Intolerável a guerra que semeia morte e destruição

 Intolerável a guerra  que semeia morte e destruição  POR-001
05 janeiro 2023

No final da missa celebrada na basílica do Vaticano, ao meio-dia de 1 de janeiro, o Papa Francisco recitou o Angelus da janela do Palácio apostólico com os quarenta mil fiéis e peregrinos reunidos na praça de São Pedro. A seguir, apresentamos a meditação com a qual o Pontífice introduziu a oração mariana, recordando o seu predecessor Bento xvi, falecido na manhã de 31 de dezembro de 2022.

Estimados irmãos e irmãs bom dia e feliz ano!

O início de um novo ano é confiado a Maria Santíssima, que hoje celebramos como Mãe de Deus. Nestas horas invoquemos a sua intercessão em particular para o Papa emérito Bento xvi , que deixou este mundo ontem de manhã. Unamo-nos todos juntos, com um só coração e uma só alma, para dar graças a Deus pelo dom deste servo fiel do Evangelho e da Igreja. Acabámos de ver na televisão, “À Sua Imagem” [programa transmitido pela Rai], toda a atividade e a vida do Papa Bento.

Enquanto ainda contemplamos Maria na gruta onde Jesus nasceu, podemos perguntar-nos: com qual linguagem nos fala a Virgem Santa? Como fala Maria? O que podemos aprender com ela para este ano que se abre? Podemos dizer: “Nossa Senhora, ensinai-nos o que devemos fazer neste ano”.

Na verdade, se observarmos a cena que a liturgia de hoje nos apresenta, notamos que Maria não fala. Ela acolhe com admiração o mistério que vive, conserva tudo no seu coração e, sobretudo, preocupa-se pelo Menino, que — diz o Evangelho — estava «deitado na manjedoura» (Lc 2, 16). O verbo “deitar” significa depor com cuidado, e diz-nos que a linguagem própria de Maria é a da maternidade: cuidar ternamente do Menino. Esta é a grandeza de Maria: enquanto os anjos se regozijam, os pastores apressam-se e todos louvam a Deus em voz alta pelo evento que aconteceu, Maria não fala, não entretém os convidados explicando o que lhe aconteceu, não rouba a cena — nós gostamos muito de roubar a cena! — ao contrário, coloca o Menino no centro, cuidando d’Ele com amor. Uma poetisa escreveu que Maria «soube também ser solenemente muda, [...] pois não queria perder de vista o seu Deus» ( A. Merini , Corpo d’amore. Un incontro con Gesù, Milão 2001, 114).

Esta é a linguagem típica da maternidade: a ternura do cuidado. De facto, depois de levado no seio durante nove meses o dom de um misterioso prodígio, as mães continuam a pôr no centro de todas as atenções os seus filhos: alimentam-nos, pegam neles ao colo, deitam-nos suavemente no berço. Cuidar: esta é também a linguagem da Mãe de Deus; uma linguagem de mãe: cuidar.

Irmãos e irmãs, como todas as mães, Maria traz a vida no seu ventre e assim fala-nos do nosso futuro. Mas ao mesmo tempo lembra-nos que, se quisermos realmente que o novo ano seja bom, se quisermos reconstruir esperança, devemos abandonar as linguagens, os gestos e as escolhas inspirados pelo egoísmo e aprender a linguagem do amor, que consiste em cuidar. Cuidar é uma linguagem nova, que vai contra as linguagens do egoísmo. Este é o compromisso: cuidar da nossa vida — cada um de nós deve cuidar da própria vida —; cuidar do nosso tempo, da nossa alma; cuidar da criação e do meio ambiente em que vivemos; e, ainda mais, cuidar do nosso próximo, daqueles que o Senhor colocou ao nosso lado, bem como dos irmãos e das irmãs que estão em necessidade e interpelam a nossa atenção e a nossa compaixão. Olhando para Nossa Senhora com o Menino, enquanto ela cuida do Menino, aprendamos a cuidar dos outros, e também de nós mesmos, cuidando da saúde interior, da vida espiritual, da caridade.

Ao celebrarmos hoje o Dia Mundial da Paz, retomemos consciência da responsabilidade que nos foi confiada para construir o futuro: perante as crises pessoais e sociais que vivemos, diante da tragédia da guerra, «somos chamados a enfrentar os desafios do nosso mundo com responsabilidade e compaixão» (Mensagem para o lvi Dia Mundial da Paz, 5). E podemos fazê-lo se cuidarmos uns dos outros e se, todos juntos, cuidarmos da nossa casa comum.

Imploremos Maria Santíssima, Mãe de Deus, a fim de que nesta época poluída pela desconfiança e indiferença, nos torne capazes de compaixão e cuidado — capazes de ter compaixão e de cuidar — capazes de «comover-se e parar diante do outro, tantas vezes quantas forem necessárias» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 169).

No final do Angelus, o Pontífice dirigiu os seus melhores votos para 2023 aos presidentes da República italiana e do governo, e recordou o drama da guerra na Ucrânia. A propósito, saudou também os participantes na marcha nacional realizada no dia anterior em Altamura e a Comunidade de Santo Egídio.

A todos vós aqui presentes e aos que nos acompanham através dos meios de comunicação social, transmito os melhores votos para o novo ano. Exprimo viva gratidão ao Presidente da República italiana, o senhor Sergio Mattarella, invocando prosperidade para o povo italiano; com os mesmos bons votos também para o Presidente do Governo.

Neste dia, que São Paulo vi quis dedicar à oração e à reflexão pela paz no mundo, sentimos ainda mais forte, intolerável, o contraste da guerra, que na Ucrânia e noutras regiões semeia morte e destruição. Todavia não percamos a esperança, pois temos fé em Deus, que em Jesus Cristo nos abriu o caminho da paz. A experiência da pandemia ensina-nos que ninguém se pode salvar sozinho, mas que juntos podemos percorrer caminhos de paz e desenvolvimento.

No mundo inteiro, em todos os povos, eleva-se o clamor: não à guerra! Não ao rearmamento! Que os recursos sejam para o desenvolvimento: saúde, alimentação, educação, trabalho. Entre as inúmeras iniciativas promovidas pelas comunidades cristãs, recordo a Marcha nacional realizada ontem em Altamura, na sequência das quatro caravanas que levaram solidariedade à Ucrânia. Saúdo e agradeço aos numerosos amigos da Comunidade de Santo Egídio, que vieram também este ano para testemunhar o seu compromisso pela “paz em todas as terras”, aqui e em muitas cidades do mundo. Obrigado, queridos irmãos e irmãs de Santo Egídio!

Saúdo as duas bandas musicais provenientes da Virgínia e do Alabama, nos Estados Unidos da América — queremos ouvi-las a seguir! Saúdo os jovens do movimento Regnum Christi — obrigado! Eles fazem-se ouvir! — de vários países da América e da Europa; bem como os jovens e as famílias da Comunidade Cenáculo, com uma bênção à Madre Elvira e a todas as comunidades.

Desejo a todos feliz domingo e bom ano. Não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista!