Totalmente Outro, nostalgia de justiça perfeita e consumada, de reconciliação, de paz» ( C. M. Martini , Ao Encontro do Senhor Ressuscitado: o âmago do espírito cristão, Cinisello Balsamo 2012, 66). Concluindo, o primeiro lugar é este: a inquietação que se interroga. Não tenhamos medo de entrar nesta inquietude que gera perguntas: são estas precisamente as estradas que nos levam a Jesus.
O segundo lugar onde podemos encontrar o Senhor é o risco do caminho. De facto, os interrogativos, mesmo espirituais, podem induzir à frustração e desolação, se não nos puserem a caminho, se não dirigirem o nosso movimento interior para o rosto de Deus e a beleza da sua Palavra. O peregrinar dos Magos, «o seu peregrinar exterior — disse Bento xvi — era expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação interior do seu coração» (Homilia na Missa da Epifania, 6 de janeiro de 2013). Na realidade, os Magos não se detêm a olhar o céu e contemplar a luz da estrela, mas aventuram-se numa viagem arriscada que não prevê, à partida, estradas seguras nem roteiro definido. Pretendem descobrir quem é o Rei dos Judeus, onde nasceu, onde podem encontrá-lo. Para isso interpelam Herodes; e este, por sua vez, convoca os sumos sacerdotes e os escribas do povo que esquadrinham as Escrituras. Os Magos estão a caminho: a maior parte dos verbos que descrevem as suas ações são verbos de movimento.
O mesmo vale para a nossa fé: sem um contínuo caminhar e um diálogo constante com o Senhor, sem escuta da Palavra, nem perseverança, aquela não pode crescer. Não basta ter algumas ideias sobre Deus nem qualquer oração que acalma a consciência; é preciso fazer-se discípulo seguindo Jesus e o seu Evangelho, falar de tudo com Ele na oração, procurá-lo nas situações do dia a dia e no rosto dos irmãos. Desde Abraão que se pôs a caminho para uma terra desconhecida até aos Magos que se movem seguindo a estrela, a fé é um caminho, a fé é uma peregrinação, a fé é uma história de partidas sucessivas. Nunca o esqueçamos: a fé é um caminho, uma peregrinação, uma história de partidas sucessivas. Recordemo-nos disto: a fé não cresce, se permanecer estática; não podemos encerrá-la em qualquer devoçãozinha pessoal, nem fechá-la dentro das paredes das igrejas, mas é preciso trazê-la para fora, vivê-la em caminho constante rumo a Deus e aos irmãos. Perguntemo-nos hoje: Estou a caminhar para o Senhor da vida, para que se torne o Senhor da minha vida? Jesus, quem sois Vós para mim? Para onde me chamais, que pedis à minha vida? Que opções me convidais a fazer em prol dos outros?
Após a inquietação que se interroga e o risco do caminho, o terceiro lugar onde se pode encontrar o Senhor é a maravilha da adoração. No termo de um longo percurso e uma busca fadigosa, os Magos entraram na casa, «viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no» (Mt 2, 11). Este é o ponto decisivo: as nossas inquietudes, as nossas perguntas, os caminhos espirituais e as práticas da fé devem convergir para a adoração do Senhor. Aí encontram o seu centro fontal, porque tudo nasce daqui, pois é o Senhor que suscita em nós o sentir, o agir e o operar. Tudo nasce e tudo culmina aqui, porque o fim de cada coisa não é alcançar uma meta pessoal e receber glória para si mesmo, mas encontrar Deus e deixar-se abraçar pelo seu amor, que dá fundamento à nossa esperança, liberta-nos do mal, abre-nos ao amor pelos outros, torna-nos pessoas capazes de construir um mundo mais justo e mais fraterno. De nada adianta agitar-nos pastoralmente, se não colocamos Jesus no centro, adorando-o. A maravilha da adoração. Aqui aprendemos a estar diante de Deus, não tanto para pedir ou fazer qualquer coisa, mas apenas para nos determos em silêncio abandonando-nos ao seu amor, para nos deixarmos conquistar e regenerar pela sua misericórdia. De facto, rezamos muitas vezes, pedimos coisas, refletimos... mas habitualmente falta-nos a oração de adoração. Perdemos o sentido de adorar, porque perdemos a inquietação que se interroga e perdemos a coragem de avançar por entre os riscos do caminho. Hoje o Senhor convida-nos a fazer como os Magos: como os Magos, prostremo-nos, rendamo-nos a Deus na maravilha da adoração. Adoremos a Deus e não o nosso eu; adoremos a Deus e não os falsos ídolos que nos seduzem com o fascínio do prestígio e do poder, com o fascínio das falsas notícias; adoremos a Deus para não nos prostrarmos diante das coisas que passam e das lógicas sedutoras, mas vazias, do mal.
Irmãos, irmãs, abramos o coração à inquietude, peçamos a coragem para avançar no caminho e terminemos na adoração. Não tenhamos medo! É o percurso dos Magos; é o percurso de todos os santos da história: acolher as inquietudes, pôr-se a caminho e adorar.
Irmãos, irmãs, não deixemos que se apague em nós a inquietação que se interroga; não interrompamos o nosso caminho cedendo à apatia ou à comodidade; e, encontrando o Senhor, rendamo-nos à maravilha da adoração. Então descobriremos a existência de uma luz que ilumina mesmo as noites mais escuras: é Jesus. Ele é a estrela resplandecente da manhã, o sol de justiça, o fulgor misericordioso de Deus, que ama todo o homem nos vários povos da terra.